quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Regra do Jogo: A história do jornalista que dirigiu os dois maiores jornais do Brasil

Claudio Abramo era um jornalista que criticava os cursos de jornalismo, mesmo após dar aulas na Cásper Líbero e na ECA, na USP. Achava os cursos ineficientes, pouco práticos e muito generalistas. Mesmo assim, em seu livro de memória, A Regra do Jogo, ele consegue dar uma aula de jornalismo de primeira linha, com relatos de suas experiências, seus artigos opinativos e suas reflexões sobre a profissão, o ofício de noticiar. Abramo foi responsável pela reforma do Estado de S. Paulo nos anos 1950 e dirigiu a Folha de S. Paulo durante a ditadura militar, entre os anos 60 e 70.


Antes dos grandes jornais, Cláudio Abramo trabalhou na Agência Interamericana, com traduções de artigos em inglês, e na Press Praga, que cozinhava material de jornais e publicações, ou seja, aproveitava conteúdo alheio. Socialista de orientação trotskista, Abramo cultivava medo dos chefes capitalistas dos grupos de comunicação, mas era um funcionário eficiente, culto e que aprendeu realmente como fazer jornal e a lógica particular da imprensa de sua época.

"Escrevo de modos diferentes para a Folha e para a Senhor; nesta sinto-me mais livre, porque a revista tem uma circulação pequena. Se amanhã ela estiver numa posição de vender quinhentos mil exemplares, o arco de leitores a atender será muito maior, e naturalmente entenderei isso e eu mesmo limitarei mais minha liberdade. Isso é algo que o jornalista delimita, não é preciso que o patrão diga. É a regra do jogo. Não se podem propor certas coisas numa publicação que vai atender a um número muito grande de leitores", explica Cláudio Abramo. Ele explica, em diversas passagens do livro, que é permitido ao profissional de imprensa ter opiniões políticas próprias. Mas, ao fazer o jogo da imprensa, você responde a uma propriedade privada, que é o jornal. Abramo desmistifica o "bem público" que os jornalistas constroem, afirmando que a ética jornalística não é diferente de outros procedimentos de trabalho.

"No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista", afirma Abramo no livro. Concordando ou não com esse ponto de vista, as memórias de Cláudio Abramo fornecem uma análise realista da profissão.

Os artigos jornalísticos selecionados dentro do livro abordam uma variedade de assuntos. Claúdio Abramo entrevistou, para o Estadão, o escritor Albert Camus, que é descrito em seus trejeitos e na sua forma peculiar de expressão, tipicamente argelina e diferente dos franceses. Abramo também faz uma série de artigos, que são extensos e densos, sobre a economia espanhola durante a ditadura de Franco, em 1951. O jornalista se aprofunda nas cotações das moedas, no procedimento dos militares espanhóis e nas descrições detalhadas sobre a pobreza local. É um ótimo trabalho de jornalismo econômico, mesmo que Cláudio Abramo diga que o trabalho da imprensa é comum e muito distante do que consideramos intelectual.

A Regra do Jogo vale a leitura, mas não foi concebido para ser um livro. A publicação, na verdade, é uma copilação de artigos e reportagens de Cláudio Abramo misturadas com as memórias pessoais do jornalista. Para quem quer entender o Estadão, a Folha e a natureza de nossa profissão, dê uma conferida. Se você estiver na faculdade, é uma grande oportunidade de ler um pouco sobre a realidade do ofício.

Cláudio Abramo nasceu no dia 6 de abril de 1923 e morreu em 14 de agosto de 1987, no período de redemocratização do Brasil após o golpe militar. Perto dos dias de sua morte, escreveu artigos criticando a ascensão do novo governo civil no país, aos 64 anos.

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