terça-feira, 27 de maio de 2014

Jornalismo contra o poder

Por Lilia Diniz, do Observatório da Imprensa
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O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (29/4) pela TV Brasil exibiu uma entrevista de Alberto Dines com Glenn Greenwald, um dos vencedores do prêmio Pulitzer, o mais importante do jornalismo internacional. No ano passado, Greenwald divulgou em primeira mão, no jornal britânico The Guardian, as informações vazadas pelo ex-consultor da Agência Nacional de Segurança (NSA) americana, Edward Snowden. Os dados bombásticos revelaram a rede de monitoramento internacional de comunicações montada pelo governo dos Estados Unidos a partir do 11 de Setembro. Advogado constitucionalista, Greenwald nasceu no Queens, coração de Nova York, e vive há nove anos no Rio de Janeiro. Deixou o Guardian há seis meses e agora parte para uma nova aventura: um site de jornalismo independente financiado pelo fundador do eBay, o americano de origem iraniana Pierre Omidyar.


Alberto Dines abriu a entrevista questionando se Greenwald tem noção do perigo que corre ao contrariar interesses internacionais tão poderosos com as revelações do caso Snowden. O jornalista contou que quando começou esta reportagem já tinha em mente que os documentos trariam consequências graves não só para os Estados Unidos. “Como jornalista, você precisa aceitar esses riscos, esses perigos, porque jornalismo é apenas desafiar os poderosos. Sempre tem riscos e se você não aceita isso, nada vai ser no jornalismo”, disse Greenwald.

Greenwald relembrou que, em dezembro de 2012, Edward Snowden entrou em contato por e-mail pedindo para que instalasse programas que protegessem a privacidade das comunicações entre eles, mas não detalhou o assunto da conversa. O jornalista descartou a aproximação e então Snowden procurou a documentarista e cineasta Laura Poitras, que fez a ponte entre os dois. O primeiro encontro do trio ocorreu pouco depois, em Hong Kong, sob forte esquema de sigilo.

Rapidamente criou-se um clima de confiança e cumplicidade entre os três. “Depois de um dia eu sabia que ele estava falando a verdade, que os motivos dele eram puros. Eu acreditei muito no que ele estava falando, que os documentos eram reais. Eu consegui confiar nele e ele em mim e por isso o trabalho foi muito fácil”, lembrou Greenwald. Dines pediu para o jornalista comentar a dramática situação de Snowden. Asilado em Moscou, o ex-agente da NSA está longe da família, dos amigos, em um país com outra língua a cultura. Ele explicou que nos últimos meses tem falado com Snowden quase todos os dias através de conexões seguras.

Para o entrevistado, o asilo é melhor do que uma prisão nos Estados Unidos. “Ele se sacrificou sabendo exatamente o que estava fazendo. Eu acho que ele está feliz, na realidade, porque as consequências do que ele fez foram muito maiores do que imaginávamos quando estávamos em Hong Kong. Eu acho que ele não se arrepende do que fez nem um pouco e quando você tem essa convicção, isso tem um valor muito grande e pode substituir outras coisas que ele perdeu”, disse o jornalista. Greenwald sublinhou que o governo dos Estados Unidos usa o medo para controlar o país e usa da situação de Snowden para assustar outras pessoas que pretendem divulgar informações sigilosas.

Uma nova forma de ver o mundo

“Sabíamos desde o começo que o que estávamos fazendo era muito maior do que só espionagem. Primeiro porque sabíamos que muitas pessoas não iram mais confiar no papel que os Estados Unidos têm no mundo. Segundo porque as pessoas vão pensar diferente sobre os jornalistas e o relacionamento entre governo e mídia. Terceiro porque eles vão perceber que os governos podem fazer muita coisa sem transparência”, disse o entrevistado.

Grennwald acredita que muitas pessoas estejam refletindo pela primeira vez sobre as relações entre indivíduo e Estado, e em como fica a privacidade na era da internet. De acordo com pesquisas de perfil psicológico citadas pelo entrevistado, quando o indivíduo acredita que pode estar sendo monitorado, navega na internet baseado naquilo que imagina que quem o está vigiando quer ver. E isto determina seus hábitos na rede.

Glenn Greenwald disse que o presidente Barack Obama intensificou os sistemas de espionagem criados pelos seus antecessores. “Ele está perseguindo jornalistas e fontes com mais vibração do que qualquer presidente antes dele, incluindo o Bush. Altos oficiais do governo Obama estão ameaçando jornalistas, incluindo a mim, que estou fazendo essas reportagens, e dizendo que somos criminosos e devemos ser processados. Eu acho que o clima de medo criado nos Estados Unidos piorou no governo Obama, não melhorou como era a promessa”, afirmou Greenwald. O entrevistado lembrou que mesmo o presidente conservador Dwight Eisenhower percebeu como um grande problema a combinação de grandes empresas com o poder militar. Um país que está sempre fazendo guerras consolida o poder desses grupos e a democracia fica ameaçada.

Dines perguntou a Glenn Greenwald se houve algum problema que precipitou a saída do Guardian, jornal onde começou a publicar as denúncias de Snowden. Greenwald assegurou que não houve polêmica, mas o jornal – como outros veículos da grande imprensa – tem problemas econômicos e teme conflitos com governos ou grandes empresas que possam levar a prejuízos financeiros. “Esse medo criou um clima onde eles não querem ficar muito agressivos. O governo britânico, especificamente, pode atacar jornais de forma intensa porque tem proteções constitucionais. O Guardian teve muita coragem, mas [houve] um ponto em que eles estiveram intimidados”, disse Greenwald. Ele deixou o jornal não por conta desta restrição, mas pela possibilidade de criar um novo grupo de mídia independente.

O poder do dinheiro e da política

Glenn Grennwald contou que o governo diz que vai impedir reportagens, processar e colocar na prisão os responsáveis por elas. Já as gigantes da internet, como Google e Facebook, deixam clara a possibilidade de processar: “Essas empresas têm dinheiro sem limites e sabem que os jornais não podem perder muito nesses processos; e este perigo sempre está no cérebro dos jornais e os jornais têm medo de fazer reportagens com agressões contra estas empresas”, afirmou.

O jornalista explicou que as empresas são obrigadas por lei a auxiliar o governo na espionagem, mas estão fornecendo dados além do estritamente exigido. “Sem o envolvimento dessas empresas a NSA não poderia fazer nada do que está fazendo. É verdade o que essas empresas estão falando, que estão obrigadas pela lei a colaborar. Mas eles estão fazendo muito mais colaboração do que a lei obriga, porque antes dessas reportagens ninguém sabia que elas estavam fazendo isso. E eles estão recebendo muitos benefícios, trabalhando com o governo, com contratos. Essas empresas têm muito poder, muita influência”, disse. Por outro lado, elas já sentem a perda de credibilidade junto aos consumidores e poderiam pressionar o governo a mudar as leis que as obrigam a colaborar.

Dines pediu para Glenn Greenwald explicar como funcionará o novo projeto do qual participa, o First Look Media. Um dos homens mais ricos do mundo, Pierre Omidyar não tem medo de desafiar o poder ao criar um grupo de mídia independente e questionador. Vários jornalistas em todo o mundo estão sendo beneficiados com o projeto. “Ele quer apoiar os jornalistas que estão desafiando as facções mais poderosas. Ele não tem interesse em ganhar mais dinheiro”, explicou Greenwald. Omidyar se comprometeu a jamais se envolver em questões editoriais dos projetos que patrocina. “As pessoas que trabalham com internet, como ele, sempre acham que ela vai ajudar as pessoas, e criar mais igualdade. E ele está percebendo agora, com o caso Snowden, que a internet está sendo usada pelo governo no sentido oposto, para ter mais controle”, disse Greenwald.

Novas e velhas mídias

O entrevistado contou que Pierre Omidyar chegou a pensar em comprar o Washington Post, mas interrompeu as negociações com o jornal ao perceber que seria difícil fazer grandes mudanças em uma instituição de mídia convencional. Destinou os US$ 250 milhões reservados à compra do jornal para criar uma organização livre, onde cada revista eletrônica terá total independência editorial. O grupo irá contar com jornalistas de diferentes perfis, inclusive conservadores e radicais. A conexão entre eles será o método do jornalismo e não a ideologia. E ponto em comum será a vontade de desafiar facções poderosas em diversas áreas: “Poder existe em todo lugar onde os humanos atuam. Na polícia, na religião, nos esportes, na cultura, na política. A tentação para abusar do poder é a mesma”.

No ano passado, Greenwald travou uma polêmica pública com Bill Keller, editor do New York Times, sobre a opinião no jornalismo. A correspondência foi publicada pelo jornal: “Para mim, a diferença não é entre jornalistas que têm ou não tem opiniões porque os jornalistas sempre têm opiniões muito fortes. A diferença é que há jornalistas honestos, que admitem qual opinião eles têm, e os jornalistas que mentem para os leitores e fingem que não têm opiniões, e o fazem escondido. Para mim, o jornalismo é muito mais honesto e forte quando você admite exatamente o que você pensa e mostra evidência. E a coisa mais importante é se a reportagem é verdadeira, se tem evidências. Assim vai ter credibilidade”. Greenwald disse que é importante que essa discussão tenha ganhado dimensão. Ela mostra que a mídia tradicional está finalmente dialogando com representantes do novo jornalismo e respeitando a controvérsia e a crítica.

Lula ganha estátua de bronze em Washington D.C., nos EUA

Ao invés de Getúlio Vargas ou de Fernando Henrique Cardoso, o artista chinês Yuan Xikun escolheu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para homenagear o Brasil. Ele construiu uma estátua de bronze do estadista para uma exposição em Washington D.C., nos Estados Unidos, no AMA (ART Museum Of the Americas).



O busto de Lula está ao lado de outras personalidades do continente americano, como Abraham Lincoln (Estados Unidos), Simón Bolívar (Venezuela), Tupac Amarú (Peru), Tupac Katari (Bolívia), Juana Azurduy (Bolívia), Andreo De Santa Cruz (Bolívia), Gabriel García Márquez (Colombia), Jose Martí (Cuba) e ‪José de San Martín‬ (Argentina). Todas elas fazem parte da exposição "A América aos olhos de Yuan Xikun".

A exibição começou em 9 de maio e vai até o dia 1º de Agosto de 2014, nos EUA. O motivo da arte é celebrar o 10º ano da entrada da China na OEA.

Como previsto, obviamente, o busto de Lula já está sendo alvo de ataques de comentaristas de sites jornalísticos e de portais de notícia, como podemos verificar na Folha, no R7 e no Terra.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Christopher Lee, o Saruman do Senhor dos Anéis, lança EP de heavy metal aos 91 anos

O ator e cantor Christopher Lee lança hoje, digitalmente, a EP Metal Knight. O material terá as músicas "I, Don Quixote", "The Impossible Dream", "The Toreador March" e "My Way (Radio Edit)". Lee estreou em quase 300 filmes, desde ¨Senhor dos Anéis¨, ¨Star Wars¨, ¨007 contra o Homem da Pistola de Ouro¨, ¨Drácula¨ até os mais recentes filmes da trilogia ¨Hobbit¨. Ele tem 91 anos.


A nova EP está disponível para compra na Amazon. Christopher Lee tornou-se o homem mais velho a gravar heavy metal quando fez álbum conceitual "Charlemagne: The Omens Of Death".

Informações via Whiplash.net.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Fóssil de crocodilo guloso é encontrado em São Paulo

Por Breno Berlingeri Campos, do Serviço de Comunicação Social da Prefeitura do Campos de Ribeirão Preto, na Agência USP de Notícias
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Pesquisadores do campus de Ribeirão Preto da USP, do Museu de História Natural, de Nova Iorque (Estados Unidos), e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, acabam de publicar a descrição de mais uma espécie de crocodilo, o Aplestosuchus sordidus que significa abominável crocodilo guloso.



O animal, do grupo dos Baurussuquídeos, grupo de crocodilos terrestres carnívoros e, que teria cerca de dois metros de comprimento, ganhou esse nome, porque na sua cavidade abdominal foi encontrado outro crocodilo, do grupo Esfagessaurídeos, crocodilos menores e de dieta onívora ou herbívora.

Segundo o professor Max Langer, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, esta é a primeira vez que conteúdos abdominais bem preservados são registrados para crocodilos fósseis, e a primeira evidência de predação entre diferentes espécies fósseis desses animais.

90 milhões de anos

Os fósseis foram coletados na região de General Salgado, no interior do Estado de São Paulo, em outubro de 2013. São de animais que habitaram a região no período Cretáceo, há cerca de 90 milhões de anos.

Na cavidade abdominal do Aplestosuchus sordidus, havia um conjunto de quatro pequenos ossos cranianos (frontal, parietal, palpebral e jugal), bem como três dentes isolados. “Apesar dos danos eventualmente causados pela corrosão gástrica, comparações anatômicas com outros animais do grupo comprovam a associação dos ossos e dentes aos crocodilos Esfagessaurídeos e sugerem que os restos correspondem a um animal de cerca de 60 centímetros de comprimento.”

Langer diz que a descoberta reflete a grande diversidade de crocodiliformes no centro-sul do Brasil durante aquela época. Este grupo, que inclui os crocodilos modernos e seus parentes extintos, teve cerca de 20 espécies descritas na Formação Adamantina, Cretáceo Superior do Triângulo Mineiro e Oeste de São Paulo. “Essa diversidade é concomitante com uma relativa escassez de fósseis de dinossauros, fatos que podem estar correlacionados.”

A descrição da nova espécie foi publicada na Revista PLos ONE, no dia 8 de maio, e os fósseis estão depositados na coleção permanente do Laboratório de Paleontologia da FFCLRP.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Vladimir Safatle comenta sobre sua frustração com o PSOL

O professor de filosofia da USP, Vladimir Safatle, era pré-candidato às eleições de governador de São Paulo pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). No começo desta semana, ele foi surpreendido pela substituição pelo professor da UFABC, Gilberto Maringoni, que passará a representar a legenda de esquerda contra Geraldo Alckmin (PSDB) e Alexandre Padilha (PT) nas eleições de outubro deste ano. Em uma entrevista esclarecedora ao jornalista Bruno Torturra (FLUXO e Mídia Ninja), o docente comenta suas frustrações. Confira abaixo.



Um trecho importante da entrevista, dito por Safatle: "Eu sou um professor que gosta do que faz, vou ser sempre um professor. No entanto, acho que a figura do político profissional é execrável. Isso é uma distorção da democracia. Não deveria haver políticos profissionais, que é deputado cinco ou seis vezes. Não deveria existir uma classe política. Se você tivesse outro tipo de prática, onde as pessoas entram na política, fazem o debate e depois voltam para suas [outras] atividades, você percebe como a lógica seria diferente?".

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Vídeo da Folha de S.Paulo mostra multidão em caos do metrô de São Paulo

Material é do dia 20 de maio, dia da greve dos ônibus na cidade, que sobrecarregou o sistema metroviário sobretudo na Estação Pinheiros, Linha Amarela.

domingo, 18 de maio de 2014

Livro de Graciliano Ramos apresenta conflitos entre memórias

Por Ana Paula Souza, da Agência USP de Notícias
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Estudo elaborado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra que a obra autobiográfica Infância, escrita por Graciliano Ramos, apresenta características ambivalentes: ao mesmo tempo em que expõe uma narrativa marcada por episódios de violência, o livro também apresenta uma sentimento de conciliação entre o romancista alagoano e suas memórias. De autoria da pesquisadora Cristiana Tiradentes Boaventura, a tese de doutorado “Viver em paz com a humanidade inteira”: Infância, de Graciliano Ramos, e a construção de si analisa a construção literária de si mesmo por meio da reconstrução das memórias de infância.


Ao longo de sua análise, Cristiana investigou como as experiências do narrador da obra, em grande parte relacionadas à violência, também foram reelaboradas em prol de um discurso favorável à paz e à cultura. Graciliano Ramos foi visto, ao longo de sua carreira, como um autor pessimista e incrédulo. No entanto, em Infância, segundo a pesquisadora, o escritor também apresenta um sentimento de conciliação com o seu passado. “Quando se lê as memórias do autor, o lado sombrio instituído nas relações entre as personagens domina as primeiras leituras. Porém, é muito surpreendente perceber que sua leitura sobre o passado em meio a tanta violência também é atravessada por outros sentidos, como a construção de uma identidade envolta por experiências e sentimentos conciliatórios, o resgate de momentos positivos e afetuosos e a procura pela compreensão do outro”.

Crítica à violência

Para Cristiana, embora Graciliano esteja, em grande parte, envolvido com a narrativa de histórias de hostilidade, opressão e brutalidade — e isso não apenas no livro Infância —, sua sensibilidade lhe permite olhar para o passado vislumbrando algumas experiências como possíveis produtoras de um si-mesmo mais justo e compreensível. “Acredito que o resultado estético da obra contribui para a crítica à violência e, ao mesmo tempo, promove a discussão por uma sociedade mais justa”, conta a pesquisadora.

Cristiana revela ainda que o estudo passou por mudanças ao longo de sua elaboração: “De início, eram discussões acerca da violência presente no livro, buscando perceber como Graciliano articulou de maneira literária essas memórias, sempre pensando em tais questões articuladas a uma perspectiva histórica. Porém, as questões se ampliaram para reflexões acerca das experiências de não violência presentes no livro. Com isso, a pesquisa ganhou outra dimensão, levantando também questionamentos sobre a ressignificação da infância e a construção literária de si mesmo envoltos por experiências de sentido formador”.

Orientada pelo professor Luiz Dagobert de Aguirra Roncari, Cristiana se debruçou sobre um processo de pesquisa que se desdobrou ao longo de cinco anos. Nesse período, houve a leitura apurada de Infância, com a análise de cada um dos capítulos, seguida do recorte e interpretação da obra. Em paralelo, foram feitas as leituras teóricas para a sustentação da linha interpretativa escolhida, bem como a leitura de estudos sobre o autor e de memórias e autobiografias de outros escritores brasileiros.

sábado, 17 de maio de 2014

Pesquisa: Jornalismo impresso ganha novos significados com a internet

Por Ana Paula Souza, da Agência USP de Notícias
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O estudo Para além dos links: diálogos entre o meio digital e o impresso, elaborado por Douglas Galan, revela que os jornais dão demonstrações de mudanças em suas linguagens. Segundo a pesquisa, desenvolvida na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, orientada pela professora Irene de Araújo Machado, o jornalismo impresso não está morrendo, como muitas pessoas têm imaginado. Na verdade, a mídia tradicional vem ganhando um novo significado.


A pesquisa aborda a relação entre as linguagens do meio impresso e aquelas do mundo digital, partindo do pressuposto de que os textos de jornais estão sofrendo modificações de conteúdo e formato baseadas no modelo veiculado no meio virtual. A partir dessa influência sobre a imprensa tradicional, o meio digital se revela como um elemento de grande significado na mente das pessoas. “O principal objetivo foi analisar as modelizações ocorridas no meio impresso, a partir do advento das mídias digitais. Por modelizações, pode-se entender a capacidade que as linguagens e os textos da cultura possuem em se reestruturar e adquirir novos contornos”.

Uma relação entre mídias

Galan constatou a presença do hiperlink em caráter simbólico dentro do jornais. Um hiperlink pode ser compreendido como o estabelecimento de relações de intertextualidade, de ligações com outros canais. Assim, segundo o pesquisador, é como se o meio impresso estivesse querendo propor uma relação hipermidiática com a internet. “Mesmo não podendo realizar efetivas interligações, percebe-se a criação de relações hipertextuais em caráter simbólico”. afirma Galan. “Também é curioso notar a naturalidade com que os textos culturais se recodificam no espaço semiótico”.

Ainda segundo o autor do estudo, do ponto de vista cultural, não existem precipitações ou emergências na promoção dessas mudanças no meio impresso a partir do digital. Como é apresentado no estudo, tudo acontece em uma dinâmica de estruturação, mobilidade e modelização que estão em harmonia com a situação instaurada na própria cultura, de modo que se considera que essas transformações vêm ocorrendo em um “processo gradual”.

Um futuro menos pessimista

Depois de elaborar o estudo, Galan mudou de opinião em relação ao futuro do jornalismo. “Dispenso as teorias catastróficas, a futurologia, as especulações perniciosas, que antes soavam a mim como ameaças ao jornalismo. Também adquiri mais confiança sobre a importância e a contribuição do jornalismo para com a cultura, e acredito que a atividade jornalística, tal como se desenvolveu, tem o seu lugar, de modo que não será descartado de maneira tão simples”.

Foram mais de quatro anos dedicados ao assunto, os quais envolveram a análise de veículos como Folha de S. Paulo, O Globo e O Dia, além da leitura de obras de teóricos da semiótica, campo do conhecimento linguístico que estuda os signos e as diversas formas de comunicação. Entre os autores, estão estudiosos como Marshall McLuhan, autor da obra “Os meios de comunicação como extensões do homem”, que serviu como ponto de partida para o estudo de Galan.

Obra de Machado de Assis é marcada por jogos

Por Ana Paula Souza, da Agência USP de Notícias
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Engana-se quem imagina que não há mais o que ser descoberto a respeito da obra de Machado de Assis. O pesquisador Djalma Espedito de Lima, em sua tese de doutorado Jogo de mestre: as formas do lúdico no romance de Machado de Assis, apresenta uma nova maneira de analisar a ficção machadiana, sob o prisma da ludicidade. O estudo revela que as narrativas do escritor são marcadas pela presença de jogos, os quais estão presentes não apenas no sentido de práticas como o xadrez, mas também no âmbito da construção de relações lúdicas que envolvem o autor, o texto e o próprio leitor.


O estudo foi elaborado ao longo de quatro anos na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob a orientação do professor Hélio de Seixas Guimarães. Na pesquisa, Lima enumera os principais jogos que são encontrados nos romances de Machado de Assis e mostra que eles participam das narrativas tanto como objetos cenográficos como de modo a representar as relações existentes entre os personagens. Nesse segundo tipo de ludicidade, estão os jogos de sedução, as charadas, a ironia, entre outros artifícios. Segundo o pesquisador, “O lúdico é fundamental, pois integra e define o modo de ser e de estar com os outros. Ou seja, define, de certo modo, a sociabilidade humana”.

Um autor de jogos sociais

No estudo, Lima conta que em Dom Casmurro, por exemplo, Machado de Assis cria um jogo entre o narrador e o leitor. O livro é narrado por Bento Santiago, o qual ganhou a alcunha de Dom Casmurro. No entanto, no momento da narrativa, não é Bento quem conta a história, mas sim o personagem Dom Casmurro que Bento tomou para si. No mesmo livro, no capítulo O Penteado, Bentinho, ao mexer nos cabelos de Capitu, brinca de cabeleireiro em um jogo de sedução que envolve não apenas olhares, mas também o toque das mãos do adolescente nos cabelos da menina, o que tem como resultado o beijo entre os dois protagonistas.

Outro caso que ilustra a presença dos jogos está no romance Esaú e Jacó, em que há o jogo de tarô. Nessa forma de jogo, estabelece-se o pressuposto de uma relação de confiança entre a pessoa que faz a leitura das cartas e quem a procura para a saber a sorte. Ao inserir a prática do tarô na narrativa, Machado transfere a questão da confiabilidade para a relação com o leitor, uma vez que o leva a questionar se as afirmações feitas no romance realmente poderiam ser objeto de crença.

O jogo da investigação

Para produzir o estudo, Lima, além de realizar a leitura de todos os romances escritos por Machado de Assis, também investigou como eram jogados os diversos jogos que estão presentes na narrativa machadiana. Entre eles, está o jogo do bicho, nascido no Rio de Janeiro nos últimos anos do Período Imperial. Segundo o pesquisador, “Entender os modos de jogar era importante na medida em que fazia entender o quadro das situações ficcionais nos romances”.

Segundo o pesquisador, “O jogo é um elemento fundamental para a leitura de muitos textos literários, principalmente no caso de grandes escritores”. Para Lima, a apreciação crítica e reflexiva do jogo pode fundamentar a construção de novos discursos, a fim de permitir o pensar a respeito da formação humana em geral, e da brasileira em particular.

SimCity: Jogo eletrônico pode aumentar interesse pela Contabilidade

Por Cacilda Luna, da Assessoria de Imprensa da FEA, na Agência USP de Notícias
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O jogo eletrônico SimCity  pode aumentar os níveis de motivação e de desempenho dos estudantes de Contabilidade. A possibilidade foi demonstrada em um estudo de doutorado defendido na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, pelo pesquisador e professor de Contabilidade Governamental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcos Roberto Pinto. Segundo ele, as práticas convencionais de ensino nem sempre atendem a necessidade dos jovens de hoje, os quais ele denomina de “estudantes nativos digitais”. O SimCity é um jogo de simulação que tem por objetivo criar uma cidade e administrar seus recursos, de forma a evitar a falência e a expulsão do prefeito.


A pesquisa Educação com entretenimento: um experimento com SimCity para curtir e aprender a Contabilidade Governamental, defendida no dia 29 de abril, foi orientada pelo professor Edgard Cornacchione, chefe do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA. Marcos Roberto Pinto disse que a decisão de pesquisar o assunto partiu da preocupação com os resultados apresentados pelos programas de educação em Contabilidade. Ele citou o Enade 2010, segundo o qual cerca de 30% dos cursos foram classificados como insatisfatórios e apenas 3,5% obtiveram conceito máximo. Outro parâmetro de qualidade citado foi o exame de suficiência realizado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que já chegou a reprovar metade dos bacharéis.


A aplicação do jogo SimCity, de acordo com o autor do estudo, possibilita ao aluno vivenciar uma simulação acerca da formação e gestão de uma cidade e o desenvolvimento de um sistema de informações contábeis. Em seu trabalho, Marcos Roberto Pinto demonstra que os estudantes que utilizam o SimCity, inserido no ambiente de aprendizagem, têm melhores notas e se saem melhores em testes-padrão. “O emprego do jogo eletrônico se apresenta como uma inovação no processo de ensino, podendo ser considerado um forte aliado no desenvolvimento de estratégias instrucionais destinadas a um público que já nasceu sob a forte influência dos aparatos digitais”, sugere.

Desenvolvimento das cidades

Os participantes da pesquisa — estudantes matriculados no curso de Ciências Contábeis e inscritos na disciplina de Contabilidade Governamental da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC), da UFRJ — foram divididos em grupo experimental (55) e grupo de controle (37). Os estudantes receberam como desafio avaliar os recursos disponíveis para o desenvolvimento de suas cidades no jogo SimCity, tanto na dimensão das receitas, quanto na dimensão dos custos e da capacidade produtiva de cada um dos itens disponíveis para implementação em suas cidades (infraestrutura, zoneamento, energia, água, saúde, educação e segurança, etc).

Para mensurar a motivação dos alunos com a utilização do jogo eletrônico, o pesquisador utilizou uma metodologia criada por Keller (2006), denominada Pesquisa de Interesse sobre um Curso (Course Interest Survey – CIS), que procura determinar o efeito que o meio de entrega do conteúdo programático exerce sobre a motivação dos estudantes em um curso específico. Para medir as variações no nível de desempenho, o autor se baseou nos conceitos desenvolvidos pela Teoria do Design Instrucional.

Segundo Marcos Roberto Pinto, os melhores resultados apresentados pelos estudantes do grupo experimental são diretamente relacionados à aplicação do jogo eletrônico. “Na análise da média geral do modelo adotado para a mensuração do nível de motivação, a pesquisa evidencia a existência de uma diferença, estatisticamente significativa, entre os dados apresentados pelos dois grupos, com nítida vantagem para o grupo que utilizou o jogo SimCity (experimental)”, afirma.

Já em relação à variável de desempenho, também ficou evidenciada uma melhora, mais significativa, nas notas alcançadas pelo conjunto de estudantes do grupo experimental, com um aumento de 210% em relação à nota média obtida no pré-teste. O grupo de controle, que não fez uso do jogo, apresentou um resultado que se expressou com números mais modestos, que apontaram uma melhora de 35% em relação à nota média obtida no pré-teste.

Via Wii Are Nerds

domingo, 11 de maio de 2014

Metal robótico, pop e decadente

Entre 1973 e 1976, o Black Sabbath passou por transformações depois de estourar com quatro discos: Black Sabbath (1970), Paranoid (1970), Master of Reality (1971) e Vol. 4 (1972). As primeiras mudanças ocorreram em Sabbath Bloody Sabbath (1973) e Sabotage (1975). Technical Ecstasy, lançado no dia 25 de setembro de 1976, é um álbum que traz um heavy metal robótico, um rock profundamente pop e uma banda em um começo de decadência.



O disco tem um total de oito composições e abre com Back Street Kids, uma música sobre se tornar um astro do rock, ficar alto e ter dinheiro. Apesar dos flertes constantes do Sabbath com o rock progressivo, inclusive colocando Rick Wakemen do Yes em algumas músicas, esta música soa mais punk e mais parecida com a primeira fase da banda, com Ozzy Osbourne cantando com voz desafinada, acompanhada por riffs bem demarcados de Tony Iommi em sua guitarra canhota. Gerald Woodruffe colabora com entradas estratégicas de seu teclado, enquanto Bill Ward (bateria) e Geezer Butler (contrabaixo) fazem a cozinha consistente de fundo.

You Won't Change Me dá uma diminuída no ritmo frenético da abertura do disco e retoma a atmosfera mais densa do Black Sabbath, com efeitos pesados dos instrumentos, mas sem temas muito fantasiosos nos versões. O refrão desta composição, no entanto, mostra o dom de Ozzy para cantar música pop acompanhada por uma guitarra pesada. Esta segunda faixa seria confundida, facilmente, com alguma da carreira solo do Madman, além de conter um dos solos mais rápidos e jazzísticos de Tony.

Eis que surge uma surpresa muito diferente e agradável neste disco, que vale sua compra. It's Alright é uma música completamente diferente do que o Sabbath tinha composto até aquele fatídico ano de 76. Ao invés de ter Ozzy nos vocais, é o baterista Bill Ward que empresta sua voz, tocando bateria ao mesmo tempo. A letra simboliza as brigas pessoais e empresariais que a banda estava tendo na época, endividada com impostos e abusando de bebida e drogas. Bill tentou transmitir, com aquela letra, uma sensação de que tudo vai dar certo, mesmo com todas as dificuldade entre os quatro fundadores da banda. A bateria consistente é novamente acompanhada por outra guitarra elétrica inspirada, dando um brilho ao álbum. O Guns N'Roses faria um cover da música quase duas décadas depois. A música é muito parecida com o som de Beatles, uma das influências fortes do Sabbath, segundo o próprio Ozzy Osbourne (que não canta nesta ocasião).


Gypsy é outra pérola do disco, com uma letra sobre esoterismo, uma cigana e tentações. All Moving Parts (Stand Still) abre a segunda parte do álbum com uma melodia mais ritmadam sobre sentimentos, e como eles estão decadentes. Em seguida, vem Rock 'n' Roll Doctor, sobre como a música nos ajuda a superar problemas. A letra, em parte, reflete as dificuldades de Ozzy com a cocaína e com o excesso de bebedeiras na época.

Ozzy coloca sua história na música She's Gone, sobre os problemas que ele enfrentava em seu casamento com Thelma Riley, mulher que ele agredia e amedrontava com sua personalidade instável. É o momento mais melancólico do disco. Sua vida mudaria, anos depois, com Sharon Arden, a futura empresária de sucesso Sharon Osbourne.

Dirty Women fecha o disco sobre vida noturna, prostituição e vida urbana. Technical Ecstasy só ganhou um disco de ouro no dia 19 de junho de 1997, 20 anos depois do lançamento do material. Foi um álbum complicado na carreira do Sabbath, com a banda mergulhada em dívidas, em brigas e competindo com o emergente punk rock dos Ramones, que prometia acabar com o rock progressivo e com o metal acompanhado por composições mais simples e cruas.


Ozzy tem uma opinião particular sobre o disco, especificamente sobre a capa dele, feita pelo artista inglês Hipgnosis, de Londres. Ele escreveu em sua autobiografia:

"O pior de tudo, no entanto, é que perdemos nossa direção. Não era a experimentação com a música. Parecíamos nem saber mais quem éramos. Um minuto você tinha uma capa como a de Sabbath Bloody Sabbath, com o cara sendo atacado por demônios, e na seguinte tinha dois robôs transando enquanto subiam uma porra de uma escada rolante, que era a arte de Technical Ecstasy. Não estou dizendo que o disco era todo ruim - não era. Por exemplo, Bill escreveu uma música chama 'It's Alright' que eu adorei. Ele cantava também. Tem uma ótima voz e eu fiquei mais do que feliz por deixá-lo cantar. Mas comecei a perder o interesse e fiquei pensando em como seria ter uma carreira solo. Até fiz uma camiseta com 'Blizzard of Ozz' escrito. Enquanto isso, no estúdio, Tony estava sempre dizendo: 'Devíamos soar como o Foreigner', ou 'Devíamos soar como o Queen'. Mas eu achava estranho que as bandas que antigamente influenciávamos agora estavam nos influenciando".

Depois deste disco, Ozzy tentaria sair do Sabbath pela primeira vez. Voltaria para gravar Never Say Die! (1978) e encerrar a fase clássica da banda criadora do heavy metal.  

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Em guerra contra a Nestlé: São Lourenço

Por Marina Almeida, da Agência Pública
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Grupo de moradores e Ministério Público querem proteger o Parque das Águas de São Lourenço, em Minas Gerais, da exploração da multinacional


Da varanda do apartamento onde mora, Alzira Maria Fernandes olha para o Parque das Águas, em São Lourenço (MG), com tristeza. “Só acha bonito quem não viu como era antes. Eu frequentava muito ali. Era uma maravilha. Agora a Nestlé está acabando com tudo.” A principal preocupação da aposentada não está nos jardins planejados nem na mata nativa que o espaço, de 430 mil metros quadrados, abriga, mas no que ele esconde em seu subsolo: nove fontes de raras águas minerais e gasosas, com propriedades medicinais, que começaram a se formar há algumas dezenas ou centenas de anos.

“Água nenhuma mais tem sabor. A fonte Magnesiana chegou a secar, agora voltou, mas só cai uma tirinha, tirinha. E era bastante”, lamenta Alzira. No sul de Minas Gerais, ela e um pequeno grupo de moradores de São Lourenço acreditam que a exploração das águas para engarrafamento está afetando a qualidade do líquido e a vazão nas fontes. Reunidos na associação Amar’Água, eles tentam lutar contra a gigante multinacional e a legislação brasileira, guiada pela lógica da exploração comercial desse recurso mineral.

Alzira hoje evita ir ao parque, “para não passar raiva”, mas se orgulha de conhecer sua história. “Olha como era bonito. Até o presidente Getúlio Vargas vinha aqui. E hoje está desse jeito…”, diz, ao mostrar fotos antigas, de quando a cidade, surgida em torno de suas águas minerais, era um grande polo de turismo e tratamentos medicinais no Brasil. Mas o saudosismo dá logo lugar ao senso prático. Ela se esquece dos turistas de chapéus e saias rodadas e de suas gavetas sai uma série de documentos que ela empilha sobre a cama. São pareceres ambientais, estudos, laudos e ofícios sobre a exploração das águas minerais de São Lourenço pela Nestlé.

A maior parte dos documentos é do processo de 2001 que o Ministério Público Estadual moveu contra a empresa, depois de protestos da população sobre alterações no sabor e na vazão das águas do parque. Na ocasião, foram encontradas irregularidades na exploração de um poço, o Primavera – aberto sem autorização e cuja água passava por um processo de desmineralização, proibido pela legislação brasileira. O poço foi fechado, mas outras questões levantadas na época continuaram sem resposta – como a falta de um estudo maior sobre a região, que permita determinar com precisão a capacidade de reposição dos aquíferos e a quantidade segura de extração de água para garantir a sustentabilidade do recurso.

Proteção cultural

“Uma água que cura as pessoas é um presente que a natureza nos oferece de graça. É muito especial e o que está acontecendo aqui é um sacrilégio. Essa é uma luta da sociedade civil, de quem está vendo o problema e não tem amarras”, diz a terapeuta Nair Ribas D’Ávila, que é da Amar’Água e participa das mobilizações contra a Nestlé desde 2001. Descontentes com a fiscalização existente – realizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), responsável pelo licenciamento ambiental –, o grupo busca na cultura uma forma de garantir maior controle e proteção à área.

A associação quer transformar o espaço num geoparque, uma área de significativo patrimônio geológico que serve ao desenvolvimento local, sobretudo pelo turismo, e também à proteção e à educação ambiental. “É pelo subsolo que nós estamos lutando”, resume Alzira. Para isso, a Amar’Água entrou com um pedido de tombamento do ‘recurso hídrico diferenciado’ no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do governo federal. A ideia é, após essa fase, solicitar sua inclusão na Rede Mundial de Geoparques (Global Geoparks Network) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

O percurso, no entanto, não deve ser simples. “A água é um bem muito difuso. Também serve ao saneamento e ao abastecimento, por exemplo, por isso a consecução prática deste projeto é mais complicada. Envolve diferentes órgãos, como o Iphan e a Agência Nacional de Águas”, aponta o promotor Bergson Cardoso Guimarães, que coordena 79 promotorias ambientais da região da Bacia do Rio Grande, à qual São Lourenço pertence. Outra questão ainda sem resposta é se esse tombamento impediria a extração de água para o engarrafamento.

Para o promotor, um passo importante, e mais simples, é o tombamento do parque – o único sem nenhum tipo de proteção cultural entre as cidades do chamado Circuito das Águas de Minas Gerais. As fontes foram descobertas numa área particular que nunca passou para a iniciativa pública e, quando a Nestlé adquiriu a Perrier, então proprietária da Companhia de Águas de São Lourenço, em 1992, tornou-se também a responsável pelo parque. Guimarães acredita que a fiscalização e a prestação de contas ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) seria uma forma a mais de resguardar esse bem.

“Hoje é possível juridicamente a empresa destruir todo o parque, porque não há um mecanismo que limite isso. O tombamento submete o bem a restrições, garante a segurança contra a demolição e a obrigação de manter um bom estado de conservação”, diz Marcos Paulo de Souza Miranda, da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, que entrou com o pedido no Iepha. Ele explica que o mecanismo deve proteger os fontanários, o balneário e o projeto urbanístico do parque, que tem valores culturais, arquitetônicos e históricos de relevância. “Descobrimos, por exemplo, que essas águas são utilizadas desde 1817 pelo menos, e não 1890 como se acreditava”, revela.

Além da preservação do parque e do estímulo ao turismo que um bem tombado pode trazer, a cidade também se beneficiaria com mais recursos do ICMS Patrimônio Cultural, também conhecida como Lei Robin Hood. Essa lei garante para os municípios mineiros com bens tombados um repasse maior do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Os moradores que se mobilizam contra a exploração da Nestlé, entretanto, receiam que o tombamento só do parque se volte apenas para a preservação de aspectos arquitetônicos e históricos, quando o que eles mais temem é a exaustão do aquífero – o reservatório subterrâneo de águas.

Identidade

São Lourenço desenvolveu-se ao redor do Parque das Águas. Hoje, o lago reflete os altos edifícios da Avenida Comendador Costa, onde o trânsito de charretes turísticas se mistura com o de carros e motos da cidade. Lá dentro, em suas novefontes, algumas dos anos 1930, é possível experimentar diferentes tipos de água: magnesiana, alcalina, sulfurosa, ferruginosa e carbogasosa, entre outras. Na Gruta dos Milagres, a imagem de Nossa Senhora dos Remédios, encontrada no local em 1936, guarda centenas de mensagens de agradecimento às curas alcançadas pelo uso das águas. Às portas do parque, em cestas de vime, ambulantes vendem copinhos coloridos para os turistas provarem os sabores característicos de cada água. Mas, nas ruas da cidade, é a garrafa de água São Lourenço que dá forma aos orelhões públicos – sinal de um embate entre os usos tradicional e comercial desse recurso natural.

No Vale do Rio Verde, não apenas a cidade cresceu em torno das águas como também seus moradores, que aprenderam desde cedo a valorizá-las. O turismo ainda emprega boa parte deles, mas sua relação com a região vai além do trabalho e desenvolvimento econômico. Em São Lourenço, água mineral é saúde. A palavra foi a primeira a ser citada como sinônimo do recurso natural por 64,08% dos 412 moradores entrevistados por Alessandra Bortoni Ninis, que estudou o tema em sua pesquisa de mestrado, defendido na Universidade de Brasília em 2006. Em seguida vieram vida (16,99%) e turismo (14,32%).

O estudo também mostrou uma forte relação da população com o consumo desse recurso: 82% dos moradores tinham o costume de beber água mineral, 64% deles diariamente. Poucos, no entanto, eram os que compravam garrafas ou galões da bebida nos mercados: 85,44% deles buscavam a água nas fontes. “A cidade dá um valor altíssimo a sua água, mas não tem acesso”, diz Alessandra, referindo-se à entrada paga do parque. No município, há ainda uma fonte externa que é a mais usada pela população local (60,19% dos entrevistados).

Atento a essa relação diferente da população com suas águas, identificada no levantamento histórico realizado para o pedido de tombamento do parque, o Ministério Público também deve recomendar o registro da utilização das águas minerais na cidade – um mecanismo de preservação da tradição imaterial. “É inédito o registro do uso da água como bem cultural imaterial no Brasil, talvez até no mundo. Esse instrumento pode garantir o direito de eles manterem um relacionamento diferenciado com essas águas, facilitando o acesso dos moradores às fontes e à água do parque, por exemplo”, explica o promotor Miranda.

O registro de bens imateriais, segundo ele, é uma tendência internacional. Em Minas, já foram registrados, por exemplo, o toque dos sinos de São João del-Rei e o modo de fazer o queijo da Serra da Canastra. A promotoria deve recomendar o registro após a conclusão do tombamento do parque, que Miranda acredita estar concluído ainda este ano.

Polêmica

Para Alessandra, a proteção cultural talvez seja uma saída para a região. “É preciso cuidado com esse patrimônio, que é mundial. Um lugar que concentra nove tipos de água mineral é único. Esse pode ser também um mecanismo de proteção da água mineral, já que não temos um eficiente para a água subterrânea no Brasil”, diz.

A crítica à legislação – que trata o recurso como um minério, regulamentado pelo Código de Mineração, e não segue às diretrizes da Política Nacional dos Recursos Hídricos – também é feita pelo promotor Guimarães. “É preocupante porque as leis muitas vezes são dominadas por um padrão econômico de exploração e crescimento a qualquer custo. A água mineral não é só um minério a ser explorado, é igualmente um bem sociocultural importante para a identidade dessa comunidade”, diz o coordenador regional das promotorias de Justiça e Meio Ambiente da Bacia do Rio Grande. (leia mais sobre a legislação aqui).

Prefeito de São Lourenço pelo segundo mandato, José Sacido Barcia Neto (PSDB), o Zé Neto, como é conhecido, é contrário a esses mecanismos que, para ele, podem burocratizar a gestão. “O tombamento vai engessar melhorias no parque. Precisamos é de uma boa política de relacionamento com a Nestlé e com os órgãos fiscalizadores.” Zé Neto se diz favorável apenas ao tombamento da cobertura vegetal das áreas de recarga. “No aspecto fisiográfico, sim, acho que tem de ter uma caracterização desse tombamento: um prédio naquela mata não pode.”

Exploração

“Nestlé-free zone” (área sem Nestlé) diz o cartaz, com o sinal de proibido sobre o logo da empresa, na porta da casa de Alzira. “Aqui não entra mais nada da Nestlé. Proibi, e quando saio também nunca tomo água da Nestlé. Tomo qualquer outra se for preciso.” Na disputa entre a multinacional e o grupo de moradores, a dificuldade de acesso às informações da empresa alimenta sua revolta. “A gente não tem controle de nada, não sabe quanto sai de água para o engarrafamento, não sabe nem se eles pagam ICMS para cá.”

Entre os documentos que Alzira guarda em sua casa está a cópia de um estudo sobre a região do Circuito das Águas, publicado, em 1998, pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais Serviço Geológico do Brasil (CPRM) – uma empresa pública federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Entre as conclusões apontadas na época estava o rebaixamento contínuo dos níveis estáticos das fontes. Ou seja, a distância entre a superfície do terreno e o nível da água dentro do poço, antes de ser iniciado o bombeamento, tinha aumentado. Com isso, a água da fonte alcalina, por exemplo, que antes brotava na superfície, já estava a três metros do chão. Também mostrou que o nível da água no aquífero, o nível piezométrico, havia sofrido rebaixamento.

O estudo ainda apontou que os aquíferos tinham produtividade limitada e que, portanto, as demandas deveriam “limitar-se às adequações existentes”. Também comparou a qualidade química e a vazão das águas de então com um estudo realizado no início do século 20. Os resultados indicaram que houve diminuição em peso dos principais componentes das águas, além de acentuada redução de vazão em duas fontes de São Lourenço. Diz o documento: “possivelmente este fenômeno esteja associado a ações antrópicas como desmatamento em áreas de recarga e à superexploração dos aqüíferos através dos poços em explotação [extração para fins econômicos] e dos novos poços perfurados”.

O promotor Guimarães conta que há muitos questionamentos em torno disso, pois embora o estudo indique a exploração das águas como causa possível dos problemas identificados, não afirma isso com certeza. A conclusão do documento apontou a necessidade de estudos complementares, que permitissem um maior conhecimento da dinâmica dos aquíferos, o controle de fontes potencialmente contaminantes na região e a determinação das reservas de água mineral, com o que seria possível estabelecer “um regime de exploração racional dos aquíferos”.

“É uma área muito sensível, que possui uma condição geológica muito particular, por isso a necessidade de um estudo maior e mais completo”, explica Décio Antônio Chaves Beato, que é hidrogeológo da CPRM e trabalhou na pesquisa de 1998. “O resultado das ações de hoje muitas vezes é percebido apenas no longo prazo e, se descobrirmos o problema só muitos anos depois, talvez seja tarde ou fique mais difícil de revertê-lo”, ressalta. Ele conta que um estudo desse tipo pode levar até quatro anos. Outro risco, diz, vem do fato de a área urbana da cidade estar muito próxima das fontes, por isso seria necessário um grande controle ambiental na cidade.

Novo estudo

A pesquisa mais completa sobre a área, sugerida em 1998, nunca foi feita. “Vamos ao parque e sentimos que a água está diferente. Precisamos de um estudo que compare a qualidade da água hoje com o que era antes, para saber o que está acontecendo, mas parece que isso não é óbvio”, contesta Nair, do Amar’Água.

O promotor Guimarães aponta outras questões importantes sobre a região que precisariam ser esclarecidas, como a determinação de onde fica a área de recarga de água dos aquíferos, das áreas que não podem ser urbanizadas por conta disso e se há algum problema de contaminação. “Só que esses estudos ficam caros e precisa haver uma demanda política para a CPRM, pois se trata de uma empresa pública”, diz.

Em busca de apoio para a solicitação desse novo estudo, o grupo Amar’Água entrou em contato com deputados mineiros. Em outubro, o relator do projeto do novo Código de Mineração na Câmara, Leonardo Quintão (PSDB), protocolou um ofício junto à CPRM solicitando que fosse verificada a possibilidade de elaboração de um novo estudo. “Mas não tivemos mais retorno”, conta Alzira. Quintão não atendeu às solicitações de entrevista da reportagem. Já o deputado mineiro Gabriel Guimarães (PT), presidente da Comissão Especial do Novo Código de Mineração, prometeu acompanhar a questão: “Esse é um pleito justo, legítimo, e me comprometo publicamente a acompanhar o andamento desse estudo que é fundamental para a preservação das águas e a sustentabilidade da região.”

“Segundo a Nestlé, ela extrai menos da metade do que está autorizada pelo DNPM. Sem esse estudo, fica difícil, senão impossível, de dizer se há ou não superexploração”, ressalta o promotor Pedro Paulo Barreiros Aina, que instaurou a Ação Civil Pública contra a empresa em 2001 e também defende a necessidade de um estudo novo. Ele explica como é definido o limite de explotação pelo DNPM: “O órgão utiliza um teste de bombeamento para verificar quanto tempo o poço leva para se recuperar depois de a água ser bombeada por um certo número de horas”.

Procurada pela reportagem, a Nestlé informou, em resposta por e-mail, que em 2013 extraiu apenas 44% do volume de água total autorizado pelo DNPM: “Corresponde ao necessário para o atendimento da demanda de vendas, da comunidade e do fontanário do parque”. O DNPM não atendeu às solicitações de entrevista da reportagem, mas, de acordo com informações obtidas com o órgão por meio da Lei de Acesso à Informação, a capacidade de vazão do poço aprovada é de 10 metros cúbicos por hora, ou seja, 10 mil litros por hora, por um período máximo de 12 horas por dia. Isso tanto para abastecer a indústria, o bebedouro do Parque das Águas e o Fontanário Público (água gasosa).

A empresa não divulgou a quantidade extraída, mas segundo os cálculos feitos pela reportagem, a quantidade deve ser de cerca de 1,6 milhão de litros por mês, que correspondem a 44% dos 3,6 milhões de litros autorizados pelo DNPM. Em um ano, a empresa deve retirar, portanto, uma média de 19 milhões de litros de água.

Divulgação de pesquisas

Presidente da Comissão das Águas da Câmara Municipal de São Lourenço, o vereador Agilsander Rodrigues da Silva (Partido Social Liberal – PSL), o Gil, conta que, em 2010, foi feita uma avaliação do aquífero de São Lourenço pela universidade suíça Neuchatel, promovida pela Nestlé. “Fiz um requerimento na Câmara questionando esse estudo e pedindo para me mandarem, mas não tive acesso a ele até hoje”.

Para o vereador, falta à empresa dar mais publicidade e transparência aos trabalhos e pesquisas que realiza. Ele ainda questiona o motivo de o estudo ser feito por uma universidade estrangeira. “Por que não uma universidade brasileira? Por que não a Universidade Federal de Itajubá, que tem um curso de engenharia hídrica, ou a Unicamp, a USP, que têm um grau elevadíssimo de pesquisa?”

A associação Amar’Água também solicitou acesso ao estudo pelo Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente (Codema), mas o pedido foi negado pelo DNPM por serem dados de “divulgação restrita e sigilosos”, como diz a resposta enviada ao órgão a que Alzira teve  acesso.

Segundo a assessoria da Nestlé, os resultados da pesquisa foram divulgados em setembro de 2010 em reunião com o grupo “Amigos do Parque”. Ainda segundo a empresa, a universidade suíça foi escolhida por ter reconhecimento mundial no setor de águas e o estudo foi realizado para garantir a explotação sustentável das águas para engarrafamento e devidamente validado pelas autoridades fiscalizadoras. A empresa, no entanto, não enviou uma cópia do estudo, como solicitado pela reportagem.

“A comunicação dessas empresas com a população é muito difícil. Elas se respaldam muito no sigilo industrial para não divulgar certas informações. Mesmo para a Justiça dificultam o acesso a certos dados”, pontua Guimarães. O promotor conta que há um novo inquérito civil em curso, que analisa se as reclamações da população sobre a exploração das águas procedem e o que pode ser feito judicialmente. “Apuramos responsabilidades, se há dano ou perspectivas de dano que possa ser evitado, de uma fonte se extinguir, por exemplo”, explica. O inquérito está em fase de perícia técnica.

Urbanização

Afastando-se do Parque das Águas, dos cafés, restaurantes e lojas de artesanato, doces e queijos que o cercam, vemos novos bairros em construção. São residências de veraneio, condomínios e hotéis. Castelinhos em estilo europeu que convivem com casas de campo brasileiras e habitações populares. Cercado por sete colinas, o município de 41 mil habitantes e 58 quilômetros quadrados quer crescer.

O turismo ainda é o principal motor da economia de São Lourenço, que tem o segundo maior número de leitos em hotéis do estado, atrás apenas da capital, Belo Horizonte. Mas São Lourenço diversificou suas atividades nos últimos anos e hoje é também um polo regional de serviços de saúde, educação e comércio. “Na última década, a cidade saiu da faixa de 600 pontos comerciais para 1.600. As fábricas de doces e malhas se profissionalizaram. Hoje exportam, e o número de turistas tem aumentado de 12% a 17% ao ano”, diz o prefeito Zé Neto.

Para o promotor Bergson Guimarães, no entanto, o descontrole da ocupação das áreas de recarga – onde a água da chuva, que irá se tornar mineral, se infiltra no solo – e o aumento das fontes de poluição podem ter consequências até mais graves que a própria exploração comercial da água. “Sem conhecimento técnico-científico dessa área, ela pode estar sendo impermeabilizada de forma irresponsável”, diz.

O vereador Gil acredita que um estudo maior sobre a região, como o solicitado à CPRM, seria importante inclusive para ajudar a redefinir o Plano Diretor do município. “Precisamos atualizá-lo até para assegurar a qualidade de vida em São Lourenço. Já que somos um município muito pequeno, precisamos ter muito cuidado com a expansão urbana. Com esse estudo em mãos, poderíamos mudar o foco dessa discussão, porque teríamos como comprovar onde estão as áreas de recarga.” Ele cita o caso do Conjunto Habitacional Santa Helena, construído em 2011. “Dizem que está numa área de recarga, mas não temos essa certeza e teve autorização do Codema”, explica.

Gerente do departamento de meio ambiente de São Lourenço e membro do Codema, Janimayri Forastieri de Almeida Albuquerque diz que um laudo técnico apontou que aquela área não tinha uma importância tão grande para a recarga, ainda que fosse considerada. A construção do loteamento foi liberada com algumas condicionantes, como o calçamento com paralelepípedos e bloquetes, de modo a facilitar a infiltração de água na área.

“Ficamos preocupados se devemos ou não impedir que uma obra seja construída porque não temos certeza sobre quais são as áreas de captação de água”, conta. Para ela, é importante que seja feito um estudo em toda a região e não só em São Lourenço: “Às vezes deixamos de crescer para poupar um lugar, quando um município vizinho pode estar atacando uma área até mais importante para a recarga. O estudo da CPRM pode esclarecer essa situação e nos dar parâmetros para estabelecer parcerias de proteção dessas áreas.”

Poluição

Outros problemas do crescimento urbano são o lixo e o esgoto da cidade. No município há água encanada para todos, mas o esgoto coletado ainda não é tratado. Em construção, a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) deve ser inaugurada em 2015, segundo o prefeito. Enquanto isso, os detritos de São Lourenço são despejados no rio Verde, numa área a jusante – abaixo – de onde ocorre a captação de água para as fontes, o que, segundo Janimayri, não traz grandes impactos para a água mineral. “Não significa que estamos certos de jogar esgoto, até porque precisamos despoluir o rio”, ressalta.

O professor Reginaldo Bertolo, do Instituto de Geociências da USP, lembra que outro cuidado importante deve ser a eficiência da captação desse esgoto. Como a pressão nesses encanamentos é mínima, quando não negativa – ao contrário do que acontece com a água, que chega às casas com alta pressão –, é muito difícil identificar vazamentos na rede de esgoto.

Já os resíduos sólidos urbanos são despejados num lixão desde 1989. “Como não temos área rural, nem sem água, não temos um local passível de licenciamento ambiental de aterro sanitário”, explica Janimayri. 

Para resolver o problema, São Lourenço criou um consórcio com os municípios vizinhos e, em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Política Urbana e Gestão Metropolitana (Sedru), implantará uma usina de triagem e compostagem com embolsamento. “Resumidamente, faremos a triagem, a compostagem e o que sobrar de resíduo orgânico vai ser embalado. Depois de certo tempo, essas grandes embalagens são abertas e o que está ali se tornou um composto orgânico que pode ser usado em áreas de reflorestamento”, explica Janimayri. Ela conta que essa é uma tecnologia ainda inédita no Brasil e seu início está previsto para agosto deste ano. Já o lixão existente deve passar por um processo de recuperação, uma exigência para o licenciamento ambiental.

Retorno

Pela exploração das águas minerais de São Lourenço, a Nestlé pagou ao governo brasileiro R$ 515.107,07 em 2012. Em 2013, até o dia 13 de dezembro, esse valor era de R$ 445.545,41, segundo dados obtidos com o DNPM pela Lei de Acesso à Informação. “O lucro das empresas engarrafadoras é muito maior e elas ainda reclamam da tributação, fazem questionamentos jurídicos”, relata Guimarães.

Como essa água é considerada um recurso mineral, está sujeita a uma contribuição chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que é dividida entre União (12%), Estado (23%) e município produtor (65%). Em 2013, São Lourenço deve ter recebido, portanto, cerca de R$ 290 mil pela exploração que a empresa faz de suas águas.

O recurso é a única receita a que têm direito os municípios onde há explotação de água mineral, além do ICMS. De acordo com a legislação, a Cfem para a água mineral corresponde a 2% sobre o faturamento líquido da venda do produto mineral. “Fico preocupado porque o valor é muito pouco perto do que a água representa para o Brasil e para o município”, diz o vereador Gil.

O prefeito Zé Neto concorda que a Cfem é pequena, mas ressalta que a empresa também patrocina eventos da cidade, como o Festival de Inverno. “Às vezes o apoio é na divulgação ou com distribuição de água mineral, outras vezes financeiramente, mas não é essa a grande significação, os valores são muito pequenos. O grande retorno social que eles podem fazer é manter o parque e preservá-lo bem cuidado para atrair turistas”, defende.

Entre os eventos patrocinados pela empresa está a Comenda Ambiental Estância Hidromineral de São Lourenço, em que são condecoradas, no Dia Mundial da Água, personalidades que contribuíram para o desenvolvimento do meio ambiente, da cultura e do turismo. Na entrega das medalhas de 2013, que incluiu dois gerentes da própria Nestlé, o Amar’Água esteve presente, protestando. Em suas camisetas pretas, um leão, símbolo das fontes do parque, chora.

“Os organizadores não gostaram, mas foi um protesto pacífico. Não tinham o que fazer. E conseguimos várias assinaturas para nosso abaixo-assinado”, lembra Letícia Rodrigues, que fez a ilustração das camisetas usadas pelo grupo. A estudante de direito de 19 anos é a mais jovem participante do Amar’Água. Ela, que era criança quando houve a primeira grande mobilização pelas águas de São Lourenço, em 2001, conta que conseguiu alguns apoios na faculdade, ainda que muitos desconheçam as discussões sobre água mineral. “Falta informação, e alguns também não querem saber o que se passa”, diz.

No dia 22 de março deste ano, na entrega da Comenda das Águas, os manifestantes estiveram presentes e foram novamente impedidos de entrar com seus cartazes no espaço reservado ao evento, na praça em frente ao parque. Do lado de fora, fizeram seu protesto.

NA ÍNTEGRA: Palestra "Quem Mexeu no Meu Jornalismo?"

Pra quem não viu ontem, quarta-feira (7), confira o vídeo na íntegra das palestras do evento "Quem Mexeu no Meu Jornalismo?", organizado pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero com ECA-USP, Metodista, Mackenzie, PUC-SP, ESPM-SP, Anhembi Morumbi e por mestres como Carlos Costa, Daniela Osvald Ramos e outros. Teve palestras com Leonardo Sakamoto, Andre Deak e Bob Fernandes. Confiram o vídeo abaixo:


Para rastrear as discussões, procure, no Facebook e no Twitter, a hashtag #jornalismo5. O evento ocorreu entre 19h e 21h30.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Polivox: Lobão, um músico talentoso virando apenas e tão somente um polemista

Por Pedro Zambarda
Postado originalmente na Whiplash.net


Meu xará carioca, o jornalista Pedro Sprejer, escreveu uma carta aberta ao músico Lobão que merece ser lida. Não sou militante de esquerda e tenho minhas críticas à esquerda, mas é realmente suspeita essa atual "onda conservadora" entre roqueiros brasileiros. O caso de Lobão vai além de simpatias ou antipatias ao governo do ex-presidente Lula, ao PT ou à presidente Dilma Rousseff. Me parece que o músico transformou-se numa espécie de agitador oportunista, aproveitando-se do atual contexto político, e fazendo pouca arte. O que são as músicas atuais de Lobão se comparadas à discografia das décadas de 80 e 90?

Segue a carta aberta de Pedro, que é muito mais completa do que qualquer explicação minha. O texto tem autorização do próprio autor.

por Pedro Sprejer

Eu te acompanho desde meados dos anos 80, quando, ainda criança, pulava na frente da TV, e do rádio ao som de “Vida Bandida” e “Corações psicodélicos”. Essas e outras canções constituíram o meu repertório afetivo-musical, e sempre olho para elas com carinho. Hoje, entretanto, sua voz me soa amarga. Acho que cansei dela. E me atrevo a falar em nome de outros fãs que estão desapontados com o papelão que você tem feito por aí.

Você e Cazuza foram os artistas mais provocadores da geração 80, os mais autênticos. Cazuza foi um libertário genial, com sua ironia, homossexualidade escancarada, e entrega total à vida. E você, com um rock maníaco-depressivo foi mesmo uma ovelha negra dentro da MPB, como gosta de dizer. Você acrescentou à MPB algumas doses a mais, trouxe euforia, porra-louquice, mas também melancolia e desespero, fazendo a trilha dos anos 80, entre festas homéricas e ressacas suicidas. E ainda colocou na canção brasileira, comportada e luminosa na maior parte das vezes, uma violência crua. A mesma violência que já estava nos filmes do Cinema Marginal, nos contos do Rubem Fonseca ou nas peças de Plínio Marcos.

Depois de debutar com um rock dançante adolescente, você enveredou por um lado selvagem da motocicleta. Mergulhou na vida louca e bandida dos anos 80 para contar a história do personagem que “chutou a cara do cara caído” e “bateu no seu melhor amigo” e também a do que “sem dó, nem pena, sem um telefonema, matou a família e foi ao cinema”. Você propôs um verão na boca do lixo, ainda que esse universo decadente e sujo às vezes se parecesse mais com uma história de Charles Bukowsky ou com o “Taxi Driver” de Scorcese.

Sua história deu um livro, Lobão. Você fez de tudo um pouco, inclusive “Me chama” e outras belas canções. Lançou discos bons, como “Nostalgia da modernidade” (1995). Lutou uma briga boa contra as grandes gravadoras e o jabá nas rádios. Fez também, vale lembrar, uma certa dose de músicas que me parecem muito ruins.

Mas o que eu acho curioso é como você é até hoje associado aos anos 80, mesmo tendo feito tantas coisas depois. Por algum motivo, ao longo das décadas seguintes, sua música foi saindo de cena lentamente. Aí te vimos ressurgir das estepes, lobo escaldado a latir com raiva, primeiro como um entrevistado que premiava os repórteres com declarações polêmicas, depois como apresentador de TV e, por fim, colunista da Veja.

Sua primeira aparição nacional como pugilista verbal foi na longa discussão com o Caetano, que teve ótimos momentos, e gerou sua incrível “Para o mano Caetano”, na qual acertou Caê à queima-roupa, brindando-o com o maravilhoso epíteto “dandi dendê”, batendo forte, mas também o reverenciando como mestre ao mesmo tempo. A discussão virou até matéria no Fantástico. Havia ali um diálogo interessantíssimo entre duas vertentes nem sempre opostas da canção brasileira, entre o tropicalismo e uma geração roqueira que o absorveu e negou ao mesmo tempo.

Só que parece que foi justamente isso que você perdeu, Lobão, a capacidade de dialogar, entrando numa certa “décadence sans elégancé”. Tornou-se uma das figuras beligerantes de “penas afiadas e garganta acelerada” tão bem descritas numa coluna recente do Thomaz Wood Jr.

Andou injuriando por aí gente como Chico, Tom, Gil e tantos outros. Não me entenda mal, acho saudável questionar ícones, em arte nada deve ser sagrado. Há de fato, muito o que se discutir na postura aristocrática e mesmo no conjunto da obra de nossos medalhões (vide o papelão que fizeram na questão das biografias). É verdade que nem a quase extinta bossa-nova, nem a sua filha MPB, como fizeram crer, são capazes de representar e traduzir o país, se é que isso um dia chegou a acontecer.

Só que a sua virulência leviana, o seu jeito de atacar os consensos sem nada de novo para oferecer, não me parece rebeldia, mas uma outra coisinha que às vezes é confundida ingenuamente com iconoclastia: niilismo. Isso mesmo, uma negatividade incapaz de criar qualquer horizonte.

É justamente o contrário do que faz o artista. Se é o artista quem puxa o nó da realidade e faz de tudo que vê um “link” para a criação, o difamador maledicente usa da retórica apenas para destruir e mortificar.

Sabe, Lobo, a gota d’água que me motivou a escrever esta carta-beliscão foi a besteira que você falou a respeito dos Racionais MC´s, um grupo que sempre admirei e que tem como líder aquele que é, sem dúvida, o melhor letrista a despontar no Brasil nos últimos 25 anos. (Se você não acredita, ouça “Eu to ouvindo alguém me chamar” ou “Capítulo 4, versículo 3”). Procure saber.

Então, Lobão, os Racionais são mesmo, como você escreveu no último livro que lançou, “o braço armado do PT”? Como é isso? Panteras-negras-bolivarianos? Ou uma facção leninista do PCC? Aliás, recentemente você voltou a provocar, chamando, em sua coluna na Veja, os Racionais, o MST e outros de “rebeldes chapa-branca”. Tentando botar uma pimenta na sua salada envenenada maluca, disse que Mano Brown e seus manos “sobem nos palanques, têm o beneplácito da mídia oficial bancada pelo governo e, mesmo assim, são revoltadíssimos com o sistema!”. Uma frase acusatória com vestes de denúncia desprovida de qualquer dado concreto, que desemboca rasteiramente numa bobagem malvada e infame.

Como se os Racionais não tivessem legitimidade para falar em nome da periferia. Como se qualquer discurso socialmente engajado fosse oportunismo. Ou os próprios rappers fossem apenas populistas que se beneficiam de um discurso revolucionário. Lobão, o golpe foi baixo, mas o movimento previsível demais. Você apenas pega o que outros articulistas de direita falam sobre Lula e encaixa grosseiramente em Mano Brown.

Você que viveu e cantou sua vida bandida no Leblon deveria ter mais boa vontade com o relato daqueles que vivem a vida loka nas ruas das Ruandas brasileiras. O Haiti é aqui, Lobo.

É curioso te ver reagir assim uma das expressões mais interessantes surgidas no Brasil dos anos 90, década em que o rock dos 80 foi perdendo a força até virar praticamente só a saudade da Legião e o “retorno triunfante” da Capital Inicial. Sim, é engraçado, pois foi justamente o rap, como o Chico Buarque notou, que fez com que a violência real do país passasse a jorrar na música brasileira, sedimentada desde os anos 30 em torno da ideia de conciliação e apaziguamento das tensões sociais. Se para você a MPB é “paumolescência” e o rap oportunismo, o que sobrará? Respondo: o niilismo. Lágrimas no escuro.

Lobão, você gritou “Lula” no Faustão, em 89, e, pelo andar da carruagem, qualquer dia ainda vai gritar “Olavo de Carvalho!” no Circo Voador. O problema, porém, não é a sua “conversão”. O triste é ver um músico talentoso virando apenas e tão somente um polemista, espalhando niilismo coxinha e faturando com a idiotização do país, a polarização burra. Lobo de patas dadas com as raposas, papagaiando e batendo palma pra macaco. Para um ex-fã é um espetáculo triste.

Greil Marcus, considerado por muitos o maior crítico musical americano, definiu o ethos do rock como “uma afronta à entropia” e “um combate contra a mesmice”. Talvez esses elementos estejam no ímpeto das suas críticas, Lobão, mas te falta uma noção básica de hegemonia e contra-hegemonia, para saber que hoje é você, e não o Mano Brown, quem está do lado mais poderoso, do lado daqueles que dão as cartas mais valiosas no país e no mundo, valendo-se do controle da economia e da mídia. Não, Lobão, os comunistas não mandam no Brasil. Você ainda não percebeu?

A triste conclusão, porém, é que talvez sejam justamente besteiras infundadas desse tipo que os seus novos admiradores querem ler. Eu não, me inclua fora dessa. Daqui em diante, dançarei “Corações psicodélicos” nas festas (como resistir?). E só.

Um abraço sincero e um gancho metafórico de esquerda, do teu ex-fã,

Pedro.

Microsoft e ONU criam programa para prever degradação ambiental

Por Agência Brasil
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A empresa de informática Microsoft e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) desenvolveram o primeiro sistema de simulação virtual capaz de prever a degradação do meio ambiente e o futuro da Terra.

A tecnologia de código aberto, denominada Madingley, permite que os cientistas conheçam como interagem todos os organismos em um dado ecossistema e respondam a perguntas-chave, informou o Pnuma em comunicado.

Quais serão os efeitos da ação humana sobre a natureza? Durante quanto tempo teremos recursos necessários à vida? O que aconteceria em um determinado ecossistema se se extinguisse uma abelha? Essas são algumas das perguntas a que se tentará dar resposta, aplicando o programa a qualquer sistema marinho ou terrestre.

“Madingley é uma nova tecnologia que oferece à comunidade científica e aos líderes mundiais uma ferramenta vital para prever como formas de desenvolvimento não sustentável podem afetar o mundo natural”, explicou o diretor executivo do Pnuma, Achim Steiner.

Com informações da Agência Lusa

USP: Software reduz custo na escala de tripulantes do setor aéreo

Por Agência USP de Notícias
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Uma economia que pode chegar a 10% dos gastos de uma companhia aérea com a escala de sua tripulação é o principal resultado de um programa de computador desenvolvido por um aluno de doutorado da Escola Politécnica (Poli) da USP. O software é resultado da tese de doutorado Modelagem integrada do Problema de Programação de Tripulantes de Aeronaves, defendida por Wagner de Paula Gomes, em janeiro deste ano, no Departamento de Engenharia de Transportes (PTR), sob orientação do professor Nicolau Dionísio Fares Gualda. Ele foi testado na prática, em uma empresa real, de médio porte, com cerca de 200 tripulantes e quatro mil voos por mês.

Como se pode imaginar, é complicado fazer a escala de trabalho de 200 ou mais tripulantes em milhares de voos, pois é necessário respeitar as regras de segurança e leis trabalhistas, que, nos voos domésticos, estabelece jornadas de trabalho de no máximo 11 horas seguidas. Também é preciso levar em conta as folgas, sobreavisos, reservas, treinamentos e férias dos trabalhadores. De acordo com Gomes, isso faz parte do planejamento operacional de uma companhia aérea e é conhecido como Problema de Programação de Tripulantes (PPT).

Atualmente, a maioria das empresas aéreas faz o planejamento operacional em cinco etapas sequenciais, em que a solução de uma delas define os dados de entrada da etapa posterior. Três dessas etapas precedem o PDV: Programação de Voos (determina o conjunto de voos que será oferecido pela empresa), Atribuição de Frota (define o tipo de avião que será utilizado em cada voo) e Atribuição de Aeronaves (estabelece uma rota de voos para cada avião). A quarta etapa é o próprio PDV, no qual se inicia a programação de tripulantes para cada frota. “O objetivo deste planejamento é encontrar um conjunto de viagens que cubra todos os voos da malha aérea, com custo mínimo”, explica Gomes.

Em seguida, é determinada a escala de trabalho dos tripulantes. Ela leva em conta a jornada, que é a duração do trabalho do tripulante, contada entre a hora de apresentação no local de trabalho e a em que ele é encerrado; e a viagem, contada desde a saída de sua cidade de moradia até o regresso a ela. Em síntese, os voos da malha aérea são inicialmente agrupados em jornadas. Em seguida, as viagens são formadas a partir do agrupamento das jornadas.

Solução integrada

A fraqueza dessa solução, segundo Gomes, é que ela não leva em conta a disponibilidade, qualificação, antiguidade, experiência e preferências individuais dos tripulantes de forma global, o que impede uma estimativa real de custo e afeta a qualidade da resolução final. “O programa que desenvolvi dá uma solução integrada do PPT, eliminando a necessidade de se resolver primeiro o PDV”, diz Gomes. “Com ele é possível obter uma solução mais realista.” Além disso, mais adequada à realidade brasileira do que os programas estrangeiros usados hoje pelas companhias.

O software desenvolvido na Poli poderá interessar a empresas aéreas do País, que hoje operam num mercado aquecido e com forte concorrência. Gomes lembra que o número de passageiros transportados nos mercados doméstico e internacional apresentou um crescimento de aproximadamente 234% entre 2003 e 2012, conforme os dados estatísticos disponíveis no Anuário do Transporte Aéreo de 2012, da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Nesse período, o número de viajantes no mercado doméstico passou de 29,1 milhões para 88,7 milhões e no internacional de 8,0 milhões para 18,5 milhões.

Segundo Gomes, a receita das empresas aéreas é gerada basicamente pela venda de passagens (85% do total) e transporte de cargas (7%). Além disso, os principais custos diretos das empresas são os combustíveis, o arrendamento, a manutenção e seguro de aeronaves, e a tripulação. “Os gastos com tripulantes equivalem a 12% dos custos diretos”, diz. “Diante da concorrência enfrentada pelas empresas aéreas brasileiras, a aplicação de métodos eficazes e eficientes na programação de tripulantes tem como objetivo uma redução dos custos diretos, aumentando a lucratividade e a competitividade das empresas, além de contribuir para a satisfação da tripulação.”

EACH: Equipe brasileira disputa competições de supercomputação

Por Natalia Dourado, Agência USP de Notícias
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A equipe Apuama, formada por estudantes e professores do curso de Sistemas de Informação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP participará de duas competições internacionais de supercomputação. No dia 19 de abril, a equipe embarcou para a China, onde disputou a Asian Supercomputing Conference. O grupo também foi o primeiro do Brasil a se classificar para competir na Student Cluster Competition, que ocorrerá em junho na Alemanha. A equipe é supervisionada pelo professor Alexandre Ferreira Ramos, da EACH.

Integram o time cinco alunos do curso de Sistemas de Informação: Carlos Aguni, Eiji Kawahira e Luis Manrique, do terceiro ano; Flávio Avad Briz e Henrique Leme, do quarto ano, além do professor Fábio Nakano, que atua como co-supervisor. Nas competições, a equipe da EACH terá que executar vários programas em um cluster, chamado também de supercomputador, que pode consistir em alguns milhões de computadores interligados trabalhando em conjunto para resolver o mesmo problema. Vence a disputa o time que conseguir colocar todos os programas para funcionar corretamente, e no menor tempo possível.

Formada em outubro de 2013, a equipe recebeu o nome de Apuama que, segundo o professor Ramos, significa “veloz” ou “correnteza” em tupi-guarani. “Escolhemos esse nome porque remete ao fluxo de informações dentro do cluster”, explica. “A troca de informações entre os computadores precisa ser muito rápida.” Em pouco tempo de trabalho foi possível inscrever projetos para participar das duas competições e garantir a classificação. Na disputa alemã, a Apuama foi uma das 11 selecionadas dentre 70 equipes inscritas de todo o mundo. Também ficou entre as 16 escolhidas na China, que contou com 82 grupos inscritos.

A ideia de participar das competições surgiu após o contato com o professor Yuefan Deng, da Stony Brook University, de Nova York (EUA), que veio ao Brasil em setembro de 2013, com financiamento da Pró-reitoria de Pós-Graduação da USP e do Programa de Pós-Graduação em Sistemas Complexos da EACH, para colaborar com o professor Alexandre em projetos de pesquisa utilizando simetrias aplicadas à computação de alto desempenho. A partir daí, os professores da EACH convidaram os alunos de Sistemas de Informação. Os estudantes interessados se uniram aos docentes e formaram a equipe.

Conhecendo a Supercomputação

“Quando você vê múltiplos computadores trabalhando isoladamente, está tudo ok. Agora experimente juntá-los. É um desafio!”, garante o professor Ferreira Ramos. Segundo ele, é preciso levar em consideração qual tecnologia utilizar para conectar os computadores e estabelecer a sincronia entre os programas.

“Existe toda uma questão de como um computador se comunica com o outro, qual informação deve ser passada primeiro, ou seja, é uma questão de administrar o fluxo de informação entre os computadores”, explica o professor Nakano, que também exemplifica quais tipos de programas são executados nos supercomputadores. Um deles é o HPL, High Performance Linpack, aplicação que resolve sistemas lineares com precisão e muito utilizada para avaliação de desempenho de clusters. Segundo ele, esse programa é utilizado para resolver problemas de otimização como, por exemplo, na transmissão de energia elétrica, na produção de gado, dentro de um hospital que precisa programar a dieta dos pacientes, entre outras situações.

Outro programa muito executado em clusters é o Quantum Espresso, que faz cálculo de estruturas materiais, analisando, entre outras características, a estabilidade de uma estrutura sólida quando interagindo com elementos externos. “Ele serve para projetar, por exemplo, a composição química do combustível utilizado em um reator nuclear e como este interage com os nêutrons abundantes desse ambiente”, afirma o Ferreira Ramos.

Os alunos da equipe trabalham com vários outros programas que colocam situações do dia a dia. “Lidamos com problemas reais e nas competições também enfrentaremos isso”, destaca o estudante Luis Manrique. Flávio Briz, do quarto ano de Sistemas de Informação, ressalta a importância desse projeto na carreira acadêmica e profissional. Para ele, a participação nas competições “terá um grande peso no aprendizado, que evoluiu muito desde a formação da equipe”.

Além de usar o cluster Apuama, formado por seis computadores que já não eram utilizados para pesquisa no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, o grupo da EACH treinou com o Puma, máquina formada por 59 computadores do Laboratório de Ciência de Computação Científica Avançada da USP; e com o Alphacrucis, formado por 96 computadores do Departamento de Astronomia do IAG. Tanto na China como na Alemanha, a equipe da EACH competirá com um cluster formado por seis computadores. Na disputa chinesa, a Inspur, empresa patrocinadora do evento, disponibilizará os equipamentos para todos os grupos participantes. Já na alemã, os brasileiros competirão com equipamentos emprestados pela SGI, Mellanox e Intel, parceiras da equipe Apuama.

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