terça-feira, 18 de novembro de 2014

O Passaralho existe. O Ficaralho é de todos os jornalistas.

Por Pedro Zambarda

Estou neste momento com um texto pra entregar que eu deveria estar escrevendo, mas resolvi interromper tudo e escrever isto aqui.


Li, no ano passado, o texto do Bruno Torturra chamado "O Ficaralho". O conceito por trás dele é interessante. As redações jornalísticas têm promovido demissões sistemáticas por problemas de gerência, o advento da internet e um público que cada vez mais consome informações gratuitamente. Os demitidos sofrem "Passaralhos", um apelido que pegou no meio profissional. Para Bruno, quem fica na redação sofre o "Ficaralho", ou seja, acumula funções do demitido ao mesmo tempo em que a corporação enxuga a folha de pagamento. Nenhum jornal físico escapou disso, nem mesmo as televisões ou rádios. Recentemente tive notícias de demissões em massa até nos sites.

O problema que vi no texto do Bruno, e conclui com o tempo, é que sua conclusão ainda é muito otimista. Ele iria depois montar o Mídia NINJA, que fez história fora das redações cobrindo os protestos, e agora toca o estúdio Fluxo, que faz entrevistas igualmente interessantes. Acredito que ele esteja feliz com suas novas ocupações. Eu também estou com as minhas.

Mas devo dizer, depois de quase cinco anos formado em jornalismo e seis deles atuando no mercado, que jornalismo nunca foi fácil, não é fácil e não será fácil.

As pessoas que são demitidas de redações, sejam grandes ou pequenas, logo buscam empregos como freelancers e podem ter a oportunidade de ganhar melhor, trabalhando para mais veículos. A chance de maiores colaborações tem seu ponto fraco: Você trabalhará tanto quanto um jornalista sobrecarregado na redação. Ou mais.

Outras pensam em empreender e criar um negócio próprio. "Para ganhar tanto quanto meus chefes", dizem eles. Por um acaso você acompanha o balanço das empresas de comunicação? Sabe o quanto elas são problemáticas financeiramente?

O Ficaralho, neste contexto, é totalmente democrático. Atinge todos os jornalistas sem distinção.

Se você ficar na redação, terá que arcar com mudanças que estão enxugando suas estruturas, ao mesmo tempo em que seu público leitor está cada vez mais exigente ou engajado.

Se você vive de freelances (meu caso), terá que aprender a organizar o tempo, seu maior inimigo. Também terá que lidar com a demanda de não ter seguros trabalhistas. Esquece férias por um tempo, a menos que você tenha um "pé-de-meia". Esqueça aqueles benefícios bacanas de qualquer CLT.

Se você quer empreender (coisa que pretendo), você deve pensar como um freelancer e ainda como um administrador de empresas. Dá nó na cabeça quando você quer monetizar um trabalho que quase sempre começa de graça.

Não é fácil. Nunca foi.

O jornalismo teve avanços, retrocessos e mudanças. Agora enfrenta a barreira da transformação do mundo digital. Mas ele carece de empresas e de um mercado sólido que dê segurança para quem se aventura por esta carreira.

Enquanto o meio não der subsídios mais humanitários para seus profissionais, o jornalismo consistirá de Ficaralhos. De pessoas que acumularam funções que não gostariam, ou que estão sobrecarregadas contra a vontade delas.

O sindicato tem mais é que brigar por aumentos salariais. Os profissionais, se não estivessem tão desgastados, deveriam fazer greves se isso fosse necessário. O problema é que, mesmo com tantos problemas visíveis e necessidades de mudanças, ainda somos desunidos como classe. Cada um pensa no seu contracheque no fim do mês e poucos são instigados a pensar criticamente a profissão, isso quando não são mal-vistos pelos outros colegas.

Temos a escolha de pedir demissão, jogar tudo pro alto e mudar de carreira? Temos, claro. Ninguém é obrigado a estar neste meio, reclamando o tempo inteiro.

Mas é dolorido ver que o mercado age desta forma, de uma maneira quase desumana. A comunicação tem um papel de mudança com a sociedade.

Um país que não forma e não mantém bons comunicadores carece de boa cultura, de informações precisas e de qualidade. A consequência direta do Ficaralho no Brasil é esta.

Não gostaria de entregar um texto mais pessimista, mas sinto a necessidade de concluir isso. Gosto de ser jornalista e de acordar todos os dias para escrever e criar conteúdo.

Gostaria, apenas, que o Ficaralho não existisse.

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