Soninha Francine, 41 anos, é jornalista e comentarista da ESPN Brasil. Em 2008, após um mandato de vereadora pelo PT, candidatou-se à prefeitura pelo PPS, ficando em quarto lugar. Hoje, é subprefeita da Lapa na atual administração do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. Adepta da bicicleta, Soninha conta os desafios para harmonizar as ruas da Lapa e de São Paulo com tanta diversidade de meios de locomoção.
Paulo Pacheco – Há algum projeto da subprefeitura da Lapa para a construção de ciclovias ou de algo que harmonize a relação entre ciclistas e motoristas?
Soninha Francine – A primeira providência que faremos aqui na região da subprefeitura será a instalação de para-ciclos. Quem não anda de bicicleta talvez nem pense nisso, mas quem anda sabe a dificuldade que é não ter onde deixá-la. Instalaremos em frente ao Mercado Municipal, ao Parque da Água Branca, no prédio da subprefeitura, no Tendal da Lapa, em frente a bibliotecas e a teatros, perto do corredor de ônibus, para que o ciclista possa estacionar sua bicicleta e pegar um ônibus em direção ao centro. A instalação será feita desde que não atrapalhe os pedestres e que seja útil para os ciclistas. Além disso, estamos encomendando um estudo técnico para a implantação de um sistema cicloviário na Lapa, porque a ciclovia é um corredor totalmente segregado para as bicicletas, seja no canteiro central, seja na avenida, seja junto à calçada, e deve haver alguma separação física. Há muitas ruas onde é possível ordenar o trânsito de bicicletas e de veículos motorizados simplesmente traçando uma faixa no chão. Isso não é possível em avenidas muito movimentadas e com fluxo de veículos pesados, como a Marquês de São Vicente e a Ermano Marchetti, mas nas ruas da Vila Romana, como a Rua Faustolo e a Rua Tito, que são mais largas e com quarteirões mais curtos, impossibilitando os carros de desenvolver altas velocidades, é possível pintar uma faixa no chão.
PP – Como a faixa cidadã para motocicletas, na Rua da Consolação?
SF – Sim, mas para bicicleta ainda não temos em São Paulo. Na Avenida Sumaré há uma faixa para motos.
PP – Na Avenida Sumaré, há no canteiro central um...
SF – Um arremedo de ciclovia, não é? Ela será uma ciclovia de verdade. Temos um projeto em orçamento para depois buscarmos recurso, ou da prefeitura ou com patrocínio de alguma empresa.
PP – A faixa cidadã pode incentivar a harmonia entre ciclistas e motoristas, reivindicação de muitos cicloativistas?
SF – Isso mesmo. Os cicloativistas da ONG Transporte Ativo dizem isso: se as bicicletas circularem em uma via totalmente segregada, todo o esforço de separação cria, em algum momento, uma dificuldade de convivência. O encontro em um cruzamento, por exemplo, será inevitável. Nos EUA, há uma cidade famosa por ser “amiga das bicicletas”. Lá há muita discussão sobre fazer ou não ciclovias, e estão chegando à conclusão de que em alguns lugares a ciclovia é a melhor opção e a mais segura. É nisso em que acredito. A ONG acha que não deve haver ciclovia nenhuma, que as pessoas têm que saber dividir o espaço da via civilizadamente. Mas estamos entrando em um sistema que já está consolidado. Então acho que temos de admitir que em alguns lugares o mais recomendável é a segregação mesmo, mas não em todos os lugares.
PP – De acordo com a Agenda 2012, a prefeitura pretende construir 100 quilômetros de ciclovias. Você tem acesso aos lugares onde haverá essas ciclovias?
SF – Tenho, porque a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente fez no fim do ano passado uma audiência pública exatamente para apresentar quais serão esses percursos. Alguns incluem circuitos na periferia, na zona leste, acho que em Guaianazes, Ermelino Matarazzo.
PP – Além do trânsito de bicicletas, a rua 12 de Outubro também conta com trânsito de pedestres, dificultado pela invasão de camelôs nos últimos anos. Há algum tempo foi concedido alguns Termos de Permissão de Uso (TPU). Isso foi interrompido?
SF – A concessão de novos termos, sim. Acabamos de fazer uma atualização cadastral porque, resumidamente, já virou uma zona. O TPU é intransferível, mas sabemos que um ambulante, que apresentou toda a sua documentação para obter um TPU e ter o direito de vender tal mercadoria em determinado local, às vezes passa adiante como se tivesse passando um negócio. O que fizemos: botamos ordem na casa do ponto de vista da documentação. Acabamos de fazer um processo de atualização cadastral dos ambulantes. Às vezes, a fiscalização fica na roubada: “afinal, quem está falando a verdade, quem tem o direito mesmo?”. Agora vamos tirar essa dúvida, não será quem chegou primeiro, mas quem está com tudo em ordem. Falar é mais fácil do que fazer, porque é muita gente e se fiscalizamos de dia e não voltamos à tarde, pronto. E não é só isso: tem o lado humano, sócio-econômico na história também. Eu não quero só espantar os camelôs e proibi-los de trabalhar, quero poder oferecer alguma alternativa. Essa é a parte mais complicada.
PP – Um revezamento de camelôs não resolveria?
SF – É uma ideia, mas desde que possamos garantir que não terá conflito, porque sempre tem um horário que tem mais movimento. O que podemos tentar é: um lugar fora do passeio público para fazer um camelódromo. Estou conversando com a CPTM para ver se eles concedem permissões de trabalho dentro da estação, porque toda estação tem uma área de passagem que atrai o comércio ambulante. É um problema de conflito entre muitos direitos: ao trabalho, a ir e vir e o nosso direito de circular em um passeio desimpedido. Esse é um dos problemas mais complicados que temos aqui.
PP - A subprefeitura da Lapa abrange quais distritos?
SF - São seis distritos: Barra Funda, Perdizes, Lapa, Vila Leopoldina, Jaguaré e Jaguara.
PP - Em Perdizes, o trânsito é ruim na Rua Cardoso de Almeida. Ali não seria possível instalar uma ciclovia?
SF - Na Cardoso, não. Mas na Traipu, que é paralela, dá para se pensar nisso.
PP - Na região tem a PUC. Muitos estudantes poderiam ir de bicicleta.
SF - Conversamos com a PUC sobre a instalação de para-ciclos, sugerindo que a própria faculdade faça a instalação. Algumas coisas acontecerão a médio e longo prazo que vão ajudar a melhorar o trânsito, como a linha Amarela do Metrô. Uma parte do trânsito que hoje passa pela Rua Cardoso de Almeida talvez seja absorvida pela linha que sobe a Rua da Consolação. Depois, haverá a linha que vem da Freguesia do Ó...
PP - Haverá mesmo essa linha?
SF - Está aprovado, já estão contratando o projeto. Então disso já não há dúvida nenhuma. Agora, nunca é rápido. Fazer metrô é muito demorado. Se for mais rápido cai! Terá a linha Amarela, que passa por Pinheiros, pela Consolação e está quase pronta. A da Freguesia não está bem adiantada, mas é garantido que vai acontecer. A CPTM vai fazer uma grande remodelação na linha que passa por aqui. Terá uma nova estação, com certeza, na Avenida Santa Marina, na altura da UNIP...
PP - Ali já existe a estação Água Branca...
SF - Mas de um lado tem a Água Branca e do outro tem a Lapa. A CPTM vão unir os dois ramais. Eles também querem fazer uma estação na Pompeia, isso não está certo ainda. À medida que a integração do transporte coletivo melhora, em tese alivia as condições de tráfego de automóveis. Em tese por quê? Porque nem sempre é verdade. Já há muitos lugares onde é muito melhor ir de ônibus do que de carro, e nem por isso as pessoas abrem mão do carro. Então tem um outro investimento que é preciso fazer, o de incentivar o uso transporte coletivo, sim, e desestimular o uso do carro também. Por isso que eu defendo o pedágio urbano.
PP - Como incentivar o uso de um ônibus já lotado?
SF - O ônibus não é lotado o dia inteiro e as ruas já estão lotadas o dia inteiro. O ônibus está lotado desde as 4 da manhã. Até as 7 está lotado. A partir das 9 da manhã, pode olhar na rua, o ônibus não está lotado e a rua está lotada de carros com uma pessoa só dentro. E não adianta: por mais perto que seja a estação do metrô, ela não é tão perto quanto a garagem do prédio. O transporte coletivo implica em um outro jeito de se comportar, de se planejar, de se mover por aí. Então é assim: para as pessoas mudarem essa acomodação, esse costume, além de melhorar o transporte, é preciso pressioná-las a aderir ao transporte coletivo, quando isso já é possível e vantajoso.
PP - Para você, o pedágio urbano seria uma alternativa?
SF - Sim. No pedágio urbano, delimita-se uma área da cidade onde realmente as ruas estão muito saturadas, porque quem dirige nessas áreas está fazendo um uso muito privilegiado do espaço público, todo mundo está apertado e a pessoa está sozinha no carro. Então, se não quiser pagar pedágio urbano, a pessoa não vai de carro naquela hora. Portanto, ou ela vai se reprogramar, ou vai em um outro horário, ou em vez de ir todo dia resolver uma coisinha ou outra ela concentra todas as atividades em um dia. Em Londres aconteceu muito isso: o comércio diminuiu o movimento durante a semana e aumentou no sábado, porque as pessoas se reorganizaram.
PP - No sábado é liberado?
SF - Sim. Ou podem combinar o revezamento com um amigo, um dia vai no meu carro, um dia no seu, cada um paga metade do pedágio, ou adere ao transporte coletivo, ou vai de táxi, ou de bicicleta. Há muitas alternativas e, se não quiserem nenhuma dessas, tá bom, mas vai pagar pedágio urbano. Até quem insistiu em pagar o pedágio, por opção ou pelas características do trabalho, é beneficiado também, porque a gente não presta atenção no quanto gasta no congestionamento, porque é diluído, a pessoa abastece no começo da semana, não é como o pedágio, que é um desembolso mais palpável, mas o fato é que o congestionamento custa muito mais caro para os motoristas do que o pagamento do pedágio urbano. Então isso serve para desestimular o uso do automóvel, que é dispensável mesmo, supérfluo, e arrecadar mais recursos para o transporte coletivo. Tudo que entrar de pedágio urbano tem obrigatoriamente que ser usado na melhoria do transporte coletivo.
PP - Esse projeto é semelhante ao do vereador Carlos Apolinário, em que ele até estipulou o preço de R$ 4,00, e que foi usado pela Marta Suplicy durante a campanha eleitoral?
SF - O Executivo mandou um projeto para a Câmara que era a Política Municipal de Mudanças Climáticas, que estabelecia algumas metas, algumas obrigações e algumas possibilidades. Entre elas, a de um dia ter pedágio urbano. E aí era época de campanha eleitoral, a Marta chamou a atenção para isso e o Kassab, em uma atitude para mim equivocada, retirou o projeto e cortou essa parte do pedágio urbano, quando ele devia, na verdade, ter explicado para as pessoas. Mas o Apolinário, que era líder do partido do Kassab na Câmara, foi além e defendeu a ideia de pedágio urbano. Eu vou falar que, embora eu discorde em quase tudo do Apolinário, a defesa que ele fez é exatamente a mesma que eu faço. Quanto ao valor, isso é um estudo a ser feito. Ele não pode ser tão barato que não sirva para desestimular o uso do carro, nem pode ser tão caro que se torne super excludente e só rico consiga pagar, e porque para rico não faz falta nenhuma. É uma medida muito justa que tem que ser do valor do pedágio urbano.
PP - Quem vem das rodovias e passa pela Marginal Tietê, será obrigado a pagar um possível pedágio?
SF - Ele pode, por exemplo, escolher um outro horário. É inevitável; a gente vive em um espaço coletivo muito disputado, isso implica em restrições e renúncias. Fazemos restrições e renúncias para viver coletivamente, só que o motorista do automóvel é o que menos quer fazer restrições, e ele já é quem está melhor do que os outros. Então, isso é impopular, por isso que nenhum candidato fala que quer fazer pedágio urbano. Quem quer pagar mais uma taxa?
PP - Agora tem bicicletário no Metrô e na CPTM. O projeto ainda é muito restrito?
SF - É um dilema que temos sempre na administração pública: tem o ideal, enquanto não se chega a ele, não se faz nada? Eu não acho, acho que temos que fazer tudo o que for possível. O fato de o Metrô permitir bicicleta no fim de semana, como foi na primeira abertura que o Metrô fez para as bicicletas, foi um grande avanço. Permitir que as pessoas tenham a experiência de andar de bicicleta na rua e no transporte coletivo, mesmo que seja no fim de semana a lazer, vai fazer bem para o ciclista que usa a bicicleta como meio de locomoção durante a semana, porque isso amplia o olhar. Depois o Metrô ampliou a permissão de bicicleta para durante a semana depois das 8h30 da noite, o que já é um avanço. Por que não permitiu antes disso? Porque o metrô está sobrecarregado. Também não adianta forçar a barra. Por que as pessoas não usam muito ainda? Porque a circulação de bicicletas na rua ainda é muito desconfortável, ainda é muito arriscado e hostil. Não era para ser, mas é. Enquanto não melhorarmos as condições de circulação, não vai ter tanta atração para integrar bicicleta e metrô. Mas não importa que sejam dez pessoas, e não são, são muito mais que isso. Toda pessoa tem o direito de circular com segurança, tem que ser. A gente sempre procura atender bem o carro. Tem que atender os outros meios de locomoção também e essa é uma maneira de começar a atender melhor quem já usa bicicleta e aos poucos ir incentivando o uso de bicicleta pelas outras pessoas.