O mundo ainda precisa de James Bond?
50 anos é muito tempo. E se algo
resiste a este tempo de forma relevante é porque aprendeu a se reinventar, a se
adaptar e, principalmente, a se autoconhecer. Com a maior franquia da história do
cinema não é diferente. O mundo em que 007
Contra o Satânico Dr.No estreou em 1962 em nada se assemelha ao mundo em
que 007 – Operação Skyfall retrata. E
se o primeiro e o mais novo filmes da franquia representam o ápice de sua longa
história é porque apostam no único aspecto que permanece inalterado ao longo
dos 23 filmes: Bond, James Bond.
O terceiro filme estrelado por
Daniel Craig mantém o viés realista que foi introduzido em Cassino Royale, mas deixa pra trás a trama que amarrou o primeiro
filme com Quantum of Solace, um filme
que, se for esquecido, não fará falta nenhuma. Desta vez Bond é um agente que vê
a própria decadência no horizonte, tanto por conta de sua idade quanto pela
própria natureza de seu trabalho. Afinal, no mundo de hoje, onde terroristas
com computadores ameaçam o mundo mais do que vilões com bombas atômicas, qual a
real importância de um homem como James Bond?
Skyfall é acima de tudo um filme sobre personagens, e talvez por
isso ele se distancie da maioria dos outros filmes da franquia. Esqueça as
sutilezas que a respeito do passado de Bond em filmes como A Serviço de Sua Majestade ou Goldeneye.
Skyfall faz uma verdadeira jornada de autoconhecimento e expõe todo o
passado de Bond, para que assim ele possa se colocar no mundo atual, uma metáfora
nada sútil com relação a existência da própria série. E a relação entre Bond e
M é o fio condutor para que este objetivo seja alcançado.
Se M não era nada além de uma
ferramenta na franquia por quase 30 anos, quando Judi Dench assumiu o papel em Goldeneye o chefe de 007, ela finalmente se
tornou um personagem-chave, questionando e desafiando o agente secreto. Contudo
as aparições, por mais fortes que fossem – e nenhuma é tão impactante quanto no
próprio filme 1995, chamando 007 de “relíquia da Guerra Fria” e assim definindo
o personagem nos anos 90 –, em Skyfall M
é a razão do filme existir, que disseca sua relação conflituosa e quase
maternal com Bond.
A peça definitiva, que move a
relação entre ambos é o anti-007, o vilão que, pela primeira vez na franquia, não
quer mais dinheiro que Deus ou dominar o mundo. Raoul Silva e a sua busca de vingança
contra o serviço secreto britânico é a personificação do terrorismo atual: sem
pátria, sem ideologia, convencido de que homens que puxam gatilhos não são nada
além de obsoletos. E que belo vilão... Javier Barden veste o seu personagem e
cria um jogo de contrastes com o Bond de Daniel Craig. Virilidade contra
sutileza. Sexismo contra androginia. Certamente um dos mais memoráveis que a
franquia já viu.
Skyfall não é um filme de 007 comum. Em seu ato final, ele parece
menor, um pouco deslocado do que estamos acostumados, talvez até intimista, mas
em nenhum momento se torna esquecível ou morno. A impressão que se tem quando
os créditos finais sobem é que a reconstrução iniciada em Cassino Royale de um dos grandes mitos do cinema está concluída. Todos os elementos já
foram devidamente posicionados. Mas, acima de tudo, agora sabemos quem
realmente é James Bond. Conhecemos suas fraquezas e, desta forma, o personagem
se fortalece mais do que nunca, tornando assim a grande questão levantada no filme
muito fácil de ser respondida: sim, ainda há lugar no mundo de hoje para alguém
como 007. Ou, ao menos, esse lugar existe no cinema.