domingo, 27 de julho de 2008

Sonhos

O que é um homem (ou uma mulher) sem sonhos? O que seria do ser humano sem ter algo para se viver e sobreviver em um lugar aonde cada vez mais fica provado que se sobressai o mais frio, o que menos se incomoda, o que, como disse Nietzsche, recuperam a consciência pura de um animal de rapina; monstros repletos de alegria podem voltar de uma terrível sucessão de assassínios, incêndios premeditados, estupros e tortura, com a mesma alegria no coração, com o mesmo contentamento na alma, como se tivessem participado de uma algazarra estudantil. Somos hoje uma sociedade de super-homens, pessoas que não se chocam mais com a putaria (desculpem o termo) que está o mundo. Lanço, então, a pergunta: Por termos consciência do atual estado das coisas e, em vez de nos mobilizarmos, nos conformamos, somos seres sórdidos, horríveis? Somos pessoas sem critérios por esquecermos disso após sabermos?

Comecei escrevendo sobre sonhos pois talvez seja o que nos motive a seguir em frente, não o que nos empurra, mas o que nos puxa, o que insiste em nos tornar fortes, o que nos fez super-homens.

Na última viagem que fiz para o interior de SP, fiquei abismado com a paz daquele lugar. Fiquei em uma casa em que o jardim ocupa mais da metade do terreno. Há lá uma fonte com carpas e árvores com passarinhos que descem como folhas secas para comer no chão, a menos de 2 metros da gente. Tudo que pensava - principalmente quando acordava - era que queria ficar longe de eleições, bilhete único com integração de 3 horas, Barack Obama vs. Hillary Clinton, George Bush, Lula, trânsito, preço da gasolina, aquecimento global, mortes e realidade. Queria continuar passando o dia com pássaros, carpas, amigos, bicicleta, violão, cadeira, café preto, risadas, migalhas sobre a toalha (que mais tarde estariam na terra), morcegos e paz.

Mas - sempre há um -, é impossível. Temos de acordar cedo, ônibus lotado - ó o bilhete único aí. Opa, só vale o comum, estudante e trabalhador não têm vez... -, aula, rotina! Será que realmente foram os sonhos que nos fizeram super-homens, que nos fizeram imunes a barbaridades? E se, em vez de sonhos, somos o que somos pela vida que levamos, pela realidade?

O mundo, a sociedade - reparem na dialética - é completamente individual: é preciso contemplar a si e reparar os próprios erros. Lembrando Fernando Pessoa, sou do tamanho do que vejo e não do tamanho de minha altura. Não digo para que trabalhemos em uma espécie de retrocesso pessoal para fazermos com que esse tipo de coisa não passe desapercebido, mas peço para que comecemos as mudanças com nós mesmos e, assim, passando para os (futuros) filhos e por aí vai.
Ninguém deve viver de sonhos, mas, às vezes, a realidade se torna insuportável.

As coisas mais preciosas só são salvas pelo sacrifício. (David Webster).

Um cheiro,
Gui.

2 comentários:

Pedro Zambarda disse...

Guilherme, achei relevantes suas indagações e levantamento de paradoxos.

Sugeri um título para sua crônica e coloquei, na edição. Mas, se discordar da sugestão, esteja à vontade para retirar/modificar.

Abraço

Dógui disse...

Valeu, Pedro!
O título é mais ou menos o que eu ia colocar. Não tão cru, mas a idéia acaba sendo essa.

Abraço!

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