Por Pedro Zambarda de Araújo
Lançado em versão infanto-juvenil, com 136 páginas (contra cerca de 400 da versão original), além de um CD com o livro em áudio, as adaptações de 1808, lançado pela editora Planeta, são reflexo de narrativa atraente do livro inicial, que explica detalhes da chegada da família real portuguesa sem a carga da linguagem acadêmica ou técnica.
Responsável pela excelente repercussão da obra, o autor Laurentino Gomes, que trabalhou em órgãos da chamada “grande imprensa”, como a editora Abril, a revista Veja e o jornal O Estado de S.Paulo, afirmou que a palestra durante o evento Sempre Um Papo, promovido pelo SESC Vila Mariana, só foi possível porque ele considera os leitores fundamentais para compreensão e ampliação da sua pesquisa. “Meus contatos com as pessoas que apreciaram esse trabalho não são apenas em palestras, debates e congressos em carne e osso. Valorizo muito as discussões na internet, principalmente via e-mail e Orkut”. E ele ainda falou mais detalhadamente: “nas comunidades do Orkut, tenho a oportunidade de ver não um tipo de leitor comum, mas aquele que sabe detalhes da minha obra e que realmente pode contribuir”.
Terceiro Sempre Um Papo que participou – sendo os outros dois em Santa Catarina e Belo Horizonte – o autor paranaense de Maringá entrou em temas como corrupção, dívida externa e personalidades, ao retornar ao episódio homérico de D. João VI fugindo de Portugal com medo das invasões napoleônicas. “As visões tradicionais trataram ele como se fosse um trapalhão, uma caricatura. Ele também foi, ao seu modo, um herói e dono de uma estratégia que surpreendeu Napoleão Bonaparte. É esse D. João diferente que eu resgato no livro” expressou o criador, que fez um resgate de personagens históricos.
E, discutindo sobre a própria história, Laurentino foi bem crítico à respeito dos profissionais dessa área. “Historiadores marxistas foram bastante relevantes na educação dessa disciplina aqui no Brasil, como o Nelson Wernerck Sodré e o próprio Sergio Buarque de Holanda. No entanto, o panorama dos problemas econômicos e sociais que eles forneceram tira os próprios personagens, repletos de conflitos e paradoxos totalmente fora dos sistemas, da própria história” enfatizou, sendo crítico incisivo a essa tendência.
Afirmando que o estudo dessa disciplina, principalmente historiografia, é um retorno ao passado para entender a situação presente e construir um futuro, Laurentino colocou situações descritas no próprio livro que mostram muitos problemas presentes que já ocorriam naquele contexto de final de colonização de exploração. Os negócios do Banco do Brasil original, fundado por D. João VI, não eram, segundo o autor, para melhorias do Brasil, mas sim para subsídio de dívidas portuguesas através de acionistas coloniais ricos e doações voluntárias. Para o autor, isso fundamentou a corrupção brasileira.
“Esse é o ´DNA do Brasil´, que acompanha a violência e as desigualdades urbanas. Vendo por esse aspecto, as chances de nosso país dar errado eram grandes. Vejo até com bons olhos a situação atual, dessa forma. No entanto, o atual inconformismo talvez seja fruto de uma ansiedade que veio desde a reabertura democrática” disse o escritor, usando uma tese interessante que o passado nacional talvez explique muitos de nossos problemas. E completou: “infelizmente as coisas não vão se resolver tão facilmente e é possível que muitos defeitos antigos permaneçam futuramente”.
Entrando em especificações do seu livro além dos assuntos da corte portuguesa e de seus detalhes, Laurentino falou do estilo em que seu livro foi escrito, usando uma linguagem acessível ao leitor mais ocasional. Sobre como esse critério de escrita foi concebido, o autor esclarece que veio de sua própria profissão como homem da imprensa: “o jornalista tem missões nessa vida: ser o filtro da linguagem altamente especializada para o leitor leigo. E deve fazer isso de maneira atraente”. E ele acrescenta, como um alerta para novos escritores e escritores do mercado editorial que “a linguagem atraente não deve banalizar. Em um país com baixa escolaridade, os escritores, os jornalistas, enfim, todos que detém e podem disseminar o conhecimento devem usá-lo em uma linguagem didática aos seus leitores”.
Dessa forma, afirmando que o modo como criou 1808 conquistou sucesso por seu planejamento cuidadoso e inclusão de métodos jornalísticos, Laurentino, afirmou, sem nenhuma vergonha, que ele se aproveitou de oportunidade para lançar esse material. “Não foi por acaso que o lancei em 2008, com as comemorações de 200 anos da vinda da família real. Fui oportunista, nesse aspecto”, confessou. “No entanto, não é só a vinda dos portugueses que é festejada, mas sim a abertura dos portos que permitiu ao Brasil o comércio ao exterior, a modernização urbana e a criação da identidade do país que se realizou naquela época”.
Respondendo perguntas da platéia, disse que a participação de sua filha, Camila Ramos Gomes, estudante de jornalismo, foi fundamental para que Laurentino tivesse contato com obras historiográficas fundamentais. “Ela fez esse trabalho dispendioso de entrar em grandes acervos, como o da PUC-SP e o da USP, para investigar esse período histórico para mim. Era um dos executivos da editora Abril na época e não tinha tempo para ver tudo isso. Por isso, foi indispensável agradecê-la ao final do livro” disse, em tom de elogio.
Sobre pormenores da organização dos textos, novamente recorreu ao seu meio jornalístico. “Viver em redações faz você estar pronto a trabalhar não muito ou pouco, mas o suficiente. Faz você ir até uma entrevista sabendo apenas o necessário. Faz você não fotografar pessoas aleatórias em um evento, mas ter o foco dentro da pauta” explicou e, aliando isso na composição de 1808, completou: “a experiência do jornalismo me fez saber como editar textos. Anos antes desse livro (cerca de dez anos atrás), meu primeiro livro, eu já tinha os fatos principais pesquisados e fiz todo o planejamento em 28 arquivos distintos de Word (sic)”.
Laurentino Gomes foi receptivo, sorridente e sem ares muito pretensiosos, apesar de confessar que seu “ego infla” ao saber da admiração dos leitores. A palestra começou às 19h30, terminando às 20h40 para uma sessão de autógrafos, onde ele distribuiu, além de assinaturas, contatos eletrônicos para que o debate não se encerrasse ali.