Por Pedro Zambarda
Originalmente escrito para o
Diário do Centro do Mundo (DCM)
Ainda lembro de dois barulhos de bombas na mesma rua, os outros três que ouvi na Consolação e do desespero das quatro mulheres que correram comigo até uma garagem de um sobrado que estava aberta na Rua Matias Aires. Era 19 hrs e ficamos escondidos ali por mais de meia hora, falando em voz baixa e com medo que a Tropa de Choque da PM invadisse o local.
Uma amiga minha conseguiu ter um azar pior. Conversávamos antes dos disparos de bala de borracha e das bombas de efeito moral. Sentíamos que o clima estava pesando quando vimos rapazes black blocs indo depredar um banco. Só não imaginávamos que a reação seria naquela proporção.
Ela fugiu para uma padaria na mesma rua, esquina da Matias com a Rua Augusta. O problema é que a polícia foi atrás e invadiu o local. E ela se escondeu atrás de uma geladeira, num local onde “jamais imaginou que caberia”.
Antes de correr para a padaria, minha amiga Cecília chegou a ver um PM apontando uma arma de bala de borracha contra seu rosto e teve uma bomba jogada próxima dos seus pés, mas conseguiu evitar o estouro se movimentando a tempo.
Minha história com o
protesto ocorrido no dia 9 de janeiro, contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô de R$ 3 para R$ 3,50, não aconteceu apenas quando fomos encurralados na Matias Aires. Começou algumas horas antes.
Eu cheguei uma hora antes do horário oficial dos protestos, às 16hrs. Conversei com integrantes do movimento Território Livre no Teatro Municipal e vi cartazes dizendo que às 17hrs ocorreria uma assembléia pública do Movimento Passe Livre para definir o percurso da mobilização. Aproveitei o tempo livre para descobrir onde estava a polícia e vi que tudo ainda estava muito vazio.
Às 16h30, vi que a lateral direita da prefeitura encheu de viaturas da Força Tática e da Tropa de Choque. Poucos guardas municipais estavam no local e um grupo menor de manifestantes estava montando cartazes por ali, separados da turma do Municipal.
Às 17hrs, os grupos de manifestantes se reuniram. Ao mesmo tempo, a PM girou com suas vitaduras para interditar a rua de acesso à prefeitura, lotando de carros. A Tropa de Choque chegou pela lateral e se fixou na frente das Casas Bahia, antigo Mappin. Na assembléia, a PM filmou a decisão dos manifestantes, ouviu toda a rota e conversou com algumas lideranças, informando que acompanharia a mobilização. Alguns oficiais do Choque possuíam câmeras GoPro presas no torso de suas armaduras “estilo RoboCop”.
Até um grupo de petistas protestava contra o prefeito Fernando Haddad, sem fazer alusão ao governador Geraldo Alckmin que era “homenageado” em outros cartazes. O grupo pequeno de filiados do PT, cerca de 10 pessoas, pedia revogamento da tarifa de ônibus. Um homem chamado Alexandre me explicou que eles são de fato militantes.
Às 17h30, a Polícia Militar cercou completamente o protesto. Achei que teríamos problemas para sair dali. Um senhor visivelmente bêbado começou a xingar as viaturas que impediam nosso deslocamento. “Estou aqui lutando pelos meus direitos e não por este Estado merda”, gritou, xingando os PMs na cara deles.
No mesmo local, um pouco adiante, o blogueiro do UOL Leonardo Sakamoto preenchia papéis. Tirei sarro no Facebook afirmando que ele estava recebendo autógrafos de fãs. “Não, estava só assinando a papelada de direitos de imagem que pedem em protestos”, ele me explicou, quando começamos a andar.
Não se via só bandeiras tradicionais, do PSOL, do PSTU, dos black blocs e do Movimento Passe Livre. Havia integrantes do RUA, um movimento anticapitalista, e até do Partido Pirata, que prega ciberativismo e estava fazendo streaming no local junto com outro grupo conhecido, o Mídia NINJA. Ou seja, a impressão que se tinha é que as Jornadas de Junho e 2013 aumentaram muito as vertentes de mobilizações que desejam a tarifa zero ou uma redução drástica dos custos em transporte público.
A massa de pessoas aumentou de cerca de mil para cinco mil a medida que contornamos o Teatro Municipal e pegamos as ruas em direção à Ipiranga. De lá, o protesto estava determinado a tomar a Consolação. Fraquejamos num momento, no cruzamento da São Luís, quando a PM tentou conter o avanço. Um princípio de confusão começou entre black blocs e o cordão de isolamento da polícia, mas foi suprimido. A Tropa de Choque deixou o povo avançar e os manifestantes formaram seu próprio cordão de união, enquanto gritavam e pulavam mesmo num calor de cerca de 35 graus. “Mais um aumento eu não aguento!”.
Subimos a Consolação com relativa calma no começo. O protesto tomou a pista em direção à Avenida Paulista. Progressivamente, a massa tomou a via na contramão. O problema é que, conforme expandíamos de tamanho, as pessoas ficavam cada vez mais dispersas e menos concentradas. Os blocs então assumiram a dianteira.
Começaram então palavras de ordem contra a PM. “Tem que ser dismilitarizada! Fascistas! Fascistões!”.
O clima começou a pesar cada vez mais. Os blocs então correram ainda mais à frente e depredaram uma agência bancária. O Choque não perdoou essa e contraatacou. Eu estava com Cecília naquele instante.
Perto dali, vi a jornalista Eliane Brum entrevistando um homem de rua sobre as impressões dele sobre o protesto.
Foi neste momento, da ponta da Consolação até a Rua Matias Aires, que nós fomos encurralados com três bombas de efeito moral. Quem ficou na avenida ainda teve que topar com balas de borracha.
Eu corri e entrei na primeira porta aberta que vi na Matias. Era uma garagem e eu estava com quatro mulheres e um homem que eu sequer conhecia. Ficamos escondidos agachados atrás de um carro e em silêncio. Ouvi mais duas bombas na rua, sendo uma delas ao lado da casa. Chequei no Twitter e vi que estávamos sendo perseguidos e presos, independente de ser black bloc ou não.
Ficamos mais de meia hora juntos e não esquecerei do pânico daquelas pessoas naquele protesto.
Os donos da casa foram conversar conosco. Eram evangélicos e iam começar o culto poucos minutos depois, quando foram interrompidos pelo ataque da PM. Nos ofereceram água assim que nos sentimos mais à vontade.
Eu fui olhar pela janela. Quando vi que o Choque havia saído dos bares e estava conversando com a imprensa, decidi que talvez fosse o momento de sair. Estava certo. Perguntei cordialmente a um PM como eu deveria sair dali. Ele, percebendo que eu estava no protesto, respeitosamente não respondeu minha pergunta. E pediu água mineral para o mesmo dono da residência onde eu estava.
Pensei em ir embora, mas acabei pensando em fazer uma rota segura. Subi pela Bela Cintra até a Paulista. De lá eu vi as pessoas sendo detidas pelo Choque e pela Cavalaria da Polícia Militar que blindaram a Paulista. O objetivo era que não chegássemos até ali.
O blindado que o governo estadual divulgou que atiraria água em manifestantes foi visto circulando e transportando policiais da Tropa de Choque, mas não atirou jatos na população. O protesto chegou perto do Center 3,com black blocs avançando em algumas poucas agências bancárias, mas foi contido.
Eu fui andando à frente e vi uma Avenida Paulista dividida. Até o Masp, tudo estava fechado e as pessoas estavam com medo do quebra-quebra. Mais adiante, a vida estava normal, os trabalhadores bebiam sua cervejinha e donos de cães passeavam.
Cinco viaturas protegiam uma agência do banco HSBC. A Polícia Militar ocupou a Paulista e dava voltas de carro.
Os números da manifestação são confusos, mas o Movimento Passe Livre disse que haviam 30 mil pessoas. Eu chuto em torno de 15 mil e a PM diz que haviam 5 mil. Cerca de 50 pessoas foram presas. O fato é que, conforme éramos encurralados, o movimento perdeu completamente sua força e repetiu as primeiras mobilizações de 2013, quando boa parte dos ricos e da classe média não dava a devida atenção.
2015, pelo visto, promete ser outro ano de protestos pesados contra os governos brasileiros.
Em 2013, o
colunista Elio Gaspari foi aos protestos e descreveu na Folha que a batalha da Polícia Militar começou na Maria Antonia, local conhecido pela luta entre estudantes do Mackenzie e da USP durante a ditadura. Eu sinto que outro momento histórico aconteceu quando fomos encurralados há poucos metros do mesmo local, na Rua Matias Aires.
E vou lembrar das pessoas que sentiram medo comigo. É dose ouvir bomba de efeito moral bem de perto e ser obrigado a se esconder atrás de um carro.