"Empresas como a Blackwater operam numa indústria baseada na demanda, e é esta demanda, derivada de guerras de conquistas agressivas e impopulares, que precisa ser reduzida. A verdade é que, enquanto houver tropas no Iraque, haverá prestadores particulares".
Jeremy Scahill, jornalista colaborador do
The Nation e autor do livro Blackwater.
Blackwater não é uma teoria da conspiração "criada pela esquerda americana para atacar o Partido Republicano". A empresa possui milhares de funcionários ao redor do mundo e atende, atualmente, pelo nome Academi, adotado desde 2011, quando foi comprada por um novo conselho de administradores e de investidores. É líder no setor paramilitar, de segurança privada e até de atendimento em catástrofes naturais. Concorre com companhias como DynCorp e Triple Canopy. Oferece soldados, armamentos e expertise para o exército americano, através de contratos com o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, o que blindou os mercenários de investigações executadas até pelos próprios militares.
A empresa faturava cerca de US$ 100 milhões antes do 11 de setembro de 2001 e ultrapassou lucros bilionários até 2005 (US$ 1 bi foi alcançado em meados de 2003), em contratos de fornecimento às operações no Afeganistão, contra Osama Bin Laden, e no Iraque, contra Saddan Hussein. Sob o nome de "forças de paz", a Blackwater também ganhou US$ 70 milhões em contratos federais para dar suporte aos sobreviventes do Furacão Katrina, em 2005, faturando US$ 243 mil por dia. Os membros da Blackwater se caracterizam por seus armamentos sofisticados, óculos escuros e, muitas vezes, confundidos com forças especiais SEAL e SWAT, infiltrados dentro do exército.
O jornalista
Jeremy Scahill, do veículo de esquerda The Nation, fez uma biografia de mais de 500 páginas bastante crítica sobre a organização, que foi publicada em 2008. Na época, relatórios do Congresso americano apontavam que o país já havia disperdiçado US$ 60 bilhões nas guerras empreendidas pelo presidente republicano e conservador George W. Bush. Scahill mostra que parte dos gastos governamentais está ligado, direta ou indiretamente, às privatizações promovidas no setor militar, sobretudo com o uso de recursos da Blackwater.
Ultradireitistas da Carolina do Norte
Blackwater USA nasceu em 1997 da mente de duas pessoas: Erik Prince e Al Clark. Price era filho de Edgar, um empresário de muitos negócios em Holland, no estado americano de Michigan. Ed Prince foi um dos inventores do pára-sol com espelho iluminado utilizado na indústria automobilística até os dias atuais. Fortemente cristão e protestante, Ed passou valores religiosos fortes ao filho Erik, além da defesa do mercado liberal, da livre concorrência e dos principais ideais da direita conservadora interiorana dos Estados Unidos. Com essa base, Erik ingressou nas forças especiais da Marinha, a SEAL, e conheceu Al Clark. Os dois então tiveram a ideia de começar sua própria empresa privada de segurança e tropas suplementares na Carolina do Norte. Clark perdeu espaço quando a companhia ganhou rentabilidade sob a gestão de Erik.
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Erik Prince, o "príncipe" da Blackwater |
A companhia nasceu como um estabelecimento de tiro ao alvo, venda de armas e expertise para forças especiais. Evoluiu para uma agência de contratação de mercenários, que chegaram a recrutar veteranos das guerras na Iugoslávia do governo Bill Clinton. Veteranos de outras guerras americanas também encontraram na Blackwater um "paraíso" para voltarem a viajar, darem alguns tiros e desestressar frustrações e traumas pessoais.
De acordo com informações obtidas por Scahill, a Blackwater cresceu absurdamente quando, em 10 de setembro de 2001, a empresa foi incluída em um programa de desburocratização do Pentágono promovido pelo Secretário de Defesa do presidente Bush, Donald Rumsfeld. Para o político, a estrutura de defesa americana se assemelhava ao aparelho nazista em 1930 (ou outra organização ditatorial) e não permitia a participação da livre-concorrência empresarial para melhorar suas estruturas. No dia seguinte, aviões foram atirados contra as Torres Gêmeas em Nova York e contra o próprio Pentágono, forçando uma reação do exército. Rumsfeld então deu seguimento ao plano de privatização militar do governo Bush.
Erik Prince ganhou enorme empatia do republicano George W. Bush. Ele não era protestante, como seu pai Edgar, mas Erik uniu-se à segunda religião mais forte nos Estados Unidos: O catolicismo. Suas simpatias políticas foram o lobby necessário para que a Blackwater vencesse as licitações militares, muitas vezes sem concorrentes. E, politicamente, o católico Erik Prince passou a integrar uma nova corrente neoconservadora (neocon) nos EUA: Os teocons, religiosos poderosos que batalham pelo retorno de uma década de governo republicano como ocorreu na época de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
Erik se aproximou de políticos como Lewis Paul Bremmer (diplomata e administrador da coalizão contra o Iraque em 2003) e Condoleezza Rice (Secretária de Estado do governo Bush). A Blackwater protegeu os dois no Oriente Médio, em operações de alto risco, e passou a penetrar majoritariamente na linha de frente do exército americano. Para Erik Prince, sua empresa representava, além de lucros bilionários, uma verdadeira cruzada cristã contra os muçulmanos antidemocráticos no Afeganistão e no Iraque.
A Blackwater chegou a ter entre seus executivos o nome de Cofer Black, um agente da CIA que organizou a Guerra ao Terror do governo Bush e deixou os cargos públicos em 2005 para oferecer sua inteligência ao setor privado americano. Atualmente, o papel político de Black é de consultoria de espionagem ao Partido Republicano, que perdeu as eleições para o candidato negro e democrata Barack Obama.
Fallujah
Uma emboscada de 2004 na cidade iraquiana de Fallujah simboliza o poder de ataque da Blackwater. Quatro mercenários mal preparados chamados Scott Helvenston, Jerko Zovko, Wesley Batalona, e Mike Teague foram baleados em seus veículos SUV, sem blindagem adicional. A cidade de Fallujah havia sofrido ataques recentes do exército e da própria Blackwater, o que exaltou os ânimos da população.
Perfurados por balas, os carros da Blackwater foram incendiados pelos manifestantes populares. Carbonizados, os mercenários foram esquartejados pela massa e partes de seus corpos foram penduradas na ponte principal da cidade. Tudo foi documentado e exibido no YouTube.
"Fallujah é o cemitério dos Estados Unidos", gritou o povo iraquiano, erguendo os corpos.
Para revidar a humilhação pública, a Blackwater mandou um efetivo pesado de homens e helicópteros para um ataque direto. Os mercenários assassinaram a sangue frio aproximadamente mil civis, incluindo mulheres e crianças. O clima de revolta iraquiana aumentou e perdura até os dias atuais, mas as táticas da Blackwater endureceram em igual medida, com o governo americano cobrindo todos os seus custos.
Familiares dos mercenários mortos em Fallujah tentaram processar a Blackwater pela falta de preparo, responsável em parte por suas mortes. A empresa não foi sequer acionada judicialmente, por conta de seu contrato especial com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, que impede que a companhia seja julgada numa corte do exército ou mesmo na justiça popular. A empresa de mercenários só pode sofrer sanções diretas do governo.
Blackwater hoje
Com a crise da economia americana e o endividamento das guerras, além da diminuição da presença estatal, a Blackwater aumentou seus recursos financeiros, empregou torturadores chilenos do antigo regime do ditador Augusto Pinochet, além de guerrilheiros colombianos e outros profissionais de diferentes camadas do globo. No entanto, mesmo com muito dinheiro, a Blackwater sofreu processos e foi obrigada a mudar de nome, para Academi.
Erik Prince buscou tirar seu nome dos negócios e se tornou um conselheiro de investidores chineses na África, segundo a imprensa local. Diferente do governo Bush, o presidente Barack Obama reduziu a presença de militares no Oriente Médio, além de ter assassinado Osama Bin Laden.
Mesmo assim, o atual governo democrata não removeu republicanos de postos-chave no Congresso, o que não diminuiu a privatização de setores do Estado, mantendo a crise financeira iniciada por Bush em suas guerras por lucros.
Membros da Academi e ex-integrantes da Blackwater forneceram treinamento para tropas anti-Bashar Al-Assad na Síria. Mercenários também estiveram envolvidos nos conflitos da Líbia. Estima-se que a empresa esteja presente em cada foco de conflito ou crise de segurança no Oriente Médio e na África, oferecendo soldados, transporte e suprimentos.
Há estudos de novas guerras com armas fabricadas com impressoras 3D e com drones voadores que substituiriam soldados humanos. O Partido Republicano e seus simpatizantes estão nesses projetos. Com a presença de conservadores teocons, é certo que a Blackwater terá sua participação caso o governo decida atacar países usando drones, num cenário muito parecido com a ficção de Hideo Kojima nos videogames, na saga Metal Gear.
Com a Blackwater, o negócio de mercenários evoluiu de tropas suplementares para o maior sistema de financiamento militar privado do mundo, com faturamento na casa dos 10 bilhões por empresa. E o primeiro a pagar a conta pela privatização do exército é a população americana, que financia os impostos e as taxas que são revertidos para os ganhos da empresa, através de contratos do Estado que deixou de atuar na área. Logo após, é todo o restante do mundo que paga a conta, sendo atacado por esses mercenários ou fornecendo mão-de-obra barata para aumentar a influência da Blackwater no mundo.