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segunda-feira, 2 de março de 2015

Eu me arrependo de quem eu votei em 2014 para presidente?

Por Pedro Zambarda

Votei na Dilma Rousseff nos dois turnos na eleição passada. Não sou petista e nunca fui filiado a partido nenhum. Cheguei a votar em Marina Silva em 2010. Já anulei votos. Me arrependo do meu voto na presidente pelos ministérios e pela condução econômica. Não me arrependo se a opção fosse Aécio Neves, considerando as acusações pesadas de corrupção de seus aliados, como é o caso de José Agripino Maia do DEM.


Tenho amigos tucanos e tenho amigos que votaram em Aécio Neves por razões que considero justas. Respeito é bom e todo mundo gosta.

Não sou de esquerda, por mais que amigos tentem me convencer do contrário. Tenho forte simpatia com a esquerda dos meus tempos de grêmio na escola, mas mantive uma militância apartidária - e simpática aos partidos. E aumentei minha simpatia pela esquerda após a crise americana de 2008, fora a crise européia. Conheço teses liberais e apoio a livre iniciativa. O problema é que o capitalismo conservador caminha pra formação de oligopólios e isso é tudo, menos um sistema econômico saudável.

Digo tudo isso pra expressar: Se você culpa petistas ou pessoas de esquerda pela crise no Brasil, você só contribui para aumentar o problema. A grande maioria dos escândalos de corrupção no país é formado por conluios empresariais que abastecem políticos e impedem o progresso para atender demandas particulares.

Mesmo se a gente tivesse eleito Jesus Cristo pro cargo de presidente do país, ele seria trapaceado por um congresso comprado e com uma população leniente. São pessoas que se assustam com vidraça de banco quebrada num protesto e não entendem o que é uma formação de cartel corporativo.

Votei na urna sabendo do escândalo da operação Lava Jato que se aprofundava na Petrobras, das alianças do PT com o PMDB ao longo de mais de 10 anos e da precariedade de Dilma em falar em público, pois encontrei ela pessoalmente pelo menos duas vezes cobrindo eleições. Mas lembrei do escândalo do Helicoca de Aécio Neves em Minas Gerais, da Sabesp e Geraldo Alckmin em São Paulo, além do cartel de trens e metrôs do conluio Alstom-Siemens que une alguns dos principais nomes do PSDB.

Votei consciente e não tenho culpa nenhuma caso o governo federal se prejudique na condução de sua gestão. Quem vai sofrer não são os petistas "burros" que votaram em Dilma Rousseff. Seremos todos nós. Estamos dentro do mesmo barco e no mesmo processo político. Não ganhamos nada pensando em separar as pessoas em blocos A ou B.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O antipetismo fervoroso somado com preconceitos criaram as eleições de baixo nível

Por Pedro Zambarda


Dilma Rousseff estava virtualmente reeleita ontem, às 20hrs, e eu profetizei no Facebook: "Vai ter gente xingando os nordestinos e os pobres e virando notícia". Minutos depois, surgiram as primeiras reportagens em portais de notícia relatando episódios pitorescos de preconceito, racismo e xenofobia regional, sobretudo de paulistas e habitantes do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Diziam-se todos eleitores do tucano Aécio Neves e decepcionados com o Partido dos Trabalhadores (PT) chegar ao seu quarto mandato, mesmo que tenha sido após uma eleição apertada e com um governo, no mínimo, controverso.

O segundo turno entre Dilma e Aécio foi uma disputa clássica entre a esquerda e a direita nas urnas, embora nenhum dos dois proponha economia planificada nos moldes soviéticos e nem o neoliberalismo de Margaret Thatcher do Reino Unido. Pelo menos não de acordo com os planos de governo.

Dilma quer dar continuidade aos programas sociais e precisa restaurar o relacionamento com os empresários, com a indústria e com o setor privado em geral. Aécio tinha o apoio dos empresários, mas tentou flertar com os programas sociais para não ter apenas esse apoio. O que aconteceu foi justamente isso: Uma eleição acirrada por causa de programas muito parecidos, pouco inovadores ou mesmo radicais.

Há de se analisar os votos por estados e por regiões. Dilma Rousseff não venceu só no nordeste. Venceu nas regiões nordeste, norte e nos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Ainda levou um percentual que variou entre 30% e 40% nos sulistas.

Aécio Neves levou votos de brasileiros que estavam no exterior. E foi maioria no sudeste e no sul. Foi minoritário no nordeste e no norte, mas também teve seus percentuais similares aos de Dilma em São Paulo.

O Brasil não está dividido. O Brasil é complexo, grande e comporta todas as suas contradições, sobretudo em período eleitoral.

Os escândalos de cada candidato são pauta para outro texto. Mas justamente o jornalismo que apurou irregularidades causou um efeito nefasto para a política brasileira: O antipetismo.

Não há uma reação de petistas a ponto de criar um antitucanismo, uma seita anti-PSDB. Os petistas tem orgulho dos programas sociais que, de fato, levaram milhares para fora da linha da pobreza e da miséria. O PT nunca foi bem representado pela imprensa mais alinhada ao PSDB, sempre foi criticado e, pasmém, continua financiando essa mídia.

Mas vamos nos ater ao antipetismo.

O pior das eleições foi protagonizado pelos antipetistas. São eleitores que, acima de tudo, odeiam os últimos 12 anos do PT no governo federal querem tirar o partido do poder, não eleger uma alternativa legítima. São pessoas que, neste momento, não aceitam que eleições podem ser perdidas.

A própria Dilma temia perder as eleições, dado alguns exageros de sua campanha.

O antipetismo acredita em "ditadura comunista", mesmo que os governos Dilma e Lula tenham falado tanto com Cuba e Irã quanto com os Estados Unidos de George W. Bush e a Alemanha de Angela Merkel.

O antipetismo não vê nada de errado em ter como analista político um cantor controverso como Lobão, que mostra a cada dia um desconhecimento de ciência política mais explícito.

O antipetismo aplaude a truculência de Roger, cantor do Ultraje a Rigor. Roger pode militar para quem ele bem entende, inclusive para Aécio Neves. O que ele não pode é insultar pessoas no Twitter que sequer disseram que iriam votar em Dilma, como ele fez incontáveis vezes.

Eu mesmo bati boca com Roger e, na época, não achei que iria votar em Dilma Rousseff. Roger fez questão de me bloquear, sem sequer ouvir a minha opinião crítica sobre o escândalo do metrô do PSDB que ele nunca citou em seu Twitter.

O antipetismo caiu em argumentos furados e de baixo nível. Isso é o combustível para atrair preconceito contra nordestinos. Odiar nordestinos é um passo para odiar negros. Odiar negros também é um bom aval para desprezar minorias como gays e transsexuais. Esse caldo soma-se ao preconceito clássico contra pobres, sendo que você não precisa ser necessariamente rico.

Alguns desses antipetistas agora cogitam fazer mobilizações pelo impeachment de Dilma Rousseff em seu segundo mandato. Utilizam um discurso separatista, para selecionar os estados que não votaram no PT e criar um novo país. Não sabem que esses processos gerariam guerra e sofrimento para as pessoas que convivem com eles.

Antipetistas são antidemocráticos por excelência. E a imprensa peca feio ao alimentar esse sentimento.

As críticas ao PT são sadias quando feitas de maneira sóbria e sem preconceitos, tanto por parte dos eleitores de Aécio Neves quanto pelo de Dilma Rousseff. Também são válidas por partidários mais à esquerda ou mesmo liberais mais extremos. No entanto, o que se formou na última década na política nacional foi a corrente do antipetismo.

O antipetismo é alimentado diariamente na mídia, por meio de colunistas que criaram a tese de que o PT quer se perpetuar no governo e que nada de bom foi feito nos últimos anos por este partido. O Bolsa Família, o Brasil fora do Mapa Mundial da Fome, o Mais Médicos, o Ciência sem Fronteiras, o Pronatec e diversos outros programas que ajudaram o país são sumariamente descartados por essas pessoas.

Não há sequer uma leitura crítica.

O antipetismo não é eleitor de Aécio Neves, necessariamente. Para o anti, qualquer coisa é melhor do que mais quatro anos de PT no poder.

Esse movimento cresceu graças ao preconceito entre as altas classes sociais com os mais pobres, sobretudo com uma vitória de um partido tradicional da esquerda brasileira em 2002. No entanto, há antipetistas com as mais diversas rendas nos dias atuais, porque a mídia massificou a mensagem de que o partido de Lula e Dilma deu um golpe para permanecer no poder, ignorando os votos de diversas pessoas que não enxergavam nem José Serra e nem Geraldo Alckmin como opções nos últimos 12 anos. E, certamente, não consideraram Aécio Neves um bom candidato agora.

Não há problemas em criticar o PT e nem em não votar no partido, mas é realmente lamentável ver os argumentos rasos quando os antipetistas são confrontados por reportagens sérias que mostram corrupção no PSDB e na oposição política ao governo federal. A ideia desse material jornalístico não é mostrar que "todos os políticos são corruptos", mas são informações que devem ser consideradas por qualquer um na hora de decidir na urna e na hora de acompanhar um governo.

Foram os eleitores “esclarecidos” de São Paulo que reelegeram Geraldo Alckmin governador do estado em primeiro turno, perpetuando o PSDB na região por 24 anos. O tucano quebrou o orçamento da maior universidade brasileira, a USP, colocou a Polícia Militar contra os professores em protestos, desalojou pessoas miseráveis no centro da capital paulistana e agora está acabando com a reserva de água da Cantareira, abastecida pela Sabesp, o que pode criar um racionamento sem precedentes no estado, como já ocorre em cidades como Itu.

Em 12 anos de governos do PT, a direita perdeu a oportunidade de fazer uma candidatura mais propositiva e com menos apelo às acusações de corrupção. O único efeito colateral dessa opção foi ter criado uma massa antipetista, com ajuda da grande mídia nacional.

O maior desafio do PSDB nestes próximos quatro anos não será derrotar o PT nas urnas em 2018, mas refazer a base eleitoral de seu partido. Do caso contrário, entusiastas do separatismo, da Ditadura Militar, do preconceito regional e racial serão os apoiadores de seus candidatos. Ou seja, o antipetismo mais apaixonado.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Nível do Cantareira tem nova queda e registra 7,4% em SP

Por Fernanda Cruz, da Agência Brasil

O nível nos reservatórios do Sistema Cantareira segue em queda e atingiu hoje (25) 7,4% de sua capacidade de armazenamento, segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Há um ano, o volume armazenado era 41,6%.


A Agência Nacional de Águas (ANA) informou, hoje de manhã, que ainda não recebeu o Plano Operacional dos Reservatórios, que deveria ser entregue pela Sabesp. O estudo é exigido para que a companhia seja autorizada a utilizar a segunda cota da reserva técnica do Cantareira, o chamado volume morto, que introduziria 106 bilhões de litros de água ao sistema. A Sabesp tem até sábado (27) para enviar o documento.

De acordo com a companhia, a obra para captação da segunda cota, que foi autorizada pelas agências reguladoras, está em andamento, mas só será usada se houver necessidade. Mesmo que não haja chuva, o abastecimento se sustenta até março de 2015, quando é retomada a estação chuvosa, garante a companhia.

O Cantareira, que fornece água para 9 milhões de pessoas na Grande São Paulo e para as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, sofre a maior falta de chuva de sua história. Em maio, teve início o uso da reserva técnica, que acrescentou 182,5 bilhões de litros de água, o equivalente a 18,5%, do volume total do sistema. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Presidente do Metrô de São Paulo admite existência de cartel

Por Elaine Patricia Cruz.
Da Agência Brasil, por Creative Commons.


O presidente do Metrô de São Paulo, Luiz Antonio Carvalho Pacheco, que assumiu o cargo há pouco mais de dois meses, admitiu hoje (4) a existência de cartel (acordo ilegal, firmado entre empresas para evitar a concorrência e elevar preços de produtos e serviços) e falou que não teve interesse em ler as denúncias sobre o Metrô. “Nunca tive acesso a essa documentação. E não tive curiosidade”, disse Pacheco, acrescentando que a documentação envolvendo o Metrô tem 1,6 mil páginas.

Pacheco fez a declaração a deputados das comissões de Infraestrutura e de Comissão de Transportes e Comunicações da Assembleia Legislativa de São Paulo que o ouviram sobre as denúncias de formação de cartel, superfaturamento e pagamento de propina a agentes públicos que envolvem o Metrô.

De acordo com o presidente, o cartel que foi formado durante as licitações de obras no Metrô é internacional. “Toda a área metroviária é uma área muito fechada. São poucas empresas”, disse. Segundo ele, a indústria ferroviária no país só foi formada há pouco tempo e, até então, quaisquer informações que chegavam sobre infraestrutura ferroviária era fornecida pelas mesmas empresas que formavam o cartel. “Se elas, por ventura, estivessem organizadas na forma de um cartel internacional, as informações que nos chegam são as informações que elas têm. Não existia outro parâmetro para que o Metrô ou a CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos] pudessem ter informações”.

Segundo Pacheco, o parâmetro só começou a mudar quando as empresas coreanas, chinesas e espanholas começaram a entrar no mercado brasileiro – o que, de acordo com ele, fizeram com que os preços caíssem.

Além de admitir a existência de cartel, Pacheco também admitiu que as empresas vencedoras de contratos do Metrô tenham subcontratado as empresas que saíram derrotadas das licitações. “No contrato específico da Linha 2-Verde, as empresas que perderam os contratos foram subcontratadas. Isso é público”, disse. Ele criticou os aditamentos (acréscimos ou alterações) que são feitos aos contratos, como os que ocorreram em vários dos contratos que foram firmados pela companhia. “Infelizmente, isso ocorre em contratos de forma geral. Mas isso é uma praga. Não sei o que levou a esses aditamentos”.

De acordo com Pacheco, a providência tomada pela companhia foi aprovar, por meio da diretoria, que em todas as licitações a partir de agora seja proibido subcontratar empresas que tenham participado do processo licitatório. O governo paulista, de acordo com ele, também entrou com uma ação judicial contra a Siemens pedindo o ressarcimento dos valores que foram desviados com as licitações. Pacheco também disse que os contratos são atualmente objeto de investigação dos órgãos competentes, tais como Ministério Público, Polícia Federal, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a corregedoria e a procuradoria do governo estadual.

Segundo Pacheco, a companhia mantém hoje quatro contratos em andamento com a Siemens que estão sob investigação. Um deles, que se refere a uma licitação de sistema de sinalização de trens e controle de alimentação elétrica para a Linha 2-Verde do Metrô, está sendo investigado pelo Cade. O contrato, segundo ele, foi homologado em abril de 2005. “É um contrato no valor de R$ 143,6 milhões. Ele foi executado e hoje tem uma pendência de entrega de alguns equipamentos sobressalentes e existe uma retenção de um saldo a pagar no valor R$ 1,2 milhão”, disse. No mesmo contrato, explicou, houve aditivos para aumentar o prazo e também para acréscimo no valor do contrato da ordem de R$ 18 milhões.

Os demais três contratos do Metrô com a Siemens, segundo o presidente do Metrô, se referem à modernização de 25 trens, estabelecido em R$ 466 milhões, que ainda está em fase de execução; à instalação de dez subestações (duas delas entregues) e do pátio de manobra da Linha 1-Azul, de R$ 76 milhões, também em fase de execução; e, por último, de fornecimento e implantação de um sistema de alimentação elétrica auxiliar nas estações Vila Prudente e Oratório, estipulado em R$ 88 milhões, assinado em agosto de 2012.

A audiência com o presidente do Metrô foi bastante tumultuada. Teve início às 14h30 e terminou por volta das 19h10. O debate foi praticamente todo concentrado entre os deputados do PT (oposição) e do PSDB (situação), que chegaram a discutir aos gritos. O pedido de que fossem feitas cópias de documentos que foram apresentados pelo presidente do Metrô gerou mais tempo de discussão entre os deputados do que o tempo que foi destinado para que ele explicasse sobre as irregularidades.

Os deputados de oposição ao governo paulista tentam implantar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as denúncias de irregularidades no Metrô. Até o momento, a oposição conseguiu obter 27 das 32 assinaturas necessárias para a abertura da CPI. A maioria dos deputados da Alesp é aliada ao governo paulista.

O deputado estadual João Caramez, do PSDB, avalia que não é o momento para que uma CPI seja aberta na Casa. “Nós, da situação, achamos que não é o momento porque [o caso] está sendo investigado e não temos elementos suficientes para poder fazer arguições”, disse.

De acordo com Caramez, os deputados da base do governo paulista não são contra a investigação. “Somos a favor [das investigações]. Se houve qualquer conluio, de algum agente público, com certeza, será punido”, falou. Para ele, a Alesp está cumprindo o seu papel por meio das comissões permanentes que têm convocado ou convidado pessoas para falarem sobre o caso, embora estas não tenham o mesmo poder da CPI.

O presidente da Comissão de Infraestrutura da Alesp, o deputado Alencar Santana Braga (PT), defende a criação de uma CPI na Casa. “O poder de investigação é por meio de uma CPI. A comissão [permanente] pode fazer determinada apuração e acompanhamento, mas não tem o poder de investigação das autoridades policiais como a CPI tem”, disse.

Para o deputado petista, a CPI deveria ser instaurada já. “Se este não é o momento, qual é o momento? Se está mais do que latente as denúncias e se o próprio presidente do Metrô assume que o cartel existiu, qual o momento melhor? Quem fala o contrário, de fato não quer investigar”, disse Santana.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Errata: Dois repórteres e o escândalo do Tucanoduto

Da Agência Pública, por Creative Commons.


Parte das informações divulgadas na carta do ex-executivo da Siemens foram publicadas por Gilberto Nascimento na Carta Capital em 2009.

Por uma falha de edição, a Pública cometeu uma omissão na matéria “O repórter que descobriu o whistleblower da Siemens”. Parte das denúncias contidas na carta do ex-executivo – sobre o cartel e o esquema de corrupção no metrô de São Paulo, envolvendo o governo estadual – já haviam sido publicadas pelo repórter Gilberto Nascimento na revista Carta Capital, em 2009.

A carta, porém, só foi publicada na íntegra em maio de 2012, em trabalho assinado por Bryan Gibel no site da UC-Berkeley, assim como a entrevista com a fonte.

O repórter Bryan Gibel cita que procurou a bancada legislativa do PT em São Paulo depois de conversar com jornalistas brasileiros; através do partido, chegou ao whistleblower, como relata na reportagem publicada em nosso site. Em comunicação com a Pública, ele confirmou ter conversado com o repórter Gilberto Nascimento após a leitura da matéria, que o ajudou, mas ele só chegou à fonte depois de frequentar por semanas a Assembleia Legislativa de SP.

Nascimento, porém, considera “uma inverdade” dizer que Gibel “descobriu” o whistleblower da Siemens. “Eu dei as dicas para ele (Bryan) porque ele estava fazendo uma trabalho de mestrado, não era concorrente, e não publiquei a carta inteira porque achei que não fazia sentido publicar anônimamente”, explica Gilberto.

O trabalho de mestrado, realizado por Bryan Gibel na UC-Berkeley, é, na verdade, também uma reportagem, uma vez que o encerramento do curso dirigido pelo jornalista investigativo Lowell Bergman, exige uma matéria jornalística, em vez da tradicional dissertação de mestrado, em sua conclusão. Gibel e Bergman também checaram na Siemens, à época, se a empresa havia recebido a carta, como ele explica na reportagem da Pública. Por isso, tinham as garantias de autenticidade do documento que faltava à época da matéria de Gilberto Nascimento na Carta Capital.

“A minha tese é fruto de mais de dois anos de investigação jornalística que eu fiz como parte do Programa de Jornalismo Investigativo na Universidade de Berkeley, sob a supervisão dos jornalistas da universidade. Ela foi retirada do site da universidade na semana passada por questões de privacidade de algumas das fontes mencionadas”, diz Bryan.

Confiante na boa-fé dos envolvidos, a Pública se desculpa por ter trazido polêmica para um assunto tão caro aos jornalistas: o “furo”. Reiteramos que todas as informações da reportagem de Bryan Gibel continuam corretas, tendo havido um equívoco de nossa autoria no olho (resumo) da reportagem, já corrigido por nós.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Escândalo do Metrô de São Paulo: O repórter que descobriu o whistleblower

Por Bryan Gibel.
Da Agência Pública, por Creative Commons.

Há três anos, o jornalista Bryan Gibel veio de Berkeley para investigar a corrupção no metrô de São Paulo, conhecida pelo nome de Tucanoduto (dado principalmente pela revista IstoÉ); foi ele quem publicou pela primeira vez a carta, que apareceu agora na imprensa brasileira, e entrevistou o ex-executivo que revelou o escândalo

Whitleblower é um termo em inglês para a palavra em português denunciante

Origem do escândalo do metrô de São Paulo

Em um dia frio e nublado em São Paulo, entrei em um escritório bagunçado, escondido nos meandros da Assembléia Legislativa, e me vi diante do ex-executivo da Siemens que há mais de um mês eu tentava localizar.

Dois anos antes, esse homem de identidade sigilosa havia entregue a deputados do PT documentos que descreviam minuciosamente como dois dos maiores conglomerados europeus – a francesa Alstom e a alemã Siemens – tinham distribuído propinas por mais de uma década para conseguir contratos de construção e operação das linhas de metrô e do sistema de trens da região metropolitana de São Paulo. Os documentos tinham sido enviados pelo PT, em agosto de 2008, ao Ministério Público de São Paulo, que já participava de uma investigação sobre a Alstom a convite de autoridades suíças.

Depois que me apresentei, ele disse que eu era o primeiro repórter com quem falava sobre Alstom e Siemens, e que me daria a entrevista com a condição de manter o anonimato, porque temia por sua segurança. Também me entregou cópias de duas cartas escritas por ele, relatando, em detalhes, como Siemens, Alstom e outras companhias multinacionais no Brasil haviam pago propinas e formado cartéis ilegais para ganhar contratos públicos de milhões de dólares  em São Paulo e Brasília. Contratos e documentos sustentavam a denúncia, e nomeavam os políticos e funcionários públicos que, segundo ele, tinham recebido dinheiro – havia até informações bancárias sobre os pagamentos ilícitos.
Hoje, passados mais de 3 anos, aquele encontro ganhou um novo significado. Em maio deste ano, as investigações sobre corrupção que até então envolviam a Alstom culminaram em um grande escândalo no Brasil depois que, em troca de imunidade, a Siemens e seus executivos passaram a colaborar com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, dando depoimentos e entregando documentos que indicam que a Siemens e mais de 20 pessoas pagaram propinas e formaram cartéis ilegais para ganhar contratos do governos do Estado de São Paulo e do Distrito Federal de quase 2 bilhões de reais.
As cartas e documentos que o ex-executivo da Siemens me entregou em São Paulo retratavam esse quadro de distribuição de propinas e corrupção em larga escala no setor metroferroviário brasileiro. Muito do que está sendo dito no CADE já havia sido relatado por aquele ex-executivo à direção da Siemens, assim como a conexão com o escândalo da Alstom, investigado desde 2008, e que no mesmo agosto deste ano, resultou no indiciamento de dez pessoas, entre elas dois ex-secretários de Estado do PSDB de São Paulo (http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/caso-alstom-pf-ve-pagamentos-de-propina-e-indicia-10)

Investigando a corrupção, a mais de 6 mil milhas de casa

O caminho que acabou por me levar a essa valiosa fonte havia começado 10 meses antes, no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley, a mais de 6 mil milhas de São Paulo. Fluente em português, fiquei empolgado quando um professor me falou sobre seu interesse em investigar um escândalo de corrupção no Brasil, envolvendo centenas de milhares de dólares.

Desde 2008, a Justiça e a polícia na Suíça, França e, de forma mais pontual, na Inglaterra e nos Estados Unidos, tinham aberto investigações sobre o esquema de propinas da Alstom ao redor do mundo. Parte das investigações feitas na Suíça envolviam o Brasil e, depois de avisados pelos suíços, membros do Ministério Público de São Paulo também começaram a apurar pagamentos suspeitos feitos pela companhia, associados a contratos para fabricar, instalar trens, sistemas de sinalização e vagões do metrô na região metropolitana.

Depois de uma semana de pesquisa e conversa com jornalistas brasileiros, decidi procurar os membros do PT na Assembléia, que há dois anos tentavam abrir uma CPI para investigar o caso, bloqueada pela maioria governista (o PSDB, partido do atual governador paulista, está há 18 anos no poder no Estado).

Nem telefonei antes. Preferi me apresentar pessoalmente e peguei o metrô, embarcando em um vagão novinho com o logotipo da Alstom em todas as janelas. Tive que fazer duas baldeações e andar 1 km para pegar um ônibus para a Assembléia, o que resultou em uma viagem de duas horas. O que não é uma experiência rara para os usuários do precário sistema de transporte público de São Paulo.

Encontrei a assessora de comunicação do PT no hall do imponente prédio da Assembléia. Tomamos um café juntos e eu perguntei sobre o caso Alstom. Ela disse que seria melhor conversar com um dos deputados, o que teria que ser agendado, mas, enquanto isso, disse, ela poderia me entregar a cópia de um dossiê organizado pelo PT sobre o caso. Recebi o calhamaço com centenas de páginas de documentos presos por grampos. Não tive nem que tirar xerox.

O dossiê incluía contratos, relatórios policiais, dados estatísticos e uma coleção de matérias publicadas na imprensa brasileira. As informações indicavam que, entre 1989 e 2007, a Alstom e suas consorciadas ganharam pelo menos 139 contratos no valor de 7,6 bilhões de reais do governo  do Estado de São Paulo. Quase todos os contratos eram referentes ao metrô de São Paulo e à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Do total, quase 1,4 bilhão de reais se referiam a contratos considerados irregulares pelo Tribunal de Contas, de acordo com o dossiê.

Parte das informações já eram de conhecimento público. Em maio de 2008, a polícia suíça marcou uma reunião com membros do Ministério Público de São Paulo para falar sobre pagamentos de US$ 6,8 milhões que teriam sido usados como propinas para ganhar um contrato de US$ 45 milhões do metrô, de acordo com matéria do Wall Street Journal. Entre os documentos obtidos pelo repórter, alguns se referiam a aditivos de 110 milhões de reais, de 1998, que prolongavam a validade de um contrato assinado 15 anos antes.

Um memorando timbrado de 1997 a respeito desse contrato dizia bastante sobre o esquema. Nele, Bernard Metz, então executivo da Alstom informava a um colega que companhia pagaria 7,5% de propina pelo contrato a um indivíduo com as iniciais R.M. “É um pagamento para o governo local”, Metz escreveu em francês. “Está sendo negociado por um ex-secretário do governador”.

De acordo com as investigações policiais, esse ex-secretário era Robson Marinho, chefe de gabinete do governo Covas entre 1995 e 1997.  Marinho, que depois se tornou conselheiro do Tribunal de Contas Estadual, o órgão de auditoria das contas públicas de São Paulo, muitas vezes deu o voto decisivo para aprovar a legalidade de contratos da Alstom hoje investigados. Ele chegou a admitir que assistiu a Copa do Mundo de 1998 em Paris às custas da Alstom – embora seja um homem próspero, dono de uma ilha no Rio de Janeiro e de um prédio de oito andares em um bairro nobre em São Paulo.

Em junho de 2009, as autoridades suíças bloquearam uma conta de Marinho sob suspeita de que tivesse sido usada pela Alstom para pagar propinas via depósitos offshore. No mês seguinte, o Ministério Público de São Paulo fez o mesmo com as contas bancárias de Marinho e de mais 18 suspeitos.

Outros documentos que obtive em São Paulo revelavam mais sobre o esquema atribuído a Alstom. Em depoimento juramentado ao MPE, em 2008, Romeu Pinto Júnior, suspeito de lavagem de dinheiro, disse que um ex-executivo da Alstom chamado Philip Jaffre, já falecido, havia montado várias companhias offshore no Uruguai e nas Ilhas Virgens para fazer circular secretamente os recursos da companhia que seriam pagos a políticos brasileiros. Os políticos recebiam em dinheiro, em encontros em restaurantes.

Em depoimento da mesma época, outro suspeito de lavagem de dinheiro, Luís Filipe Malhão e Sousa, disse ter usado várias empresas para distribuir as propinas da Alstom e lavado dinheiro através de vários bancos em Nova York. Mais de um milhão de dólares foram transferidos pelas empresas de Sousa nessas transações entre 1998 e 2002.

Em agosto de 2008, segundo documentos oficiais, pelo menos dez contratos da Alstom estavam sendo investigados pelo Ministério Público de São Paulo. Mas as tentativas do PT de abrir uma CPI continuavam sem obter os votos necessários na Assembléia.

Boa hora para um encontro rápido de muitas consequências

Enquanto rastreava o ex-executivo da Siemens, fui muitas vezes a Assembléia para conversar com deputados e assessores legislativos sobre os documentos compilados no dossiê. Em uma dessas visitas, ao entrar no departamento de pesquisas do PT, escondido em um canto da Assembléia, um homem magro, com alguns cabelos grisalhos disfarçando a careca, me disse, entusiasmado, que eu tinha chegado em boa hora. “Tem alguém aqui que eu quero que você conheça”. E saiu. Voltou pouco depois para me conduzir até uma sala de reuniões com uma mesa grande. Ali estava sentado um homem de olhar intenso, que me observava silenciosamente.

Depois de breves apresentações, ficou claro que o homem com quem eu estava falando era o ex-executivo da Siemens que eu procurava, com informações de primeira mão sobre a Alstom, Siemens e outras empresas que atuam no setor metroferroviário de São Paulo.

Contei-lhe o que já havia descoberto em minhas investigações sobre as acusações à Alstom. Do outro lado da mesa, ele me olhou e assentiu com a cabeça.  Após uma conversa rápida, off the record, ele me disse: “Infelizmente você me pegou em um momento ruim, tenho que ir embora”. Antes de sair, porém, ele pegou uma pilha de papéis grampeados e me entregou. “Você é uma das pouquíssimas pessoas a ver isso”, disse. “Acho que vai achar interessante.”

Pedi mas não obtive seu contato e ele saiu rapidamente da sala, dizendo que eu poderia achá-lo através de meus conhecidos na Assembléia. Peguei um táxi e corri para casa para olhar os documentos.

Duas cartas e muitas revelações sobre o que se tornaria um escândalo

O primeiro era uma carta escrita em inglês endereçada ao Dr. Hans-Otto Jordan, em Nuremberg, Alemanha, em junho de 2008. Jordan, eu saberia depois, era o ombudsman da Siemens – um advogado contratado pela companhia para ouvir os empregados que quisessem fazer denúncias sobre práticas inapropriadas de negócios na companhia.

Na carta de oito páginas, o ex-executivo fornecia informações e documentos que compunham o que ele chamava “As práticas ilegais do presente e do passado da Siemens no Brasil”. E focava três contratos do setor de transportes metropolitanos com o cuidado de destacar que o mesmo esquema também era muito utilizado pelas divisões de equipamentos médicos e de energia da Siemens.

A primeira coisa que me chamou a atenção na carta foi o nível de detalhes sobre os casos relatados. Para cada contrato discutido, a fonte nomeava as companhias envolvidas, dizia os valores e a quem as propinas haviam sido pagas, nomeando os funcionários de alto escalão do governo de São Paulo e do Distrito Federal que receberam o suborno.

Dois dos três contratos denunciados eram acordos para expandir o sistema metropolitano de trens. O primeiro era um contrato de 288 milhões de dólares, assinado em 2000, para ligar uma linha de trem – a G da CPTM – à linha 5 do metrô, a linha lilás, com apenas cinco paradas, que vai do Largo Treze ao Capão Redondo, no extremo da zona Sul de São Paulo.

Quase dois terços desse dinheiro vinha do governo de São Paulo; o resto tinha sido financiado pelo BID de acordo com os registros oficiais. Esse contrato, anexo à carta do executivo, tinha sido dividido entre várias companhias, incluindo a Alstom, a Siemens, a Daimler Chysler, a grande companhia espanhola CAF e vários pequenos parceiros e subcontratados.

Para garantir o contrato, a Alstom havia costurado um acordo com as outras companhias para oferecer preço inferior ao dos concorrentes na licitação da nova linha de metrô, segundo o ex-executivo. Depois, dividiriam o bolo. Cada uma das empresas pagaria uma parte das propinas aos funcionários do governo estadual, correspondentes a 7,5% do valor do contrato, segundo a carta.

Siemens e Alstom camuflavam o dinheiro das propinas através de duas companhias no Uruguai - Leraway Consulting e Gantown Consulting-, e duas brasileiras, Procint e Constech, de propriedade de Arthur e Sergio Teixeira, segundo a carta. Os recursos eram então transferidos para o Brasil onde as propinas eram pagas em dinheiro vivo.  Os documentos dos contratos com as firmas uruguaias, assinados pela Siemens em Munique em abril de 2000, também foram anexados.

O próximo grupo de documentos se referia a contratos com o governo estadual para fabricar e colocar em operação dez trens comprados pela CPTM. Em 1997, a Siemens ganhou um contrato no valor de 103 milhões de marcos alemães para vender dez trens para a CPTM. Pelo acordo, a companhia dividiria o contrato com a empresa japonesa Mitsui, que se encarregaria do suporte e treinamento técnico; mas o papel verdadeiro da Mitsui, segundo a denúncia, era o de pagar propinas para os funcionários da CPTM, sempre de acordo com a carta do ex-executivo.

“O contrato era apenas uma 'cortina de fumaça' para ocultar sua função real, que era subornar o cliente”, ele escreveu.

Cinco anos depois, a Siemens assinou mais um contrato com a CPTM para operar e manter os vagões vendidos em 1997. A companhia obteve o negócio subcontratando a empresa brasileira MGE Transportes, então dirigida por Ronaldo Moriyama, conhecido por “sua atitude agressiva e arriscada” ao subornar funcionários do governo para obter contratos, escreveu o ex-executivo, que chegou a nomear os que teriam recebido as propinas da MGE. “Muitos diretores do Metrô de SP e da CPTM estão na folha de pagamentos dele (Moriyama) há anos”, dizia a carta. “Os mais conhecidos eram:  Décio Tambelli (ex-diretor de operações do Metrô), Jose Luiz Lavorente (ex-diretor de operações da CPTM) e Nelson Scaglione (Gerente de Manutenção do Metrô de SP ).”

O ex-executivo também detalhou o esquema de propinas da Alstom no Metrô em Brasília que, segundo a carta, funcionava há anos. Para garantir os contratos, a companhia pagava 700 mil reais de propina por mês ao ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, e diretores do metrô, escreveu o ex-executivo. Quando a Siemens substituiu a Alstom no mesmo contrato, o governador Roriz não se incomodou, “desde que o vencedor da concorrência continue a pagar a 'taxa'” dizia a carta. No final, o ex-executivo diz que o suborno continuava sendo uma prática da Siemens no Brasil, acrescentando: “Essa atitude conta com as bençãos do principal executivo da companhia no Brasil”.

Uma segunda carta endereçada ao Ministério Público

Uma segunda carta, essa escrita em português, em 2010, foi me entregue pelo ex-executivo. Depois eu descobriria que essa carta – dirigida a “Prezados Senhores - tinha sido remetida ao Ministério Público Estadual pela bancada do PT na Assembléia em fevereiro de 2011, com mais um pedido formal de investigação – o que vinha sendo feito pelo partido desde 2008.

Nela, o ex-executivo detalhava ainda mais o esquema de propinas da Siemens e o papel da MGE, subcontratada pela Siemens para executar o contrato de manutenção da CTPM, vencido em 2002, no valor de 34 milhões de reais. O verdadeiro propósito da parceria, dizia a carta, era canalizar propinas para os diretores da CPTM e para políticos do PSDB e do PFL (atual DEM) em São Paulo.

Durante os cinco anos de vigor do contrato, a Siemens transferiu à MGE mais de 3 milhões de reais para serem usados nas propinas, fingindo pagar por serviços que nunca foram realizados, de acordo com a fonte. O dinheiro era depositado nas contas pessoais dos diretores da MGE e pagos para o já citado José Luiz Lavorente, então diretor da CPTM. Segundo a carta, Lavorente guardava o seu quinhão e distribuía o restante a políticos de São Paulo. A MGE ficava com 23% do dinheiro das propinas, e a Siemens obtinha um grande lucro, superfaturando em até 30% os contratos da CPTM, segundo a carta. O mesmo arranjo era utilizado pela Siemens para ganhar licitações de contratos lucrativos com o Metrô de São Paulo e de Brasília, de acordo com o ex-executivo.

Mais uma vez as denúncias eram acompanhadas de documentos, dessa vez informes detalhados de pagamentos da Siemens à MGE de 2002 to 2006, com números de cheques e datas das transações para pagar as propinas.  “O papel principal da MGE nos contratos com a Siemens Ltda. (Brasil) foi e continua sendo o pagamento de propina a diretores da CPTM, Metrô SP e Metrô DF (Brasilia)”, escrevia a fonte. “O cruzamento dos saques efetuadas pela MGE com os pagamentos efetuados pela Siemens a esta empresa pode provar o esquema milionário de corrupção patrocinado pela Siemens e MGE na CPTM, no Metrô de SP e no Metrô do DF.”

Por fim, a tão sonhada entrevista

O potencial de impacto dessas informações era quase impensável. Antes de ir embora do Brasil, decidia que faria todo o possível para me manter em contato com essa fonte.

Mas isso não era nada fácil, como percebi nas semanas seguintes em que fui diversas vezes à Assembléia para tentar um novo encontro com o ex-executivo. Até que um dia, uma semana antes do dia marcado para o meu vôo de volta à Califórnia, dei de cara com o homem que havia me apresentado ao ex-executivo no mesmo departamento de pesquisas do PT.

“Que bom te ver”, ele me disse, sorrindo. “Falei com o seu contato ontem. Ele vai estar em São Paulo na quinta-feira e pode te encontrar às 6 da tarde”. Meu vôo partiria na manhã seguinte às 9h30 da manhã. “Vou chegar 15 minutos antes”, respondi.

Naquela noite quase não dormi. Arrumei a mala, escaneei meu cérebro em busca de cada detalhe que eu deveria perguntar e acabei indo para a cama de madrugada. No dia seguinte, na hora marcada, encontrei o ex-executivo na mesma sala que o vi pela primeira vez. Ele acenou e me disse “Olá, de novo”. Conversamos sobre os documentos e perguntei se poderia gravar a entrevista. Ele concordou, com a condição de manter o anonimato.

Durante os próximos 45 minutos, ele me deu a primeira e única entrevista já concedida sobre o esquema de propinas e de combinação de preço nas licitações que ele disse ter presenciado pessoalmente. Sempre que um contrato grande do setor metroferroviário é fatiado entre diversas empresas no Brasil, as práticas ilegais são comuns, ele disse.

“Existe sempre um acordo entre elas, uma divisão e um sobrepreço, ou seja, um cartel. Quando tem cartel, tem pagamento, obviamente”, explicou. “Está acontecendo agora (2010) no caso das reformas do metrô. Também na manutenção dos trens da CPTM,” afirmou. Mais adiante ele diria que as subsidiárias brasileiras da Alstom e da Siemens mudaram alguns métodos de pagamentos de propinas depois das investigações na Europa.

“Antigamente ia para as contas na Suíça, para as offshores no Uruguai, mas ficou muito difícil fazer este tipo de pagamento de propina diretamente,” disse. “É por isto que, em geral, eles sempre levam um subcontratado. Imagina, uma Alstom, por exemplo, com uma fábrica aqui no Brasil. Porque precisaria subcontratar alguém para fazer um serviço? Não precisa. No fundo, o que acontece? Aqui precisa de alguém para fazer o trabalho sujo.”

Ele disse que o dinheiro das propinas permitiam às empresas ganhar contratos por preços absurdos e engordar os cofres dos partidos políticos no poder em São Paulo e no Distrito Federal. “Os intermediários ficam com uma parte, e a outra parte vai para os políticos,” disse. “Os políticos solicitam, induzem, vamos dizer assim. Eles querem contribuições para as campanhas, mas a maior parte fica para eles pessoalmente”.

No final da conversa, consegui perguntar uma coisa que estava na minha cabeça desde que li a carta enviada por ele ao ombudsman da Siemens em 2008. Como a Siemens havia respondido às acusações?

Um parêntesis: Em dezembro de 2008, seis meses depois do executivo ter mandado sua carta anônima ao ombudsman, a Siemens havia se declarado culpada ao Departamento de Justiça americano por violações do “Foreign Corrupt Practices Act”, que proíbe as companhias com negócios nos Estados Unidos de pagar propinas em outros países. Como parte de um acordo com a corte americana, a Siemens admitiu ter pago mais de 800 milhões de dólares em propinas ao redor do mundo. No mesmo período, fechou um acordo semelhante com as autoridades alemãs, pagando uma multa total de 1,6 milhão de dólares. O Brasil, no entanto, não foi mencionado nesse esquema.

Voltando a entrevista em São Paulo: o ex-executivo disse que nunca recebeu qualquer sinal de que a Siemens tivesse ido atrás das informações fornecidas na sua carta, apesar das promessas da companhia de reestruturar suas práticas para acabar com a corrupção.

“A Siemens abafou o caso no auge da crise, no momento em que diziam querer limpar tudo. Foi como se nunca tivesse acontecido. Ninguém falou nada, ninguém foi mandado embora. A coisa aconteceu como se fosse tudo normal,” contou o ex-executivo.

“Por algum motivo, o Brasil sempre ficou intocado. A minha interpretação é que eles sabem que isso tem que continuar, e não querem fazer muito barulho, porque eles sabem que se não continuar, eles vão ter menos contratos. E isto é verdade.”

Mais uma vez pedi o contato dele quando a entrevista terminou, e mais uma vez ele me disse que eu teria que procurá-lo através dos nossos conhecidos na Assembléia. E mais uma vez, ele saiu apressado do escritório, desaparecendo no burburinho da metópole.

De volta à Califórnia

Depois de algumas semanas organizando o material coletado no Brasil, contatei o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para saber se, durante as negociações daquele acordo, o Brasil realmente não havia sido citado. Foram semanas de telefonemas até conseguir falar com um porta-voz, que disse que o Departamento não comentaria esse assunto.

Diante do aparente beco sem saída, recorri ao professor que tinha me colocado na história das propinas no Brasil, Lowell Bergman, jornalista premiado com o Pulitzer e diretor do programa de Jornalismo Investigativo da UC Berkeley. Alguns anos antes, quando ele preparava um especial de televisão sobre propinas pagas por companhias no exterior para ganhar concorrências fora dos Estados Unidos, tinha conseguido uma fonte no Departamento de Justiça que havia trabalhado no acordo das propinas com a Siemens.

Mas a fonte disse que não havia menção da Siemens sobre subornos no Brasil e Bergman e eu decidimos confirmar se realmente o ex-executivo brasileiro havia mandado a tal carta para a Siemens na Alemanha. Depois de muita conversa em off com uma fonte da Siemens, ouvi que a companhia tinha realmente recebido a carta em 2008. Mas, como a informação não podia ser confirmada, eu tinha que verificar na própria companhia.

Em fevereiro de 2011, entrei em contato com a assessoria de imprensa da sede da Siemens por email e comecei a ligar para Munique tarde da noite, para compensar as nove horas de diferença de fuso horário. Eu havia feito perguntas bem específicas no meu email: A Siemens tinha informado as autoridades nos Estados Unidos e na Alemanha sobre as denúncias de propinas no Brasil feitas em uma carta enviada ao ombudsman em junho de 2008? Se sim, quando? A companhia tinha remetido a carta para as autoridades?A Siemens tinha aberto um procedimento interno para investigar o assunto? Se sim, quando?

No mês seguinte, o assessor de imprensa respondeu ao email: “Como parte da cooperação em andamento com as autoridades americanas, a Siemens informou ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos e à Comissão de Valores Mobiliários (Securities and Exchange Commission) sobre as denúncias anônimas que foram submetidas por carta ao ombudsman”, escreveu o porta-voz no email.

Quanto às outras questões, foram respondidas em termos muito genéricos: “Como a Siemens não comenta investigações ou processos investigativos, está impossibilitada de comentar as ações específicas ou investigações independentes assumidas pela Siemens em resposta às denúncias,” escreveu, para concluir: “Em relação aos esforços globais de monitoramento da Siemens, incluindo o Brasil, tomou medidas inéditas de autocorreção e limpeza que foram reconhecidas pelos órgãos dos Estados Unidos como 'extraordinárias' e 'as melhores do gênero'. Nós levamos a sério nosso compromisso com altos padrões éticos e temos uma política de 'tolerância zero' com desvios”.

Em outubro de 2011, a companhia demitiu o presidente das operações brasileiras, Adilson Primo, que ocupava o cargo há tempos, afirmando que “uma investigação interna revelou, recentemente, uma grave violação às diretrizes da Siemens na subsidiárias brasileira antes de 2007”. Reportagens ligaram a demissão à descoberta de uma conta privada com cerca de 6 milhões de euros de recursos da Siemens. Um porta-voz disse que a saída de Primo não tinha relação com a carta do denunciante.

Meses depois, em uma apresentação da companhia em janeiro de 2012, a Siemens confirmou que estava sob investigação do Ministério Público em Brasília. Em maio de 2013, o escândalo estourou no CADE.

Grande parte da informação que veio da delação da Siemens ao CADE, corrobora as alegações do ex-executivo. Emails e outros documentos indicam que a companhia associada a outras empresas operava como um cartel para ganhar contratos do governo por preços superfaturados entre 1998 e 2007. Esses contratos faziam parte dos acordos entre Siemens e Alstom para fabricar, manter e instalar trens em São Paulo e Brasília. Os três contratos citados pelo ex-excutivo estão sob investigação, incluindo o da Linha G de trem e lilás de metrô. Até a porcentagem de faturamento – 30% - que consta dos documentos entregues pela Siemens ao CADE, segundo o Estadão, é a mesma. Ao todo, dez promotores vão conduzir 45 inquéritos para investigar atividades suspeitas da Alstom, Siemens e outras em contratos que somam 1,9 bilhão de reais apenas no Estado de  São Paulo.

No começo desse mês de agosto, a revista IstoÉ, em uma grande reportagem sobre o escândalo, revelou indícios de que o dinheiro das propinas da Alstom e da Siemens no setor metroferroviário de São Paulo ajudou a eleger os quatro últimos governadores de São Paulo. Muitos dos que foram acusados de receber propinas na reportagem da revista eram os mesmo citados pelas cartas do ex-executivo, incluindo o ex-diretor de operações da CPTM, José Luiz Lavorente, e o ex-diretor de operações do Metrô de São Paulo, Décio Tambelli.

Novas revelações devem surgir da colaboração da Siemens com os investigadores brasileiros. Mas, os fatos têm mostrado que as acusações do ex-executivo têm fundamento. Ainda assim, Paulo Stark, chefe da subsidiária brasileira da Siemens, afirmou, em depoimento, que “desde 2007”, tem um “sistema de monitoramento para detectar, prevenir e remediar práticas ilícitas que possam ter sido adotadas, encorajadas ou toleradas por empregados ou executivos em qualquer lugar do mundo”.

Felizmente, a carta que me foi entregue pelo ex-executivo da Siemens acaba de ser publicada no Brasil – ela estava disponível, assim como a íntegra do meu trabalho no site da Universidade de Berkeley (http://www.escholarship.org/uc/item/4hb6r5gg#page-10). E as multinacinacionais do setor metroferroviário terão ainda mais a explicar aos conselheiros do CADE. 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Virando o jogo

Depois de toda a barulheira sobre o apoio a Sarney para a presidência do Senado, o PSDB declarou-se do lado de Tião Viana (PT-AC), trazendo uma nova dinâmica para o pleito que era considerado ganho pelo PMDB. Ao que tudo indica, Sarney foi deixado de lado porque o PSDB não conseguiria todos os cargos no Senado que pleiteava em troca do apoio - que incluem a vice-presidência e a quarta secretaria da Casa. Para completar, Viana declarou-se contra a PEC [proposta de emenda constitucional] do terceiro mandato, principal exigência dos tucanos. Negociatas à parte, não deixa de ser estranho ver o PSDB apoiando uma candidatura do Partido dos Trabalhadores para um cargo tão importante dentro do governo.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Fogo Amigo

O PSDB declarou que apoiará a candidatura de José Sarney à presidência do Senado, em troca do boicote a qualquer tipo de "golpe" do governo em busca do terceiro mandato para Lula. Para quem não se lembra, o deputado Devanir Ribeiro começou seu devaneio há pouco mais de um ano, se não me engano, quando lançou no ar a idéia de uma emenda constitucional que permitiria a Lula se "re-reeleger".

Muito já foi dito à época sobre a necessidade da alternância de poder para a saúde de uma democracia, o que, para bons entendedores, foi o bastante para que parássem com aquela besteira de "o FHC deu o 'golpe da reeleição'".

Noves fora, em janeiro surgiram notícias preocupantes. No último dia 16, durante uma entrevista coletiva em El Dilúvio, no norte da Venezuela, o Presidente Lula defendeu a iniciativa de Hugo Chávez de buscar a reeleição ilimitada (ressaltando que essa não é uma opção para o Brasil). Até ai, sem problemas, o referendo é uma ferramenta legítima e pode ser usada de tempos em tempos. No entanto, ontem (28), em campanha pelo tal referendo, Chávez declarou que haverá guerra civil na Venezuela se a oposição voltar a governar o país. Resta saber qual será a repercussão disso nos próximos dias, e qual será o comentário de Lula sobre essa atitude do companheiro Chávez.

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