segunda-feira, 31 de março de 2014

Governo norte-americano participou do golpe militar no Brasil

Por Danilo Macedo, repórter da Agência Brasil
Creative Commons


Texto publicado devido aos 50 anos do início do regime militar.

O golpe militar de 1964 foi um ato de militares brasileiros, apoiado por parte da sociedade e do empresariado do país. Historiadores e testemunhas do golpe afirmam, no entanto, que um outro ator teve papel decisivo na ação dos militares. A divulgação, pela Casa Branca, de gravações de conversas entre o ex-presidente John Kennedy e o então embaixador dos Estados Unidos (EUA) no Brasil, Lincoln Gordon, comprovam a preocupação da maior potência do mundo com o caminho que vinha sendo trilhado pelos brasileiros em sua incipiente democracia.

Os norte-americanos também se esforçaram no emprego de recursos financeiros para a promoção e o incentivo de iniciativas que tivessem o intuito de combater o comunismo no Brasil. Os estudos agora dão como certo até mesmo o envio de uma frota naval dos Estados Unidos para apoiar o golpe, comprovando a estreita articulação entre militares brasileiros e o governo daquele país.

Professor da Universidade de Columbia, John Dingens confirma que os Estados Unidos participaram ativamente para minar o governo Jango. "O registro histórico é claro", destaca. "Por causa de um medo exagerado de uma repetição da revolução cubana - um cenário que observadores objetivos consideraram ser extremamente improvável, beirando a paranoia geopolítica -, o embaixador e agentes da CIA [sigla em inglês para a Agência Central de Inteligência, do governo norte-americano], conspiraram e encorajaram militares brasileiros a depor o presidente eleito pelo povo brasileiro, João Goulart", avalia Dingens, que foi jornalista correspondente na América Latina na década de 1970 e escreveu o livro Operação Condor: Como Pinochet e Seus Aliados Trouxeram o Terrorismo para Três Continentes.

"A derrubada teve influência catastrófica em toda a América Latina. Como era óbvio, no momento em que os Estados Unidos apoiaram a destruição da democracia no Brasil, se seguiu uma onda de hostilidade e desconfiança contra os Estados Unidos em toda a região. Isto sustentou a credibilidade dos grupos revolucionários mais radicais - aqueles que, de fato, queriam repetir a experiência cubana em seus próprios países. Isto foi um obstáculo para o desenvolvimento da 'terceira via', ou seja, de alternativas pacíficas e democráticas para resolver a extrema pobreza e a desigualdade", diz.

Segundo o professor de história da Universidade de Brasília (UnB) Virgílio Arraes, o governo dos EUA, em plena Guerra Fria, tinha receio de que o maior país do Continente Sul-Americano seguisse o mesmo caminho de Cuba, onde forças lideradas por Fidel Castro destituíram o ditador Fulgencio Batista, em 1959, e instalaram um regime socialista que contou com o apoio da União Soviética.

O poderio militar da maior potência do mundo é considerado por ele, uma das principais razões para não ter havido reação do presidente João Goulart (Jango) ao golpe dado pelos militares brasileiros contra seu governo. “Jango, provavelmente, dispunha de mais informações, e elas fizeram com que ele não demonstrasse tanta disposição em resistir”, avalia Arraes.  Para o professor, o conhecimento de que os EUA estavam enviando uma frota naval para a costa brasileira, informação confirmada pelo próprio embaixador Gordon anos depois, já seria suficiente para desestimular qualquer reação do governo constituído.

Para Arraes, o deslocamento da frota deve ter sido a maior movimentação naval no Hemisfério Sul desde a época da 2ª Guerra Mundial. “Se o Exército que derrotou as forças nazistas e as forças imperiais japonesas estivesse se deslocando para qualquer país da América do Sul, que tipo de esperança, do ponto de vista de luta, se poderia ter?”

A insatisfação norte-americana em relação aos rumos do país sob a presidência de João Goulart vinha do início de seu mandato. Algumas posições de Jango, como colocar em prática uma série de reformas, entre elas a reforma agrária, e as de seus aliados, como o governador do Rio Grande do Sul à época, Leonel Brizola, que desapropriou duas companhias norte-americanas (ITT, do setor de telecomunicações, e Amforp, de energia elétrica), aumentou a crença nas informações, passadas por Gordon, de que o país caminhava para adotar o regime comunista.

Desde 1962, o embaixador vinha tentando convencer o Departamento de Estado dos EUA de que Jango estava formulando um perigoso movimento de esquerda, estimulando o nacionalismo.

Em uma das conversas captadas pelo serviço de gravação instalado por Kennedy na Casa Branca, o presidente perguntou a Gordon se achava ser aconselhável uma intervenção militar no Brasil. O episódio ocorreu em outubro de 1963, 46 dias antes do assassinato de Kennedy.

O embaixador incentivava o governo norte-americano a não poupar esforços para conter as transformações em curso. Na opinião de Gordon, era fundamental organizar as forças políticas e militares para reduzir o poder de Goulart e, em um caso extremo, afastá-lo, já considerando o golpe. Após o assassinato de Kennedy, o embaixador Gordon continuou discutindo o assunto com o presidente Lyndon Johnson.

Com o argumento de garantir a democracia no Brasil, muito dinheiro foi aplicado pelo governo norte-americano em ações que, na realidade, visavam a frear a “ameaça comunista”. Uma delas foi a Aliança para o Progresso, um amplo programa de cooperação para o desenvolvimento na América Latina. Outra, mais ostensiva, foi a criação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) que produzia e difundia conteúdos anticomunistas para rádio, TV e jornais, além de mensagens em filmes e radionovelas, fazendo oposição ao governo João Goulart.

Em 1963, a ação do Ibad levou à instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Isso porque, em 1962, nas eleições legislativas e para o governo de 11 estados, o instituto captou recursos para a campanha de mais de uma centena de parlamentares contrários às reformas e ao governo de Jango.

A CPI comprovou que muitos documentos do Ibad foram queimados quando suas atividades começaram a ser investigadas e que suas fontes financeiras eram, prioritariamente, empresas norte-americanas. Após a apuração da CPI, o presidente da República suspendeu as atividades do instituto por três meses, prorrogados por mais três. No fim de 1963, o Ibad foi dissolvido pela Justiça.

A atuação norte-americana, no entanto, prosseguiu nos meses seguintes, até o golpe de 31 de março de 1964.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Comunicação em Grafite e Pichação durante os protestos de junho e ao longo de 2013

Artigo originalmente desenvolvido como um trabalho do curso de Estética III, do professor Dr. Leon Kossovitch, na FFLCH-USP. Aviso: O texto é longo.

Por Pedro Zambarda

A arte como representação de seu tempo

“O fim da história da arte não significa que a arte e a ciência da arte tenham alcançado o seu fim, mas registra o fato de que na arte, assim como no pensamento da história da arte, delineia-se o fim de uma tradição, que desde a modernidade se tornara o cânone na forma que nos foi confiada”.

BELTING, Hans. O Fim da História da Arte.

Quando Hans Belting lançou seu livro O Fim da História da Arte, decidiu colocar um ponto de interrogação no final da sentença, indicando, em parte, uma dúvida ao questionar os padrões estéticos. O autor estava num impasse ao duvidar de uma noção de trajetória histórica fixada pela educação formal. O meio artístico, ressaltado por Belting, já havia passado por movimentos como o Cubista, o Dadaísta, o Bauhaus e diversas vanguardas contemporâneas que contribuíram para facilidade de difusão dos meios. No campo da filosofia, Belting também ressalta escassez de pensadores totalmente originais no século 20 e ressalta o esvaziamento que atingiu a metafísica. Cita Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger e Theodor W. Adorno. Os três, nascidos entre os anos de 1890 e 1900, exibem teorias que tentam refundar a ótica do pensamento histórico-filosófico, ou denunciam o desgaste de uma visão moderna.

“A obra de arte possui uma unidade peculiar que possibilita uma forma totalmente própria de narrativa: A interpretação. Ela não está ligada a priori nem a um método e nem mesmo a um ponto de vista, pois uma obra pode admitir vários métodos e responde a muitas questões ”, explica Hans Belting, em um capítulo de seu livro dedicado a uma dúvida se a história deve ser da arte ou das obras em si. Belting estabelece como visão diferenciada, por exemplo, da visão dos poetas da Antiguidade Clássica, greco-romana. A tradição, nesta civilização antiga, era a das obras simbólicas e até mesmo das obras de arte “inventadas”, de acordo com o autor alemão. Um exemplo claro, dentro da filosofia, são os manuscritos divulgados por Platão sobre os atos e os pensamentos de seu mestre, Sócrates, entre os anos 399 e 347 a.C. A biografia de Homero e de diversos nomes conhecidos do mundo grego também foram submetidas a uma análise que escapam de uma interpretação direta, está transformada em símbolo.

Com esta estética esgotada, progressivamente mais subjetiva ao olhar do espectador e muito distante de padrões estabelecidos pelo Renascimento Cultural na Europa dos séculos 14 e 16, o grafite ressurge como uma manifestação de protesto na Paris de 1968, no auge dos movimentos estudantis da Sorbonne.

Os grafiteiros se transformam em agentes artísticos com suas mensagens e eles ganham, aos poucos, relevância com a ascensão do street art e do hip-hop como música nos anos 1990.

“Há muito tempo a arte já não é mais um assunto de elite, mas assume em substituição todos os papéis da representação de identidade cultural, os quais nesse meio tempo não têm mais lugar nas instituições da sociedade. Quem fala sobre arte  a encontra em todas as funções possíveis por ela exercidas hoje. Em todo caso, onde a arte entra em cena o especialista é apenas requisitado apenas por uma questão ritual e não mais para um esclarecimento sério. Onde a arte não gera mais conflitos, mas garante um espaço livre no interior da sociedade, ali desaparece o desejo de orientação que sempre estava voltado para o especialista. Onde não existe mais esse desejo, ali também deixa de existir o leigo”.

BELTING, Hans. O Fim da História da Arte.


Nesta teoria atual, de crítica da história da arte e de desgaste de seus principais argumentos, ascende no Brasil uma série de grafiteiros e artistas de rua que ressaltam o esgotamento dos especialistas. Os membros dessa cena de street art nacional não se enquadram em padrões culturais da elite que frequenta grandes leilões de quadros, mas parecem autores de peças de arte conectadas diretamente ao cotidiano das pessoas nas ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro e de muitas outras cidades urbanizadas, que convivem com a alta concentração populacional combinada com problemas de desníveis econômicos e sociais relevantes.

A cena do grafite paulistano e os protestos de junho de 2013

Foto: Divulgação/OSGEMEOS
Em 1986, os irmãos gêmeos Otávio e Gustavo Pandolfo começaram a grafitar aos 12 anos de idade. Era ascensão do rap norte-americano e da cultura hip-hop negra excluída. Os dois vinham de famílias de artistas e já tinham contato com lápis e desenho desde os três anos de idade. Passaram a assinar os grafites em São Paulo com o nome OSGEMEOS.

A oportunidade de crescimento dos dois, que tirou eles de apenas fazer uma arte transitória, foi o encontro com o grafiteiro Barry Mgee (Twist), que veio de São Francisco, nos Estados Unidos. Mgee exibiu sua arte de rua em exposição e mostrou à dupla que era possível conquistar notoriedade com esta arte em 1993. Em 95, OSGEMEOS chegaram ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS) e ganharam holofotes para sua arte que começou com tintas de carro, látex, spray e bicos de desodorante e de perfume para moldar traços. Do MIS, partiram para mostras em Munique e em São Francisco.

Foto: Reprodução/YouTube
Muitas vezes a arte de Otávio e Gustavo se transforma em uma metáfora do próprio ato de grafitar. São ilustrações urbanas que exibem a figura transgressora do grafiteiro dentro da imagem, não no sentido de vândalo, mas sim na composição de uma determinada arte.

A ascensão do grafite no Brasil, sobretudo em São Paulo, está diretamente ligado à forma como a cidade se expandiu e como hoje ela se tornou uma metrópole com mais de 200 milhões de habitantes em 2013. O local absorveu brasileiros do norte e do nordeste que se tornaram mão-de-obra, já foi uma cidade industrial e hoje é uma capital de serviços. Com a padronização das habitações em edifícios, a arte de rua se transformou em uma modificação desses espaços públicos e privados.

“São Paulo é uma selva de concreto. Prédio, prédio, prédio e quanto mais se constrói, mais há prédios e menos árvores e parques. Eles constroem um muro em volta. De alguma forma, você tem que fugir disso ou fazer parte. Essa é a história do grafite”.

Otávio Pandolfo, grafiteiro do grupo OSGEMEOS, no documentário Cidade Cinza.

OSGEMEOS não é o único grupo de grafiteiros famoso na cena paulistana. Também temos o nome de Carina Pandolfo, esposa de Otávio conhecida pelo nome Nina. Francisco Rodrigues da Silva, o Nunca, tornou-se grafiteiro aos 12 anos no bairro de Itaquera, zona leste paulistana, na periferia da capital. Do Cambuci, região central de São Paulo, surgiu Claudio Duarte, conhecido pelo apelido Ise, que aponta a gênese de sua arte no coração da metrópole onde ele vive e gosta de traços de letras estilizadas. Um último nome muito conhecido no grafite que vale a menção é Daniel Melim, responsável pelo desenho de uma mulher loira com traços similares ao de quadrinhos americanos retros, das décadas de 1950 e 1960. O desenho feito em um prédio pode ser visualizado na Avenida Tiradentes, indo da zona norte de São Paulo em direção à zona sul, no corredor de carros.

Foto: Pedro Zambarda
No ano de 2006, o economista Gilberto Kassab assumiu a prefeitura da cidade de São Paulo no lugar de José Serra, que renunciou ao cargo para concorrer ao governo do estado. Kassab implantou, logo no primeiro ano de sua gestão, a Lei Cidade Limpa, que removeu outdoors e tudo o que a prefeitura considerou como poluição visual. O alvo, obviamente, não ficaria apenas na publicidade. Em pouco tempo, Kassab começou uma guerra de tinta contra grafiteiros e artistas de rua. Ao ser reeleito em 2009, o prefeito também criou leis contra poluição sonora, interferindo em shows musicais na metrópole e detendo musicistas na Avenida Paulista e na Rua Augusta. Até o fim da gestão Kassab, em 2012, fazer arte ganhou um tom político.

O político era do PSD (divisão do DEM), um partido alinhado aos interesses do PSDB, legenda de oposição ao governo federal do PT. Em 2013, com uma virada eleitoral não esperava, o petista Fernando Haddad triunfou nas votações e assumiu o posto de Gilberto Kassab. A vinda de Haddad do PT alimentou expectativas de que uma gestão muito diferente e bem menos austera com a street art estava por vir.

O que os artistas esperavam não se concretizou. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, em maio de 2013, a gestão Haddad removeu grafites expostos pela dupla OSGEMEOS na cidade. Os grafiteiros fizeram um manifesto público e continuaram a desenhar na cidade. Disseram eles: "A arte de rua é apagada desde 2007 na cidade! Esperamos com este alerta que a Prefeitura de São Paulo e seus órgãos 'competentes' parem definitivamente de apagar os graffitis (sic) e respeitem e preservem a arte de rua em todos os seus segmentos ".

Este embate entre a cultura que emana das ruas encontraria reforço nos protestos que tomaram conta das ruas no mês seguinte. A maioria das mobilizações foi desencadeada por um grupo de jovens do Movimento Passe Livre (MPL).

Foto: Reprodução/Facebook/Os-Gemeos
Na mesma época, as passagens de transporte coletivo de São Paulo, tanto de ônibus quanto metrô, subiram do preço de R$ 3,00 para R$ 3,20. A alta no custo atraiu uma articulação do MPL, que existe desde 2005, surgido em Porto Alegre. Formado por estudantes em sua maioria universitários, o Movimento Passe Livre não tem lideranças carismáticas e possui uma organização mais horizontalizada, o que facilita a entrada de novos nomes. A principal defesa da mobilização é a criação de um transporte 100% público , ou seja, gratuito.

No entanto, antes de atingir esta, que é a maior das pautas de reivindicações, o MPL definiu metas mais realistas. A primeira delas se tornou a redução do preço das passagens de R$ 3,20 para o valor original de R$ 3,00. Protestos passaram a ser organizados e foi desta forma que começaram as chamadas “Jornadas de Junho”.

Em 6 de junho de 2013 começou o primeiro ato impulsionado pelo MPL, saindo do Teatro Municipal, no centro paulistano. Com presença de pessoas da periferia, a mobilização chegou até a Avenida 23 de Maio e colocou fogo em catracas. O movimento já contava com os chamados Black Blocs, pessoas que adotavam uma tática de vestir máscaras e revidar reações da polícia contra os protestos.

O confronto chegou na Avenida Paulista e voltou a acontecer nos dias subsequentes. Na mesma mobilização, surgiram pichações, uma forma de manifestação gráfica que normalmente é confundida com o grafite.

Foto: Pedro Zambarda
O MPL fez diversos atos após o dia 6, aprofundando a importância da diminuição das passagens e angariando simpatizantes. No dia 13 de junho, as jornadas se radicalizaram após excessos da Polícia Militar de São Paulo no quarto ato. Jornalistas foram agredidos no ato, como foi o caso de Giuliana Vallone, repórter da Folha de S.Paulo, que levou um tiro de bala de borracha no olho, mas não ficou cega graças ao seus óculos. No entanto, o fotógrafo da Futura Press Sérgio Silva não teve a mesma sorte: Ficou cego no olho direito. Além dos dois, Piero Locatelli, repórter da revista Carta Capital foi preso por porte de vinagre. Segundo o jornalista, ele levou vinagre no protesto para amenizar os efeitos de bombas de gás lacrimogêneo disparadas pela polícia. Pessoas foram presas arbitrariamente, sem provas de vandalismo ou transgressão social.

As Jornadas de Julho ainda foram impulsionadas pelo quinto ato, no dia 17 de junho, com adesão em massa que colocou pelo menos 1 milhão de pessoas na rua , sem nenhum revide da Polícia Militar em São Paulo. Os manifestantes chegaram até o palácio do governo de São Paulo, derrubaram as grades e, na volta, pularam as catracas do metrô. Ocorreram também manifestações no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Em Brasília, os protestos invadiram a Esplanada dos Ministérios. Outros atos foram organizados, chegando também até a sede da prefeitura de São Paulo, no centro. Os protestos agruparam outras pautas, como o combate à corrupção, a queda da PEC 37, a prisão dos mensaleiros do PT, a corrupção do metrô de SP pelo PSDB, entre outros muitos movimentos com motivação política. Até o final de 2013, continuaram ocorrendo mobilizações descentralizadas por parte da população.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Qual é a diferença entre grafite e picho?

“Em São Paulo tem várias categorias de pichação. Tem os caras que fazem só muro, tem os caras que fazem janela, tem os caras que fazem mais prédio, tem os caras que fazem mais escalada (sic) e tem os caras que fazem tudo. O fundamental da pichação daqui de São Paulo, independente das categoria (sic), é o cara ter bastante pichação”.

Djan, pichador em uma fala do documentário Pixo de 2009.

Foto: LiaC/Wikimedia Commons
De acordo com pichadores e fotógrafos entrevistados no documentário Pixo, de 2009, dirigido por João Wainer e Roberto T. Oliveira, o principal recurso estético e linguístico do picho é sua comunicação fechada. Através de códigos e desenhos de letras, a pichação polui o ambiente e revela a manifestação de setores excluídos da sociedade, como os pobres, os favelados e os jovens que estão envolvidos em uma vida de crimes. Ao executar o ato de pichar, muitos desses indivíduos entram em choque com a segurança pública ostensiva, que é a Polícia Militar de São Paulo, a mesma que reprimiu os protestos de todo o restante da população em 2013.

Um motoboy chamado Zé, fã de Iron Maiden, que diz que cruza a metrópole paulistana toda, diz que é “viciado em pichação”, no documentário Pixo. Ele confessa: “É difícil eu não ter entrado em uma rua que eu não pichei em São Paulo”. Sua motivação não parece ser a arte ou o desenho, como é o caso dos grafiteiros OSGEMEOS, mas sim sua relação de obsessão e revolta com a cidade. 

No entanto, mesmo com essa manifestação, os pichos podem guardar uma logomarca própria, que serve para identificar o pichador. Eles podem adquirir traços próprios que buscam diferenciar determinadas letras das demais. O “caderno de caligrafia” destes pichadores são os prédios das cidades, as estruturas urbanizadas e o design cinza e sem cor da metrópole.

Das referências musicais, o grafite nasceu tipicamente do hip-hop e do rap negro, músicas tradicionais de cidades grandes. A pichação, pelo seu aspecto mais rebelde e por seus constantes confrontos com a polícia, advém de roqueiros punks paulistanos, além dos protestos da esquerda contra a Ditadura Militar . Existe muita arte entre as duas tendências de arte/protesto de rua, mas elas apontam para diferentes caminhos, embora, para um leigo, a pichação continue sendo algo tão “sujo” para a cidade quanto o melhor e mais bem acabado dos grafites.

Com as Jornadas de Junho em 2013, o picho voltou como um formato estético de impacto quanto como um veículo de mensagem dos protestos do MPL e de outros movimentos sociais.

Foto: Pedro Zambarda
Diferente dos pichadores punks ou dos jovens de periferia com linguagem cifrada, as pichações dos protestos em 2013, próximos das Copas das Confederações e do Mundo, adquiriram um discurso político pesado, irônico e escrito em uma tipografia simples e legível. Na Avenida Engenheiro Luis Carlos Berrini, próximo à TV Globo de São Paulo, as mensagens grafadas nos prédios atacavam uma burguesia e uma classe média alienadas em ações contra corrupções e os desmandos de políticos, partidos políticos e do Estado como um aparelho único. “Poder Popular” apareceu em um prédio comercial na Berrini. Anteriormente aos milhões nas ruas, o MPL foi duramente reprimido pela Polícia Militar de São Paulo, chamado de “vândalos” e agredidos quando tentaram se defender, em um combate desigual contra as autoridades. Esse cenário fervente alimentou o surgimento do Black Bloc como tática contra a polícia, com pessoas comuns vestindo máscaras e atacando com paus e pedras as autoridades.

No entanto, somente quando jornalistas e indivíduos de classes mais altas foram feridos fatalmente, sendo que alguns perderam a visão, os protestos ganharam ignição significativa entre a classe média. Pacificamente, mas sem entender direito as pautas daqueles que já estavam nas ruas, essas novas pessoas engrossaram as vozes e diminuíram os preços das passagens de ônibus e de metrô, atingindo uma das metas do MPL. Isso gerou, obviamente, pichações nas ruas, nos metrôs, nos grafites e em todo lugar. O picho era como se fosse uma voz rouca da rua, dizendo o que estava acontecendo historicamente, embora não tenha resolvido a maior parte dos problemas de corrupção do país.

Foto: Pedro Zambarda
Foto: Pedro Zambarda
Na frente da estação de trem da região da Vila Olímpia é possível ver duas pichações que fazem uma conexão total com os protestos que ocorreram no Brasil: “O Povo Acordou” e “Copa das Manifestações”. As frases escritas na Berrini foram apagadas no mês de setembro, após ficarem quase três meses no local, entre junho e agosto. No entanto, as pichações da Vila Olímpia permaneceram. Refletem, em parte, a identificação das pessoas com os protestos, principalmente as camadas mais pobres.

O picho ganhou força com os protestos. Foi enquadrado como depredações da mesma maneira que a destruição de vitrines de bancos por Black Blocs, que enfrentaram a Polícia Militar. No entanto, o clima de revolta contra o aumento das passagens dos transportes tornou os dizeres “Poder Popular” dos pichadores muito mais artístico e político do que o picho convencional feito por gente da periferia.

Um caso em que a pichação foi encarada de outra forma ocorreu em 12 de junho de 2008, no Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo. Um pichador mascarado invadiu uma exposição de estudantes do ensino superior da instituição. Ao tentar escrever sua mensagem, foi expulso e detido pela polícia. A atitude de proteger o local da arte de elite dos seguranças universitários foi o álibi perfeito para que um grupo de pichadores invadisse o local, manchando o interior e o exterior do prédio. O ato se transformou pancadaria entre pobres e pessoas socialmente mais favorecidas.

“Você acha que isso é beleza? Isso ai é coisa de incompetente, de pessoas frustradas, de caras que não tem objetivo na vida. Essa porcaria ai é de cara analfabeto, rapaz. Beleza é o pôr-do-sol, é (sic) as cores da luz branca, de onde vem outras cores. Ela nos alegra todo dia. É arte, tá me entendendo. Não essa porcaria sintética, fedida e que faz mal ”, afirmou José Carlos de Oliveira, funcionário da Belas Artes, na ocasião. O picho não consegue ter um reconhecimento absoluto como arte, mas transmite uma linguagem, mesmo que seja através de uma agressão e de um vandalismo. No contexto dos protestos populares impulsionado pelo Movimento Passe Livre, em São Paulo, a pichação ganhou autenticidade, aceitação e uma comunicação mais universal, além do vocabulário sufocado e cifrado da periferia.

A pichação feita na Belas Artes é feita com letras estilizadas, quase ilegíveis para quem está acostumado ao alfabeto latino tradicional. A tipografia é tratada para refletir ou uma linguagem fechada, ou o estilo do pichador. Ao ser utilizado nos protestos contra o Estado em 2013, o picho assumiu formas e letras tradicionais. Foi lido pela maioria das pessoas na rua, concordando com a mensagem ou não.

Foto: Reprodução/YouTube
“Pichação em São Paulo é muito mais interessante do que o grafite na cidade. O que eu vejo eu acho muito kitch, assim. O grafite é um tipo de arte careta, muito careta. A pichação tem uma vantagem sobre isso. Ela pode ser tudo, mas careta ela não é. Tanta coisa boa no mundo não é arte. Eu não entendo por que isso deve ser arte”.

Tiago Mesquita, crítico de arte presente no documentário Pixo.

Entendendo a história de OSGEMEOS, já mencionada, verifica-se que o grafite é uma arte que já estava internacionalizada quando ganhou forma em São Paulo. A pichação tomou um caminho inverso, nascendo com um código próprio da periferia paulistana e dos grupos punks e de roqueiros que estavam na cidade. Da mesma forma, os grafites baseados nos protestos de São Paulo demoraram um tempo maior do que as pichações para ganhar destaque para as pessoas e para a imprensa.

Foto: Divulgação/OSGEMEOS
Otávio e Gustavo Pandolfo grafitaram um manifestante com uma mensagem de protesto após o dia 13 de junho de 2013, quando o repórter Piero Locatelli, da Carta Capital, foi preso por porte de vinagre. OSGEMEOS fizeram uma crítica direta às constantes censuras que jornalistas estavam enfrentando nos protestos, sobretudo da Polícia Militar de São Paulo.

O desenho foi feito na Avenida 23 de Maio, no Bairro do Paraíso e continha os dizeres “Vinagre é Crime”. A prefeitura paulistana apagou a mensagem em meados de julho. OSGEMEOS então colocaram uma segunda mensagem, mais provocadora, mencionando a Constituição Brasileira: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença. Artigo 5º”. A atitude de grafitar, ser apagado e trazer uma nova mensagem ocorreu muito depois das primeiras pichações durante as Jornadas de Junho.

Foto: Divulgação/OSGEMEOS
Ou seja, os protestos deixaram em evidencia o picho, enquanto o grafite manteve sua dimensão artística e até aceita em determinados espaços públicos. Como o senso comum não costuma diferenciar os dois ofícios, quando a pichação ganhou destaque por mensagens da população em mobilização, ela parecia de fato uma arte de rua que refletia aquele momento histórico do Brasil.

Possível conclusão

“A arte antiga tornou-se parte integrante da cultura que veneramos por causa de sua beleza e não por causa de sua verdade ou atualidade”.

BELTING, Hans. O Fim da História da Arte.

No dia 5 de novembro de 2013, o cantor de música pop Justin Bieber grafitou um muro nas ruas de São Conrado, Rio de Janeiro, com conivência das autoridades policiais. Por ser celebridade, o músico não sofreu nenhuma repressão física. Bieber não é pobre, e não tem motivos sociais para se manifestar em um desenho em uma cidade brasileira. Mesmo assim, esteticamente, o artista canadense se sente atraído pela street art e por essas manifestações urbanas de cultura.

Por esse motivo, podemos dizer sim que grafite e pichação são formas esteticamente artísticas, que adquiriram forma com os movimentos musicais presentes nas grandes cidades hoje, acompanhadas por livros e leituras críticas sobre a verticalização das moradias. Em uma cultura de prédios e de grandes corporações capitalistas, criar obras de arte nas paredes de cor cinza é tanto uma manifestação direta quanto um formato adequado de arte, que contrasta com a pintura clássica ou mesmo com o modernismo do começo do século 20. Mesmo a transgressão das formas em Pablo Picasso não chega aos pés dos inúmeros edifícios pichados na capital paulistana. A visão artística do pichador beira a desobediência civil, sobretudo com o risco de cair dos prédios ao fazer um picho ou as perseguições, agressões físicas e processos que ele pode sofrer da polícia e das entidades de justiça brasileiras.

A pichação é paradoxal por consistir, apenas, em letras e palavras escritas de maneira cifrada. No entanto, elas manifestam o desejo subjetivo do artista daquela montagem com sprays de tinta. Não se trata de um desenho, mas apenas de termos rabiscados nas paredes. Beira o vandalismo de acordo com uma visão tradicionalista de arte, cristalizada nos museus, nas grandes curadorias e nos grandes leilões artísticos. Ao pichar um local, passa-se uma mensagem independente de reflexões prolixas sobre a arte. O picho é um ato que está sempre em discussão, mas que adquire uma estética válida, por exemplo, quando representa as vozes de milhões de brasileiros que foram reclamar de seus governantes e de seus políticos. De seus poderosos. No entanto, mesmo quando é considerado como uma estética válida, pode se tornar caso de polícia.

O grafite é parecido quando é reprimido da mesma forma pela autoridades, mas tem um forte apelo de formas por consistir essencialmente de ilustrações, monstadas com tintas, texturas e diversos materiais. Os grafiteiros se destacam como porta-vozes dos protestos, mas também ganham espaço no design de anúncios publicitários e outros formatos comercialmente aceitos pelo mercado.

Arte Fora do Museu, site criado por André Deak e Felipe Lavignatti, foi criado como uma plataforma colaborativa em 2011 e ganhou o prêmio Web’s Got Talent em 2013, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) , pelo Núcleo de Coordenação do Ponto BR (NIC.br)  e pelo W3C Brasil. A página online traz uma premissa simples: Catalogar a arte tipicamente de rua em forma de mapas e bancos de dados.

Mais de 100 cidades brasileiras foram catalogadas e, agora, o projeto está começando a rastrear a street art em cidades como Barcelona (Espanha), Montevidéu (Uruguai) e Nova York (EUA). Deak e Lavignatti, dois jornalistas, não embolsaram um centavo do projeto, mas conseguiram patrocinadores e apoios para sustentar o site. O Governo Federal, o Ministério da Cultura e o Festival Cultura Inglesa foram algumas das entidades que contribuíram para a expansão e inclusão de colaborações na internet. Os mapas podem ser configurados e complementados por visitantes do site.  

Mesmo com essas possibilidades, o site não fez um mapeamento de pichações. As artes incluídas como categorias do site são arquitetura, grafite, colaborativa e mural. O picho, sendo uma expressão típica da periferia e dos excluídos, é controversa e não possui uma memória consistente. Dentro da iniciativa de Deak e Lavignatti, o grafite já está se tornando uma história em mapas e perfis de artistas, mesmo sobrevivendo fora de museus e de algumas galerias culturais.

Foto: Reprodução/Arte Fora do Museu
Referências

Livros
BELTING, Hans. O Fim da História da Arte. Editora Cosac Naify. 2003.
COTTINGTON, David. Cubismo. Editora Cosac Naify. 2004.

Documentários
MESQUISA, Marcelo. VALIENGO, Guilherme. Cidade Cinza. 2013.
WAINER, João. OLIVEIRA, Roberto T. Pixo. 2009.

Sites
DEAK, André. LAVIGNATTI, Felipe. Arte Fora do Museu. 2011.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Pelo quinto ano consecutivo, Bola da Foca está entre os 100 blogs de comunicação do TOPBLOG

Concurso promovido desde 2009, o TOPBLOG premia o Bola da Foca desde seu começo. Pela quinta vez seguida, fomos certificados como um dos 100 melhores blogs de comunicação, entre mais de 200 mil sites cadastrados.

2009, 2010, 2011, 2012 e 2013/14. Nenhuma dessas cinco conquistas teria sido possível se vocês não visitassem, interagissem e fizessem sugestões para este blog que preza pelo jornalismo colaborativo, voluntário e livre. E que venham mais prêmios, enquanto batalhamos por mais informação, espaço e qualidade na internet.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Alain de Botton recorre à filosofia para criticar a imprensa

Tradução: Fernanda Lizardo, edição de Leticia Nunes. Com informações de Masha Goncharova [“Why must the news be so newsy?”, The New York Times, 4/3/14]
Do Observatório da Imprensa, por Creative Commons.

O escritor suíço-britânico Alain de Botton, fundador da School of Life, é considerado uma espécie de “filósofo pop”. Seus livros aplicam conceitos filosóficos na resolução de dilemas cotidianos. Ele se assume escritor de autoajuda e já abordou assuntos como amor, arte, religião e arquitetura. Em sua mais recente obra, De Botton aplica este mesmo formato para discutir a imprensa moderna.



No início de março, o escritor se apresentou no evento literário Unbound, organizado pela Brooklyn Academy of Music, em Nova York, para falar de The News: a user’s manual (“As notícias: manual do usuário”, em tradução livre).

Segundo De Botton, o livro parte da ideia de que, atualmente, a notícia ocupa na sociedade uma posição antes pertencente à religião (ideia emprestada de Hegel). “Lemos notícias quando acordamos e quando vamos dormir”, declarou o autor, completando: “Certamente estamos numa época em que iniciamos o domingo lendo notícias em vez de ir à igreja”.

Críticas



Críticos ficaram confusos com a definição vaga de notícia – as citações apresentadas no livro vão desde textos de jornais tradicionais até postagens de blogs de fofocas de celebridades – e pela ausência de fontes acadêmicas e dados estatísticos na obra.

Em comentário para o diário americano Boston Globe, o jornalista James Sullivan escreveu que De Botton é “lamentavelmente deficiente” na pesquisa. Peter Preston escreveu no britânico Guardian que o livro poderia ser “irritante, bem como estimulante”, e criticou De Botton por “meramente bancar o consumidor insatisfeito”.

Durante a palestra na Brooklyn Academy, o autor defendeu a postura sombria de seu livro para com a imprensa moderna. “A notícia nos leva à beira de algo profundamente interessante, mas daí nos abandona ao processo que Aristóteles chama de catarse”, disse, referindo-se à forma como as notícias do mundo moderno estabelecem os fatos, porém resistem a chegar a qualquer conclusão ou expor vieses.

Ele afirma ainda que a notícia deve fazer mais para explicar a relevância dos acontecimentos atuais e aponta duas maneiras de manter um indivíduo politicamente passivo: suprimir todas as notícias dele (como no caso da Coreia do Norte), ou inundá-lo com informações. "Quem se lembra do que aconteceu nos noticiários na semana passada?”, questionou. “Ninguém consegue se lembrar de nada. É impossível”.

Visão utópica

Apesar dos argumentos dos críticos, muitos na plateia da palestra pareceram acolher as críticas do escritor. Assim que o microfone foi aberto para perguntas, um espectador questionou por que atualmente a mídia parecia “detonar” figuras supostamente apresentadas como heroicas desde nossa infância, como policiais, professores e bombeiros. Outras perguntas tocaram em situações hipotéticas, como uma agência de notícias que só apresentasse notícias positivas.

Na visão utópica de De Botton, jornalistas explicariam as “verdades que já conhecemos” em vez de ficar tentando publicar histórias mais recentes e mais reveladoras. Um membro da plateia desafiou esta versão ideal, apontando que a indústria, na verdade, visa o lucro ao levar informações recentes ao público. De Botton rebateu que o futuro do jornalismo dependerá de “micropagamentos por conteúdo fragmentado” ou da forma atual como as pessoas pagam por assinaturas. “Alterar o modo como as organizações de notícias ganham dinheiro vai mudar fundamentalmente a nossa democracia”, concluiu.

Recentemente, Alain de Botton criou um blog de notícias, o The Philosopher’s Mail (o nome é uma brincadeira com o tabloide britânico The Daily Mail). Os artigos são escritos por membros da School of Life, organização com sede em Londres que promove cursos, livros e eventos voltados à inteligência emocional. O blog apresenta fofocas de celebridades, incluindo entrevistas imaginárias com as “almas” de celebridades ao lado de notícias e artigos opinativos.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Como Jimmy Page passou a usar a guitarra gêmea

Jimmy Page participou de um documentário chamado It Might Get Loud (A Todo Volume, do diretor americano Davis Guggenheim), lançado em 2009. O filme mostra a interação entre Page, um guitarrista clássico dos anos 1960 e 1970, com The Edge (U2), dos anos 80, e Jack White (White Stripes), dos anos 2000. O estilo diferente dos três mostra como Edge ficou preso ao punk rock e aos efeitos, enquanto White cultiva uma pegada mais purista e voltada ao blues. Page empolga no filme por sua pegada única na guitarra modelo Gibson Les Paul e seu estilo mais versátil, que funciona com efeitos e com experimentalismos, como o uso de arco de violino.


No filme, Jimmy Page aproveita para explicar como passou a utilizar a "guitarra gêmea" nos shows após a gravação do álbum Led Zeppelin IV, que originalmente não tinha título. O instrumento de Page é uma versão modificada da SG da Gibson, com dois braços. O músico explica no documentário de maneira clara o uso deste tipo específico de guitarra elétrica:

"A guitarra de dois braços surgiu com Stairway To Heaven. Originalmente, ela foi composta e era tocada no violão de 12 cordas. Pensei: Como tocarei isso no palco? Essa guitarra especial permitia que eu tocasse todas as cordas, utilizando um segundo braço de seis cordas para os solos".


O documentário It Might Get Loud está disponível no sistema de streaming Netflix do Brasil.

E ai, gostou de saber que uma das músicas mais icônicas do rock clássico fez Jimmy Page mudar de modelo de guitarra? Não deixe de comentar.

domingo, 16 de março de 2014

Um duelo entre homem e máquina no RoboCop de José Padilha

[AVISO: Contém alguns spoilers, mas nada sobre o final do filme]

Uma mão humana com uma arma de choque elétrico e uma mão mecânica com uma arma automática letal. O debate entre livre-arbítrio cerebral e a estrutura de um robô de combate. Com esses duelos em mente, o diretor brasileiro José Padilha topou fazer um remake do filme RoboCop, originalmente lançado em 1987, que chegou em fevereiro de 2014 aos cinemas do mundo todo. Foi a reunião de uma produção de Hollywood com a visão crítica de um cineasta do Brasil.

Eu aviso de antemão: Não farei comparações com o filme original do holandês Paul Verhoeven, que criticava o corporativo e o governo neoliberal de Ronald Reagan. A realidade que vivemos não é a mesma de 1980. Os problemas atuais são outros e foi exatamente esta a mensagem que Padilha buscou passar. Muitos críticos e parte do público rejeitou este longa-metragem pela falta de similaridades no roteiro. Eu não acho que a comparação é válida, porque é uma releitura. A análise deve ocorrer dentro deste novo contexto.


O filme começa com o apresentador Pat Novak (Samuel L. Jackson) defendendo a robotização e a mecanização dos exércitos dentro dos Estados Unidos. Em um programa de TV similar ao da emissora conservadora americana Foxnews, Novak apoia abertamente o empresário Raymond Sellars (Michael Keaton) contra o senador Hubert Dreyfus (Zach Grenier), que proibiu o uso de robôs dentro do país. O debate é se a mecanização de fato garante mais segurança para os americanos. O que se vê na televisão, com atentados a bomba no Oriente Médio, é que os robôs são máquinas eficientes para matar, mas não são necessariamente pacificadores.


Sellars tem uma ideia inovadora, com ajuda de cientistas: Por que não criar um policial humano em um corpo robótico. O atentado com o detetive da polícia Alex Murphy (Joel Kinnaman) se transforma na oportunidade perfeita para criar o primeiro RoboCop. Ele servirá à empresa de Raymond Sellars, a OmniCorp.

A transformação de homem em máquina ocorre com sucesso graças ao Dr. Dennett Norton (Gary Oldman), que salva os pulmões, o cérebro, o rosto e a mão de Murphy. A cena em que ele visualiza o que sobrou de seu corpo é uma das mais fortes do longa. Outra parte bacana é quando o RoboCop é testado contra androides da OmniCorp, em um tiroteio com música Hocus Pocus, da banda de rock progressivo Focus.


RoboCop começa com um traje cinza em seu treinamento, mas ganha uma roupa preta "mais tática", o que gerou comentários antes mesmo da estreia do filme, criticando a mudança em relação ao filme original. A realidade é que a roupa escura está ligada ao duelo interno que Murphy enfrenta enquanto tenta ser humano dentro de um corpo de máquina.


O debate de Padilha neste filme tem um contexto: Drones, robôs voadores, são utilizados pela empresa de varejo digital Amazon desde o final de 2013. Como o mercado já está adotando essas máquinas, o exército estuda utilizar robôs em guerras, para diminuir as baixas humanas. Essas máquinas realmente ajudariam os homens ou só aumentariam o número de mortes em combates? Como esses robôs agiriam diante de civis?

O diretor brasileiro tem currículo para fazer esse tipo de filme crítico: Começou nos documentários Os Carvoeiros (2000) e Ônibus 174 (2002); fez dois filmes sobre o BOPE e a Polícia Militar no Rio de Janeiro em Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010). Tropa 1 foi o filme mais pirateado no Brasil. Em Tropa 2, Padilha controlou a distribuição para evitar a pirataria e foi seu longa de maior sucesso comercial. Seus temas analisam o tráfico de drogas, os abusos das polícias e o descaso dos governos em terras brasileiras.

Ao decidir fazer o remake de RoboCop, Padilha tem como alvo claro o conservadorismo do Partido Republicano norte-americano, os excessos das guerras dos Estados Unidos e a discussão sobre o uso de tecnologias em casos que envolvem vidas humanas. Além deste parâmetro crítico, o filme traz um pouco de realismo nas cenas de tiroteio, um traço de sua direção nas filmagens de favelas com treinamento do BOPE, a tropa de elite da PM carioca.

A trilha-sonora do brasileiro Pedro Bromfman resgata o tema original de RoboCop, mas é minimalista e não chama tanto a atenção. Já a atuação de Joel Kinnaman como Murphy se destaca pela similaridade entre o policial robótico e os androides da OmniCorp.

Para encerrar esta resenha, recomendo assistir o Roda Viva, que passou na TV Cultura, com o diretor José Padilha sobre RoboCop. Confira abaixo:


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