Raridade: a maioria das músicas são próprias |
Alguém muito bom, acho que Bruce
Springsteen, disse uma vez que um artista não se mede pelo que ele pode fazer
em um estúdio, mas sim pelo que pode fazer em um palco. É lá, com a
responsabilidade de conduzir milhares de pessoas que o real artista se revela.
Pois bem, no último sabádo tive a “oportunidade” de acompanhar os dois extremos
de um estilo que não acompanho (um modo educado de dizer “não curto nem um
pouco”), mas que sempre tive contato por conta de amigos: o sertanejo. Na Festa
do Peão de Barretos, evento que vou anualmente pelo simples fato de ter nascido lá,
tocaram no mesmo dia, um atrás do outro, Chitãozinho & Xororó e Gustavo
Lima.
A frase que citei no inicio do
texto me veio a mente logo após a primeira hora de show de Chitãozinho & Xororó (por algum motivo eu estava prestando atenção). Devo conhecer, se muito,
umas 6 músicas da dupla, mas sempre respeitei pelo que fizeram na música popular do Brasil. São mais de 30 anos de carreira ajudando a levar um som que era
restrito a pequenas cidades do interior para grandes centros, incluindo São
Paulo. E, acreditem, é possível perceber estes 30 anos de experiência no palco.
A dupla conduz o público, claramente sabendo o que estão fazendo, o que estão
tocando e, tecnicamente, entregando o que precisam entregar.
Porém, existe um ponto que se
sobressai a tudo isso para quem tem a sensibilidade para perceber. Chitãozinho
& Xororó, no palco, são honestos. É do tipo de qualidade que precisa ser
reconhecida por qualquer um que aprecie música, independente do estilo. Quando
ambos tocam um novo arranjo pra uma moda de viola clássica em um arena com
30.000 pessoas, percebe-se que fazem isso por amar a música, não para agradar
aquele público (que nem estava se importando muito mesmo). Chitãozinho & Xororó tocam o que de fato é a música sertanjea. O que só piora o contraste com
o que veio logo em seguida.
Se alguém me dissesse que eu
estava em um show de rock adolescente quando Gustavo Lima entrou no palco, eu
acreditaria. Cabelo à la Neymar, oculos escuros às duas da manhã e jaqueta de
couro em uma cidade que faz 32º no inverno. Tudo isto, acompanhado do título
de “maior revelação da música sertaneja no Brasil”, segundo o anunciador. Vou
ser direto. Tudo, absolutamente tudo, que envolve Gustavo Lima e variados (só
penso em Luan Santana, deve ter outros) soa absurdamente produzido,
reproduzido, repaginado e processado.
Durante os pouco mais de 80 minutos
de show – sério, só isso –, eu senti como se estivesse vendo um banda cover de formatura
muito ruim. É impressionante que um cantor do porte deste rapaz, e seu sucesso
de fato é inegável, apresente apenas 5 músicas próprias no show mais importante
que vai fazer no ano! Boa parte das demais músicas eram covers de outras
músicas-chicletes do mesmo genêro, o sertanejo universitário, também feitas por
artistas que só tem elas como produto relevante (teve até espaço pra música de axé!). Ou seja, a indústria da música
de sucesso hoje no país produz artistas que canibalizam o proprio produto como
modo de justificar a morte de um modelo clássico de negócio, que tinha shows
gigantescos.
A falta de originalidade e
identidade é tão gritante que ganha contornos cômicos. Logo após demonstrar ser
um dos piores tocadores de viola que a música brasileira já produziu e abrir
com uma “poesia” afirmando ser, nas palavras dele, caipira da roça, Gustavo
Lima emendou covers de Sweet Child O’Mine, do Guns n’Roses, e de Smoke on the
Water, do Deep Purple. A grande questão que fica é: será que o público se
importou com isso? A resposta é obvia: não. Boa parte das trinta mil pessoas
presentes provavelmente dirão que o show do Gustavo Lima foi o melhor do dia,
afinal, com ele ficou mais fácil pegar alguém. Nunca me importei com esta
justificativa pois até pouco tempo atrás ela era restrita a festas e festivais,
mas o fato de que isto se tornou o norte de grande parte da indústria músical
brasileira é muito preocupante. Hoje somos um país em que aquilo que é original
abre o show do que é pausterizado. Se serve de consolo, Chitãozinho & Xororó, tenho muito mais respeito por vocês depois que vi o que fazem ao vivo.