terça-feira, 21 de agosto de 2012

Os extremos de um mesmo estilo

Raridade: a maioria das músicas são próprias


Alguém muito bom, acho que Bruce Springsteen, disse uma vez que um artista não se mede pelo que ele pode fazer em um estúdio, mas sim pelo que pode fazer em um palco. É lá, com a responsabilidade de conduzir milhares de pessoas que o real artista se revela. Pois bem, no último sabádo tive a “oportunidade” de acompanhar os dois extremos de um estilo que não acompanho (um modo educado de dizer “não curto nem um pouco”), mas que sempre tive contato por conta de amigos: o sertanejo. Na Festa do Peão de Barretos, evento que vou anualmente pelo simples fato de ter nascido lá, tocaram no mesmo dia, um atrás do outro, Chitãozinho & Xororó e Gustavo Lima.

A frase que citei no inicio do texto me veio a mente logo após a primeira hora de show de Chitãozinho & Xororó (por algum motivo eu estava prestando atenção). Devo conhecer, se muito, umas 6 músicas da dupla, mas sempre respeitei pelo que fizeram na música popular do Brasil. São mais de 30 anos de carreira ajudando a levar um som que era restrito a pequenas cidades do interior para grandes centros, incluindo São Paulo. E, acreditem, é possível perceber estes 30 anos de experiência no palco. A dupla conduz o público, claramente sabendo o que estão fazendo, o que estão tocando e, tecnicamente, entregando o que precisam entregar.

Porém, existe um ponto que se sobressai a tudo isso para quem tem a sensibilidade para perceber. Chitãozinho & Xororó, no palco, são honestos. É do tipo de qualidade que precisa ser reconhecida por qualquer um que aprecie música, independente do estilo. Quando ambos tocam um novo arranjo pra uma moda de viola clássica em um arena com 30.000 pessoas, percebe-se que fazem isso por amar a música, não para agradar aquele público (que nem estava se importando muito mesmo). Chitãozinho & Xororó tocam o que de fato é a música sertanjea. O que só piora o contraste com o que veio logo em seguida.

Se alguém me dissesse que eu estava em um show de rock adolescente quando Gustavo Lima entrou no palco, eu acreditaria. Cabelo à la Neymar, oculos escuros às duas da manhã e jaqueta de couro em uma cidade que faz 32º no inverno. Tudo isto, acompanhado do título de “maior revelação da música sertaneja no Brasil”, segundo o anunciador. Vou ser direto. Tudo, absolutamente tudo, que envolve Gustavo Lima e variados (só penso em Luan Santana, deve ter outros) soa absurdamente produzido, reproduzido, repaginado e processado.

Durante os pouco mais de 80 minutos de show – sério, só isso –, eu senti como se estivesse vendo um banda cover de formatura muito ruim. É impressionante que um cantor do porte deste rapaz, e seu sucesso de fato é inegável, apresente apenas 5 músicas próprias no show mais importante que vai fazer no ano! Boa parte das demais músicas eram covers de outras músicas-chicletes do mesmo genêro, o sertanejo universitário, também feitas por artistas que só tem elas como produto relevante (teve até espaço pra música de axé!). Ou seja, a indústria da música de sucesso hoje no país produz artistas que canibalizam o proprio produto como modo de justificar a morte de um modelo clássico de negócio, que tinha shows gigantescos.

A falta de originalidade e identidade é tão gritante que ganha contornos cômicos. Logo após demonstrar ser um dos piores tocadores de viola que a música brasileira já produziu e abrir com uma “poesia” afirmando ser, nas palavras dele, caipira da roça, Gustavo Lima emendou covers de Sweet Child O’Mine, do Guns n’Roses, e de Smoke on the Water, do Deep Purple. A grande questão que fica é: será que o público se importou com isso? A resposta é obvia: não. Boa parte das trinta mil pessoas presentes provavelmente dirão que o show do Gustavo Lima foi o melhor do dia, afinal, com ele ficou mais fácil pegar alguém. Nunca me importei com esta justificativa pois até pouco tempo atrás ela era restrita a festas e festivais, mas o fato de que isto se tornou o norte de grande parte da indústria músical brasileira é muito preocupante. Hoje somos um país em que aquilo que é original abre o show do que é pausterizado. Se serve de consolo, Chitãozinho & Xororó, tenho muito mais respeito por vocês depois que vi o que fazem ao vivo.

domingo, 12 de agosto de 2012

A poesia beat cinematográfica do On the Road de Walter Salles



Eu não li On the Road, o clássico beat de Jack Kerouac que mudou a literatura dos Estados Unidos nos anos 50. No entanto, o brasileiro Walter Salles me conquistou com os versos de Sal Paradise, interpretado pela voz rouca e pela presença na tela de Sam Riley (o roqueiro Ian Curtis do filme Control), intercalados com o jazz, o bebop e a música frenética dos negros na estrada de jovens sem destino.

Para quem não entende o sentimento de viagem desses jovens após a Segunda Guerra Mundial, tentando descobrir seu próprio país, não consegue entender o filme e tampouco seus personagens. Sal acompanha um jovem chamado Dean Moriarty, ex-presidiário que tem uma fome de liberdade insaciável, tão libertina quanto sua vontade de ficar viajando de um canto até outro, sem destino. Sal Paradise está tentando colocar no papel todas essas impressões, enquanto Dean vive um romance estável com a esposa Camille, que ele logo abandona para viajar, e uma paixão louca por Marylou, uma garota menor de idade que personifica os próprios desejos de liberdade dele.

Sal, Dean, Marylou e seus amigos vão de leste à oeste, do norte ao sul. Chegam até o México. São perseguidos pela polícia por excesso de velocidade. Fazem sexo pelo simples impulso. Interpretada por Kristen Stewart, a Bella da saga Crepúsculo, a Marylou criada pelo diretor Walter Salles é uma personagem que imediatamente chama atenção por seu desprendimento e desprezo por tudo o que é considerado moralmente correto. Suas cenas de sexo a três chamam atenção nas telas, mas o filme não seria completo sem o protagonista literário que é Sal Paradise - e que tenta transmitir o sentimento de um tempo que não existe mais nos Estados Unidos, quando ainda estava começando o rock´n´roll e a contracultura.

Alguns personagens se perdem no roteiro de Salles. O Old Bull Lee de Viggo Mortensen (o Aragorn de Senhor dos Anéis), não é mencionado em momento nenhum como o escritor William S. Burroughs, que criaria a literatura beat com Jack Kerouac (Sal Paradise). Ele meramente é apresentado como alguém que conhece e compreende Dean. 

Muitos fãs do livro não gostaram do filme - com suas razões, principalmente nas incoerências do roteiro. Mas, mesmo assim, On the Road merece ser assistido para entender uma juventude americana libertina que não existe mais, que foi transformada pela cultura pop. E pela excelente fotografia de um Estados Unidos gigantesco que ainda existe.

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