quinta-feira, 15 de maio de 2008

Sopa de Letras

Adicione vocabulário. Adicione informações. Adicione autoria, uma pequena marca da sua pata, da ata de suas proposições. Mexa os ingredientes. Adicione uma pitada de estilo, como se ele fosse uma fórmula pronta. Ignore o seu amadurecimento pessoal. Force inspiração, force seu cérebro, force a ponta da lapiseira.

No jornalismo, a criação do texto segue com mais um requisito: ceifar o que for inútil para a miscelânea que é o painel de notícias. O repórter, como um franciscano ferrenho, abandona todo e qualquer luxo pomposo das letras. Jornalistas são escritores nus, adornados com armas, não cobertores para o frio.

E nesse alimento, que se liquefaz, reside a matriz escrita, o molde de nossos atos. Pouco pensa aquele que se ilude com imagens sobrepostas e chama tal prática de mídia. Dispenso comentários sobre quem considera tudo comunicação, sem compreender o texto que cerceia o acontecimento. As palavras não são só a matéria, são também os tópicos da pauta, os nomes da lista telefônica, o peso de um comentário, uma intenção apenas verbalizada.

Nessas vogais e consoantes embaralhadas, a informação é migalha, a incompreensão é aceita, os preceitos são fixos e imutáveis. Em palavras mais simples: ver Isabella cair do apartamento significa revoltar-se, ver uma campanha de solidariedade significa redimir uma televisão, falar mal de políticos significa um costume, não uma ação. Falar de futebol não é gosto, é um falso patriotismo que integra pessoas anti-sociais em assuntos superficiais.

A Sopa de Letras não é um bom caldo, mas sim um ácido de nossos atos.

Aconteceu uma injustiça, culpe uma instituição. Aconteceu uma tragédia, recorre ao deus cibernético, mídia. Fale sua história. Fale. Fale. Ouvir não alcança o sussurro da realidade. Criticar é a habilidade de berrar sem sair do lugar.

A Sopa de Letras é um bom recado: discutir desorientação é uma tentação diante da consciência coletiva. E, pasmem, isso não é culpa do capitalismo. Estamos surdos nesse empirismo cego, que disfarça nossas provas, nossas atitudes novas.


Sopa de Letrinhas são crônicas publicadas às quintas-feiras.

Falam de comunicação, de protesto e contra-protesto.

3 comentários:

  1. Uhu! Gostei do texto.

    Não concordo com tudo, mas gosto do texto.

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