terça-feira, 27 de agosto de 2013

Mario Sergio Conti equipara Dirceu, A Biografia com A Privataria Tucana

Em uma tréplica ao editor do livro de Dirceu, Carlos Andreazza, que chamou suas críticas de ressentidas no jornal Folha de S.Paulo, Mario Sergio Conti argumentou que uma "biografia com cinco dúzias de disparates é imprestável para entender uma vida". O ex-diretor da revista Veja continuou seu ataque ao atual editor executivo da mesma publicação.


Quando Andreazza insinua que Conti supostamente defende o político petista, o "mensaleiro", o jornalista respondeu no mesmo tom: "Isso é desconversa para fugir do assunto, as inconsistências do livro que ele editou. Mas registro: já critiquei a política de José Dirceu dos anos 60 aos 2000, da luta armada às loas à ditadura cubana, do arreglo com a burguesia à arrecadação criminosa de fundos para o PT".

Conti finaliza com um parágrafo polêmico, que provavelmente provocará a ira de parte da esquerda política que defende um determinado livro: "A disputa política vem se tornando deletéria devido a livros que não prezam a verdade, que é sempre revolucionária e nos fará livres. Eles só servem para animar o xingatório de corjas. Tais livros se equivalem: Dirceu ombreia A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr, em incompetência, leviandade e má-fé".

Gostando de Privataria ou não, gostando de Dirceu ou não, Mario Sergio Conti faz uma defesa, ácida é verdade, de uma reportagem rigorosa, e de biografias com boa qualidade histórica. Conti não deixa de atacar, de frente, jornalistas mais novos do que ele, que não mantém uma qualidade em seu próprio trabalho.

Via Brasil 247 e Folha.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Escândalo do Metrô de São Paulo: O repórter que descobriu o whistleblower

Por Bryan Gibel.
Da Agência Pública, por Creative Commons.

Há três anos, o jornalista Bryan Gibel veio de Berkeley para investigar a corrupção no metrô de São Paulo, conhecida pelo nome de Tucanoduto (dado principalmente pela revista IstoÉ); foi ele quem publicou pela primeira vez a carta, que apareceu agora na imprensa brasileira, e entrevistou o ex-executivo que revelou o escândalo

Whitleblower é um termo em inglês para a palavra em português denunciante

Origem do escândalo do metrô de São Paulo

Em um dia frio e nublado em São Paulo, entrei em um escritório bagunçado, escondido nos meandros da Assembléia Legislativa, e me vi diante do ex-executivo da Siemens que há mais de um mês eu tentava localizar.

Dois anos antes, esse homem de identidade sigilosa havia entregue a deputados do PT documentos que descreviam minuciosamente como dois dos maiores conglomerados europeus – a francesa Alstom e a alemã Siemens – tinham distribuído propinas por mais de uma década para conseguir contratos de construção e operação das linhas de metrô e do sistema de trens da região metropolitana de São Paulo. Os documentos tinham sido enviados pelo PT, em agosto de 2008, ao Ministério Público de São Paulo, que já participava de uma investigação sobre a Alstom a convite de autoridades suíças.

Depois que me apresentei, ele disse que eu era o primeiro repórter com quem falava sobre Alstom e Siemens, e que me daria a entrevista com a condição de manter o anonimato, porque temia por sua segurança. Também me entregou cópias de duas cartas escritas por ele, relatando, em detalhes, como Siemens, Alstom e outras companhias multinacionais no Brasil haviam pago propinas e formado cartéis ilegais para ganhar contratos públicos de milhões de dólares  em São Paulo e Brasília. Contratos e documentos sustentavam a denúncia, e nomeavam os políticos e funcionários públicos que, segundo ele, tinham recebido dinheiro – havia até informações bancárias sobre os pagamentos ilícitos.
Hoje, passados mais de 3 anos, aquele encontro ganhou um novo significado. Em maio deste ano, as investigações sobre corrupção que até então envolviam a Alstom culminaram em um grande escândalo no Brasil depois que, em troca de imunidade, a Siemens e seus executivos passaram a colaborar com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, dando depoimentos e entregando documentos que indicam que a Siemens e mais de 20 pessoas pagaram propinas e formaram cartéis ilegais para ganhar contratos do governos do Estado de São Paulo e do Distrito Federal de quase 2 bilhões de reais.
As cartas e documentos que o ex-executivo da Siemens me entregou em São Paulo retratavam esse quadro de distribuição de propinas e corrupção em larga escala no setor metroferroviário brasileiro. Muito do que está sendo dito no CADE já havia sido relatado por aquele ex-executivo à direção da Siemens, assim como a conexão com o escândalo da Alstom, investigado desde 2008, e que no mesmo agosto deste ano, resultou no indiciamento de dez pessoas, entre elas dois ex-secretários de Estado do PSDB de São Paulo (http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/caso-alstom-pf-ve-pagamentos-de-propina-e-indicia-10)

Investigando a corrupção, a mais de 6 mil milhas de casa

O caminho que acabou por me levar a essa valiosa fonte havia começado 10 meses antes, no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley, a mais de 6 mil milhas de São Paulo. Fluente em português, fiquei empolgado quando um professor me falou sobre seu interesse em investigar um escândalo de corrupção no Brasil, envolvendo centenas de milhares de dólares.

Desde 2008, a Justiça e a polícia na Suíça, França e, de forma mais pontual, na Inglaterra e nos Estados Unidos, tinham aberto investigações sobre o esquema de propinas da Alstom ao redor do mundo. Parte das investigações feitas na Suíça envolviam o Brasil e, depois de avisados pelos suíços, membros do Ministério Público de São Paulo também começaram a apurar pagamentos suspeitos feitos pela companhia, associados a contratos para fabricar, instalar trens, sistemas de sinalização e vagões do metrô na região metropolitana.

Depois de uma semana de pesquisa e conversa com jornalistas brasileiros, decidi procurar os membros do PT na Assembléia, que há dois anos tentavam abrir uma CPI para investigar o caso, bloqueada pela maioria governista (o PSDB, partido do atual governador paulista, está há 18 anos no poder no Estado).

Nem telefonei antes. Preferi me apresentar pessoalmente e peguei o metrô, embarcando em um vagão novinho com o logotipo da Alstom em todas as janelas. Tive que fazer duas baldeações e andar 1 km para pegar um ônibus para a Assembléia, o que resultou em uma viagem de duas horas. O que não é uma experiência rara para os usuários do precário sistema de transporte público de São Paulo.

Encontrei a assessora de comunicação do PT no hall do imponente prédio da Assembléia. Tomamos um café juntos e eu perguntei sobre o caso Alstom. Ela disse que seria melhor conversar com um dos deputados, o que teria que ser agendado, mas, enquanto isso, disse, ela poderia me entregar a cópia de um dossiê organizado pelo PT sobre o caso. Recebi o calhamaço com centenas de páginas de documentos presos por grampos. Não tive nem que tirar xerox.

O dossiê incluía contratos, relatórios policiais, dados estatísticos e uma coleção de matérias publicadas na imprensa brasileira. As informações indicavam que, entre 1989 e 2007, a Alstom e suas consorciadas ganharam pelo menos 139 contratos no valor de 7,6 bilhões de reais do governo  do Estado de São Paulo. Quase todos os contratos eram referentes ao metrô de São Paulo e à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Do total, quase 1,4 bilhão de reais se referiam a contratos considerados irregulares pelo Tribunal de Contas, de acordo com o dossiê.

Parte das informações já eram de conhecimento público. Em maio de 2008, a polícia suíça marcou uma reunião com membros do Ministério Público de São Paulo para falar sobre pagamentos de US$ 6,8 milhões que teriam sido usados como propinas para ganhar um contrato de US$ 45 milhões do metrô, de acordo com matéria do Wall Street Journal. Entre os documentos obtidos pelo repórter, alguns se referiam a aditivos de 110 milhões de reais, de 1998, que prolongavam a validade de um contrato assinado 15 anos antes.

Um memorando timbrado de 1997 a respeito desse contrato dizia bastante sobre o esquema. Nele, Bernard Metz, então executivo da Alstom informava a um colega que companhia pagaria 7,5% de propina pelo contrato a um indivíduo com as iniciais R.M. “É um pagamento para o governo local”, Metz escreveu em francês. “Está sendo negociado por um ex-secretário do governador”.

De acordo com as investigações policiais, esse ex-secretário era Robson Marinho, chefe de gabinete do governo Covas entre 1995 e 1997.  Marinho, que depois se tornou conselheiro do Tribunal de Contas Estadual, o órgão de auditoria das contas públicas de São Paulo, muitas vezes deu o voto decisivo para aprovar a legalidade de contratos da Alstom hoje investigados. Ele chegou a admitir que assistiu a Copa do Mundo de 1998 em Paris às custas da Alstom – embora seja um homem próspero, dono de uma ilha no Rio de Janeiro e de um prédio de oito andares em um bairro nobre em São Paulo.

Em junho de 2009, as autoridades suíças bloquearam uma conta de Marinho sob suspeita de que tivesse sido usada pela Alstom para pagar propinas via depósitos offshore. No mês seguinte, o Ministério Público de São Paulo fez o mesmo com as contas bancárias de Marinho e de mais 18 suspeitos.

Outros documentos que obtive em São Paulo revelavam mais sobre o esquema atribuído a Alstom. Em depoimento juramentado ao MPE, em 2008, Romeu Pinto Júnior, suspeito de lavagem de dinheiro, disse que um ex-executivo da Alstom chamado Philip Jaffre, já falecido, havia montado várias companhias offshore no Uruguai e nas Ilhas Virgens para fazer circular secretamente os recursos da companhia que seriam pagos a políticos brasileiros. Os políticos recebiam em dinheiro, em encontros em restaurantes.

Em depoimento da mesma época, outro suspeito de lavagem de dinheiro, Luís Filipe Malhão e Sousa, disse ter usado várias empresas para distribuir as propinas da Alstom e lavado dinheiro através de vários bancos em Nova York. Mais de um milhão de dólares foram transferidos pelas empresas de Sousa nessas transações entre 1998 e 2002.

Em agosto de 2008, segundo documentos oficiais, pelo menos dez contratos da Alstom estavam sendo investigados pelo Ministério Público de São Paulo. Mas as tentativas do PT de abrir uma CPI continuavam sem obter os votos necessários na Assembléia.

Boa hora para um encontro rápido de muitas consequências

Enquanto rastreava o ex-executivo da Siemens, fui muitas vezes a Assembléia para conversar com deputados e assessores legislativos sobre os documentos compilados no dossiê. Em uma dessas visitas, ao entrar no departamento de pesquisas do PT, escondido em um canto da Assembléia, um homem magro, com alguns cabelos grisalhos disfarçando a careca, me disse, entusiasmado, que eu tinha chegado em boa hora. “Tem alguém aqui que eu quero que você conheça”. E saiu. Voltou pouco depois para me conduzir até uma sala de reuniões com uma mesa grande. Ali estava sentado um homem de olhar intenso, que me observava silenciosamente.

Depois de breves apresentações, ficou claro que o homem com quem eu estava falando era o ex-executivo da Siemens que eu procurava, com informações de primeira mão sobre a Alstom, Siemens e outras empresas que atuam no setor metroferroviário de São Paulo.

Contei-lhe o que já havia descoberto em minhas investigações sobre as acusações à Alstom. Do outro lado da mesa, ele me olhou e assentiu com a cabeça.  Após uma conversa rápida, off the record, ele me disse: “Infelizmente você me pegou em um momento ruim, tenho que ir embora”. Antes de sair, porém, ele pegou uma pilha de papéis grampeados e me entregou. “Você é uma das pouquíssimas pessoas a ver isso”, disse. “Acho que vai achar interessante.”

Pedi mas não obtive seu contato e ele saiu rapidamente da sala, dizendo que eu poderia achá-lo através de meus conhecidos na Assembléia. Peguei um táxi e corri para casa para olhar os documentos.

Duas cartas e muitas revelações sobre o que se tornaria um escândalo

O primeiro era uma carta escrita em inglês endereçada ao Dr. Hans-Otto Jordan, em Nuremberg, Alemanha, em junho de 2008. Jordan, eu saberia depois, era o ombudsman da Siemens – um advogado contratado pela companhia para ouvir os empregados que quisessem fazer denúncias sobre práticas inapropriadas de negócios na companhia.

Na carta de oito páginas, o ex-executivo fornecia informações e documentos que compunham o que ele chamava “As práticas ilegais do presente e do passado da Siemens no Brasil”. E focava três contratos do setor de transportes metropolitanos com o cuidado de destacar que o mesmo esquema também era muito utilizado pelas divisões de equipamentos médicos e de energia da Siemens.

A primeira coisa que me chamou a atenção na carta foi o nível de detalhes sobre os casos relatados. Para cada contrato discutido, a fonte nomeava as companhias envolvidas, dizia os valores e a quem as propinas haviam sido pagas, nomeando os funcionários de alto escalão do governo de São Paulo e do Distrito Federal que receberam o suborno.

Dois dos três contratos denunciados eram acordos para expandir o sistema metropolitano de trens. O primeiro era um contrato de 288 milhões de dólares, assinado em 2000, para ligar uma linha de trem – a G da CPTM – à linha 5 do metrô, a linha lilás, com apenas cinco paradas, que vai do Largo Treze ao Capão Redondo, no extremo da zona Sul de São Paulo.

Quase dois terços desse dinheiro vinha do governo de São Paulo; o resto tinha sido financiado pelo BID de acordo com os registros oficiais. Esse contrato, anexo à carta do executivo, tinha sido dividido entre várias companhias, incluindo a Alstom, a Siemens, a Daimler Chysler, a grande companhia espanhola CAF e vários pequenos parceiros e subcontratados.

Para garantir o contrato, a Alstom havia costurado um acordo com as outras companhias para oferecer preço inferior ao dos concorrentes na licitação da nova linha de metrô, segundo o ex-executivo. Depois, dividiriam o bolo. Cada uma das empresas pagaria uma parte das propinas aos funcionários do governo estadual, correspondentes a 7,5% do valor do contrato, segundo a carta.

Siemens e Alstom camuflavam o dinheiro das propinas através de duas companhias no Uruguai - Leraway Consulting e Gantown Consulting-, e duas brasileiras, Procint e Constech, de propriedade de Arthur e Sergio Teixeira, segundo a carta. Os recursos eram então transferidos para o Brasil onde as propinas eram pagas em dinheiro vivo.  Os documentos dos contratos com as firmas uruguaias, assinados pela Siemens em Munique em abril de 2000, também foram anexados.

O próximo grupo de documentos se referia a contratos com o governo estadual para fabricar e colocar em operação dez trens comprados pela CPTM. Em 1997, a Siemens ganhou um contrato no valor de 103 milhões de marcos alemães para vender dez trens para a CPTM. Pelo acordo, a companhia dividiria o contrato com a empresa japonesa Mitsui, que se encarregaria do suporte e treinamento técnico; mas o papel verdadeiro da Mitsui, segundo a denúncia, era o de pagar propinas para os funcionários da CPTM, sempre de acordo com a carta do ex-executivo.

“O contrato era apenas uma 'cortina de fumaça' para ocultar sua função real, que era subornar o cliente”, ele escreveu.

Cinco anos depois, a Siemens assinou mais um contrato com a CPTM para operar e manter os vagões vendidos em 1997. A companhia obteve o negócio subcontratando a empresa brasileira MGE Transportes, então dirigida por Ronaldo Moriyama, conhecido por “sua atitude agressiva e arriscada” ao subornar funcionários do governo para obter contratos, escreveu o ex-executivo, que chegou a nomear os que teriam recebido as propinas da MGE. “Muitos diretores do Metrô de SP e da CPTM estão na folha de pagamentos dele (Moriyama) há anos”, dizia a carta. “Os mais conhecidos eram:  Décio Tambelli (ex-diretor de operações do Metrô), Jose Luiz Lavorente (ex-diretor de operações da CPTM) e Nelson Scaglione (Gerente de Manutenção do Metrô de SP ).”

O ex-executivo também detalhou o esquema de propinas da Alstom no Metrô em Brasília que, segundo a carta, funcionava há anos. Para garantir os contratos, a companhia pagava 700 mil reais de propina por mês ao ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, e diretores do metrô, escreveu o ex-executivo. Quando a Siemens substituiu a Alstom no mesmo contrato, o governador Roriz não se incomodou, “desde que o vencedor da concorrência continue a pagar a 'taxa'” dizia a carta. No final, o ex-executivo diz que o suborno continuava sendo uma prática da Siemens no Brasil, acrescentando: “Essa atitude conta com as bençãos do principal executivo da companhia no Brasil”.

Uma segunda carta endereçada ao Ministério Público

Uma segunda carta, essa escrita em português, em 2010, foi me entregue pelo ex-executivo. Depois eu descobriria que essa carta – dirigida a “Prezados Senhores - tinha sido remetida ao Ministério Público Estadual pela bancada do PT na Assembléia em fevereiro de 2011, com mais um pedido formal de investigação – o que vinha sendo feito pelo partido desde 2008.

Nela, o ex-executivo detalhava ainda mais o esquema de propinas da Siemens e o papel da MGE, subcontratada pela Siemens para executar o contrato de manutenção da CTPM, vencido em 2002, no valor de 34 milhões de reais. O verdadeiro propósito da parceria, dizia a carta, era canalizar propinas para os diretores da CPTM e para políticos do PSDB e do PFL (atual DEM) em São Paulo.

Durante os cinco anos de vigor do contrato, a Siemens transferiu à MGE mais de 3 milhões de reais para serem usados nas propinas, fingindo pagar por serviços que nunca foram realizados, de acordo com a fonte. O dinheiro era depositado nas contas pessoais dos diretores da MGE e pagos para o já citado José Luiz Lavorente, então diretor da CPTM. Segundo a carta, Lavorente guardava o seu quinhão e distribuía o restante a políticos de São Paulo. A MGE ficava com 23% do dinheiro das propinas, e a Siemens obtinha um grande lucro, superfaturando em até 30% os contratos da CPTM, segundo a carta. O mesmo arranjo era utilizado pela Siemens para ganhar licitações de contratos lucrativos com o Metrô de São Paulo e de Brasília, de acordo com o ex-executivo.

Mais uma vez as denúncias eram acompanhadas de documentos, dessa vez informes detalhados de pagamentos da Siemens à MGE de 2002 to 2006, com números de cheques e datas das transações para pagar as propinas.  “O papel principal da MGE nos contratos com a Siemens Ltda. (Brasil) foi e continua sendo o pagamento de propina a diretores da CPTM, Metrô SP e Metrô DF (Brasilia)”, escrevia a fonte. “O cruzamento dos saques efetuadas pela MGE com os pagamentos efetuados pela Siemens a esta empresa pode provar o esquema milionário de corrupção patrocinado pela Siemens e MGE na CPTM, no Metrô de SP e no Metrô do DF.”

Por fim, a tão sonhada entrevista

O potencial de impacto dessas informações era quase impensável. Antes de ir embora do Brasil, decidia que faria todo o possível para me manter em contato com essa fonte.

Mas isso não era nada fácil, como percebi nas semanas seguintes em que fui diversas vezes à Assembléia para tentar um novo encontro com o ex-executivo. Até que um dia, uma semana antes do dia marcado para o meu vôo de volta à Califórnia, dei de cara com o homem que havia me apresentado ao ex-executivo no mesmo departamento de pesquisas do PT.

“Que bom te ver”, ele me disse, sorrindo. “Falei com o seu contato ontem. Ele vai estar em São Paulo na quinta-feira e pode te encontrar às 6 da tarde”. Meu vôo partiria na manhã seguinte às 9h30 da manhã. “Vou chegar 15 minutos antes”, respondi.

Naquela noite quase não dormi. Arrumei a mala, escaneei meu cérebro em busca de cada detalhe que eu deveria perguntar e acabei indo para a cama de madrugada. No dia seguinte, na hora marcada, encontrei o ex-executivo na mesma sala que o vi pela primeira vez. Ele acenou e me disse “Olá, de novo”. Conversamos sobre os documentos e perguntei se poderia gravar a entrevista. Ele concordou, com a condição de manter o anonimato.

Durante os próximos 45 minutos, ele me deu a primeira e única entrevista já concedida sobre o esquema de propinas e de combinação de preço nas licitações que ele disse ter presenciado pessoalmente. Sempre que um contrato grande do setor metroferroviário é fatiado entre diversas empresas no Brasil, as práticas ilegais são comuns, ele disse.

“Existe sempre um acordo entre elas, uma divisão e um sobrepreço, ou seja, um cartel. Quando tem cartel, tem pagamento, obviamente”, explicou. “Está acontecendo agora (2010) no caso das reformas do metrô. Também na manutenção dos trens da CPTM,” afirmou. Mais adiante ele diria que as subsidiárias brasileiras da Alstom e da Siemens mudaram alguns métodos de pagamentos de propinas depois das investigações na Europa.

“Antigamente ia para as contas na Suíça, para as offshores no Uruguai, mas ficou muito difícil fazer este tipo de pagamento de propina diretamente,” disse. “É por isto que, em geral, eles sempre levam um subcontratado. Imagina, uma Alstom, por exemplo, com uma fábrica aqui no Brasil. Porque precisaria subcontratar alguém para fazer um serviço? Não precisa. No fundo, o que acontece? Aqui precisa de alguém para fazer o trabalho sujo.”

Ele disse que o dinheiro das propinas permitiam às empresas ganhar contratos por preços absurdos e engordar os cofres dos partidos políticos no poder em São Paulo e no Distrito Federal. “Os intermediários ficam com uma parte, e a outra parte vai para os políticos,” disse. “Os políticos solicitam, induzem, vamos dizer assim. Eles querem contribuições para as campanhas, mas a maior parte fica para eles pessoalmente”.

No final da conversa, consegui perguntar uma coisa que estava na minha cabeça desde que li a carta enviada por ele ao ombudsman da Siemens em 2008. Como a Siemens havia respondido às acusações?

Um parêntesis: Em dezembro de 2008, seis meses depois do executivo ter mandado sua carta anônima ao ombudsman, a Siemens havia se declarado culpada ao Departamento de Justiça americano por violações do “Foreign Corrupt Practices Act”, que proíbe as companhias com negócios nos Estados Unidos de pagar propinas em outros países. Como parte de um acordo com a corte americana, a Siemens admitiu ter pago mais de 800 milhões de dólares em propinas ao redor do mundo. No mesmo período, fechou um acordo semelhante com as autoridades alemãs, pagando uma multa total de 1,6 milhão de dólares. O Brasil, no entanto, não foi mencionado nesse esquema.

Voltando a entrevista em São Paulo: o ex-executivo disse que nunca recebeu qualquer sinal de que a Siemens tivesse ido atrás das informações fornecidas na sua carta, apesar das promessas da companhia de reestruturar suas práticas para acabar com a corrupção.

“A Siemens abafou o caso no auge da crise, no momento em que diziam querer limpar tudo. Foi como se nunca tivesse acontecido. Ninguém falou nada, ninguém foi mandado embora. A coisa aconteceu como se fosse tudo normal,” contou o ex-executivo.

“Por algum motivo, o Brasil sempre ficou intocado. A minha interpretação é que eles sabem que isso tem que continuar, e não querem fazer muito barulho, porque eles sabem que se não continuar, eles vão ter menos contratos. E isto é verdade.”

Mais uma vez pedi o contato dele quando a entrevista terminou, e mais uma vez ele me disse que eu teria que procurá-lo através dos nossos conhecidos na Assembléia. E mais uma vez, ele saiu apressado do escritório, desaparecendo no burburinho da metópole.

De volta à Califórnia

Depois de algumas semanas organizando o material coletado no Brasil, contatei o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para saber se, durante as negociações daquele acordo, o Brasil realmente não havia sido citado. Foram semanas de telefonemas até conseguir falar com um porta-voz, que disse que o Departamento não comentaria esse assunto.

Diante do aparente beco sem saída, recorri ao professor que tinha me colocado na história das propinas no Brasil, Lowell Bergman, jornalista premiado com o Pulitzer e diretor do programa de Jornalismo Investigativo da UC Berkeley. Alguns anos antes, quando ele preparava um especial de televisão sobre propinas pagas por companhias no exterior para ganhar concorrências fora dos Estados Unidos, tinha conseguido uma fonte no Departamento de Justiça que havia trabalhado no acordo das propinas com a Siemens.

Mas a fonte disse que não havia menção da Siemens sobre subornos no Brasil e Bergman e eu decidimos confirmar se realmente o ex-executivo brasileiro havia mandado a tal carta para a Siemens na Alemanha. Depois de muita conversa em off com uma fonte da Siemens, ouvi que a companhia tinha realmente recebido a carta em 2008. Mas, como a informação não podia ser confirmada, eu tinha que verificar na própria companhia.

Em fevereiro de 2011, entrei em contato com a assessoria de imprensa da sede da Siemens por email e comecei a ligar para Munique tarde da noite, para compensar as nove horas de diferença de fuso horário. Eu havia feito perguntas bem específicas no meu email: A Siemens tinha informado as autoridades nos Estados Unidos e na Alemanha sobre as denúncias de propinas no Brasil feitas em uma carta enviada ao ombudsman em junho de 2008? Se sim, quando? A companhia tinha remetido a carta para as autoridades?A Siemens tinha aberto um procedimento interno para investigar o assunto? Se sim, quando?

No mês seguinte, o assessor de imprensa respondeu ao email: “Como parte da cooperação em andamento com as autoridades americanas, a Siemens informou ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos e à Comissão de Valores Mobiliários (Securities and Exchange Commission) sobre as denúncias anônimas que foram submetidas por carta ao ombudsman”, escreveu o porta-voz no email.

Quanto às outras questões, foram respondidas em termos muito genéricos: “Como a Siemens não comenta investigações ou processos investigativos, está impossibilitada de comentar as ações específicas ou investigações independentes assumidas pela Siemens em resposta às denúncias,” escreveu, para concluir: “Em relação aos esforços globais de monitoramento da Siemens, incluindo o Brasil, tomou medidas inéditas de autocorreção e limpeza que foram reconhecidas pelos órgãos dos Estados Unidos como 'extraordinárias' e 'as melhores do gênero'. Nós levamos a sério nosso compromisso com altos padrões éticos e temos uma política de 'tolerância zero' com desvios”.

Em outubro de 2011, a companhia demitiu o presidente das operações brasileiras, Adilson Primo, que ocupava o cargo há tempos, afirmando que “uma investigação interna revelou, recentemente, uma grave violação às diretrizes da Siemens na subsidiárias brasileira antes de 2007”. Reportagens ligaram a demissão à descoberta de uma conta privada com cerca de 6 milhões de euros de recursos da Siemens. Um porta-voz disse que a saída de Primo não tinha relação com a carta do denunciante.

Meses depois, em uma apresentação da companhia em janeiro de 2012, a Siemens confirmou que estava sob investigação do Ministério Público em Brasília. Em maio de 2013, o escândalo estourou no CADE.

Grande parte da informação que veio da delação da Siemens ao CADE, corrobora as alegações do ex-executivo. Emails e outros documentos indicam que a companhia associada a outras empresas operava como um cartel para ganhar contratos do governo por preços superfaturados entre 1998 e 2007. Esses contratos faziam parte dos acordos entre Siemens e Alstom para fabricar, manter e instalar trens em São Paulo e Brasília. Os três contratos citados pelo ex-excutivo estão sob investigação, incluindo o da Linha G de trem e lilás de metrô. Até a porcentagem de faturamento – 30% - que consta dos documentos entregues pela Siemens ao CADE, segundo o Estadão, é a mesma. Ao todo, dez promotores vão conduzir 45 inquéritos para investigar atividades suspeitas da Alstom, Siemens e outras em contratos que somam 1,9 bilhão de reais apenas no Estado de  São Paulo.

No começo desse mês de agosto, a revista IstoÉ, em uma grande reportagem sobre o escândalo, revelou indícios de que o dinheiro das propinas da Alstom e da Siemens no setor metroferroviário de São Paulo ajudou a eleger os quatro últimos governadores de São Paulo. Muitos dos que foram acusados de receber propinas na reportagem da revista eram os mesmo citados pelas cartas do ex-executivo, incluindo o ex-diretor de operações da CPTM, José Luiz Lavorente, e o ex-diretor de operações do Metrô de São Paulo, Décio Tambelli.

Novas revelações devem surgir da colaboração da Siemens com os investigadores brasileiros. Mas, os fatos têm mostrado que as acusações do ex-executivo têm fundamento. Ainda assim, Paulo Stark, chefe da subsidiária brasileira da Siemens, afirmou, em depoimento, que “desde 2007”, tem um “sistema de monitoramento para detectar, prevenir e remediar práticas ilícitas que possam ter sido adotadas, encorajadas ou toleradas por empregados ou executivos em qualquer lugar do mundo”.

Felizmente, a carta que me foi entregue pelo ex-executivo da Siemens acaba de ser publicada no Brasil – ela estava disponível, assim como a íntegra do meu trabalho no site da Universidade de Berkeley (http://www.escholarship.org/uc/item/4hb6r5gg#page-10). E as multinacinacionais do setor metroferroviário terão ainda mais a explicar aos conselheiros do CADE. 

Agência Pública lança financiamento coletivo para reportagens

Pública vai financiar 10 reportagens através de doações no Catarse; doadores vão eleger as matérias que serão realizadas.

Da Agência Pública, por Creative Commons.



A Agência Pública lançou seu primeiro projeto de crowdfunding, o Reportagem Pública, com o duplo objetivo de ampliar as bolsas concedidas aos repórteres e a participação do público, que vai poder votar nos projetos que serão selecionados para o financiamento. O prazo para contribuir com a “vaquinha” vai até o dia 20 de setembro. Para doar, clique aqui: http://catarse.me/pt/reportagempublica

Inspirado nos concursos Microbolsas realizados em 2012 e 2013, o Reportagem Pública vai oferecer dez bolsas de R$ 6 mil reais para os projetos de investigação eleitos pelo público, e pretende arrecadar R$ 47.500,00 através de doação pelo Catarse – o restante será obtido através de um match funding com a Fundação Omidyar que vai doar um real para cada real arrecadado  via crowdfunding. Todos os que doarem para o projeto terão direito a votar nas pautas inscritas pelos repórteres (veja abaixo como inscrever seu projeto), que serão publicadas em um site próprio ao final da arrecadação.

“O maior ganho do projeto de crowdfunding é a possibilidade de realizar dez reportagens autorais e de fôlego sobre temas publicamente relevantes, com a seleção de pautas feita pelo público, e não apenas pelo nosso conselho editorial, como no projeto Microbolsas”, diz Marina Amaral, uma das diretoras da Pública.

As pautas eleitas pelo público serão realizadas com curadoria da Pública, como no concurso Microbolsas, da apuração à edição final, a cargo da agência. Depois serão publicadas no site e oferecidas à rede de republicadores, sempre no sistema Creative Commons, adotado pela Pública desde sua fundação, em 2011.

“O trabalho vai no sentido inverso dos portais de notícia convencionais: eles negam a informação para o público liberando-a apenas para quem pagar por ela; nós pedimos dinheiro a algumas pessoas para espalhar a informação independente para todas as outras. O sonho dos jornalistas”, diz Natalia Viana, também diretora da Pública.

Os repórteres interessados em inscrever pautas no Reportagem Pública, devem preencher um formulário. Todas as propostas serão pré-selecionadas pela equipe da Pública com base na viabilidade e relevância dos projetos e em seguida apresentadas para a votação do público. Todos os que participarem do crowdfunding – que prevê doações de R$20,00 a R$ 2.000,00 – terão direito a voto. Como é praxe nos projetos do Catarse, outras recompensas são oferecidas conforme o valor da doação – livros de jornalistas, e-book com todas as reportagens do projeto, e até um workshop sobre jornalismo em rede.

Conheça o projeto: http://catarse.me/pt/reportagempublica

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Alunos e professores da rede pública no Brasil têm visões distintas da internet

Da Agência USP de Notícias, por Creative Commons.
De Luís Ribeiro, do Serviço de Comunicação Social do campus de Ribeirão Preto.

Estudo desenvolvido na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP evidencia a distância de compreensão que estudantes, com idade entre 15 e 18 anos, e professores da rede pública têm das finalidades do uso da internet. O autor da pesquisa, o psicólogo Fabiano Simões Corrêa, concluiu em maio o mestrado Um estudo qualitativo sobre as representações utilizadas por professores e alunos para significar o uso da internet, que levou três anos para ser desenvolvido. Mas, para o pesquisador, se o levantamento fosse feito nos dias atuais, o resultado poderia ser outro. A constatação é o reflexo da velocidade e do impacto que esse “meio de comunicação” vem causando nas relações da sociedade.



O estudo foi realizado sob a orientação do professor Sérgio Kodato, e teve o objetivo de contribuir com reflexões que auxiliem as práticas pedagógicas e didáticas capazes de subsidiar políticas públicas de inclusão digital, em instituições públicas de ensino. A pesquisa foi feita em uma escola pública da cidade de Ribeirão Preto. No local, havia mais de dois mil alunos, mas apenas 20 computadores para os estudantes e salas de aula sem acesso à internet.

Corrêa comenta que um aspecto interessante da aprendizagem para o aluno é que quando você pergunta para ele qual a diferença de aprender na escola e aprender na internet, e ele responde que na internet é tudo muito rápido, muito direto. “Ele vai na informação de uma forma prática. O aluno tem muito essa percepção, essa representação da internet, que ela é um instrumento muito bom por ser direta e rápida.”
Já os professores revelaram o lugar paradoxal em que se tornou o espaço escolar. Há um lado de discurso hegemônico de que a escola deveria se atualizar com a absorção das novas tecnologias da informação, mas que carece de investimentos concretos, e da negatividade da internet que rotula a utilização pelos alunos como “superficial”.

Certo medo da internet

Para Corrêa, o professor tem certo medo da internet, pois ninguém fala muito bem para ele como deve utilizá-la. “O medo está neste aspecto. Não acho que o professor tenha medo de ser substituído pela internet, o medo é na verdade um sentimento de impotência de não estar muito claro como é que se utiliza a internet na escola. Precisamos de mais pesquisa nessa direção, para indicar os caminhos.”

Segundo a pesquisa de Corrêa, na visão da maioria dos professores e mesmo no senso comum escolar, o estudante fica somente dedicado às redes sociais com coisas que são consideradas fúteis. Mas na prática, o uso dessas ferramentas podem ser positivas. “O aluno usa de forma predominante as redes sociais, mas por meio das redes ele consegue se comunicar, muitas vezes produzir conhecimento, produzir relações produtivas, divulgar o pensamento dele, se expressar politicamente, ajudando a construir uma inteligência coletiva.”

Observando a distância entre as visões do “estudante” e do “professor”, Corrêa destaca a reprodução do conflito entre os mundos dos adultos e dos adolescentes. “Nós, os mais adultos, tendemos a olhar a utilização da internet como superficial porque ela é diferente do que a gente conhece”, afirma. “Estávamos mais acostumados a nos relacionarmos com os veículos de comunicação de massa como o rádio e a televisão e não temos muitas vezes a capacidade de entender o que é esse fenômeno de comunicação em rede que eles, adolescentes, estão fazendo.”

Lembrando a velocidade com que os temas se multiplicam nas redes sociais, o pesquisador sugere mais estudos sobre o tema. “Não podemos ficar nesse viés do senso comum de que a internet aliena, de que não é legal, é fútil”, recomenda. “Vide o que aconteceu recentemente com as manifestações que lotaram as ruas. Grande parte dessa força, dessas manifestações foi graças à comunicação que aconteceu via internet, das redes sociais. Acho que surpreendeu muita gente.” Segundo o pesquisador, “talvez hoje, se refizéssemos essa pesquisa, os resultados seriam um pouco diferente, talvez isso já tenha mudado um pouco a representação desse senso comum que a internet é algo fútil.”

Claude Debussy faria 151 anos hoje. Compositor descontruiu e construiu o tempo na música

O francês Claude Debussy é, ao lado de Igor Stravinsky e Arnold Schoenberg, um dos principais nomes do começo do século 20 na música erudita, que ajudou a desconstruir o romantismo tradicional de Beethoven, no impressionismo. O Google fez hoje uma bonita homenagem ao músico, colocando a música Clair de Lune.


No entanto, se você quer conhecer o Debussy que explora a dissonância e a desconstrução, sugiro conhecer abaixo a música Etude No. 1 'Pour les cinq doigts', além de ler uma entrevista com Vladimir Safatle, professor de Filosofia da Música na FFLCH-USP, no Estadão (é velha, de 2010, mas vale).

Detalhes sobre os erros na biografia de José Dirceu


Segundo a Folha de S.Paulo, em texto do dia 20 de agosto, o jornalista Mario Sergio Conti listou 20 erros contados no livro Dirceu, A Biografia. À reportagem, o ex-diretor da Veja enviou mais 30 erros, que não foram revelados. Otávio Cabral, o autor do livro, também conversou com o jornal, criticou Conti por um erro de reportagem na Piauí e prometeu uma nova edição de sua biografia best-seller, com todos os equívocos corrigidos. 

"Erros acontecem. Mario Sergio Conti sabe bem disso. Tanto que na última 'piauí' foi publicada uma carta de uma professora que ele havia dito, na edição anterior, que estava morta e contado detalhes de seu enterro. Mas ela está bem viva", disse Otávio Cabral à Folha.

"Conti de fato "matou" a pessoa errada. Mas Lúcia Carvalho, autora da carta, não é professora, e sim arquiteta", afirmou Moriss Kachani, da Folha.

Fonte aqui.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Sobre Sérgio

Hoje é Dia Mundial da Fotografia. Sérgio [Silva] não está mais enxergando com seu olho esquerdo. Ele é fotógrafo e estava cobrindo os protestos em São Paulo. Tirar fotografia não é proibido. É uma conquista que faz parte realmente da imprensa livre e da liberdade de expressão.


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Veja imagens do Wall-E da vida real

Sabe o filme Wall-E da Pixar? O americano Michael McMaster construiu uma versão real do robô da animação após cinco anos de trabalho. para descobrir o tamanho de Wall-E, McMaster utilizou a imagem do robô segurando uma fita VHS. O tamanho real da fita ajudou a elaborar a escala do personagem no mundo real.

Wall-E emite os sons idênticos ao do filme, além de ter movimentos similares ao da animação. O projeto começou em 2007. As imagens começaram a viralizar no mês de junho de 2013, o vídeo só em agosto.

Michael McMaster faz parte do Wall-E Builders Club e já fez parte de um clube de construtores do robô R2D2, de Star Wars. A revelação veio no evento Geek Week, do YouTube. Confira as imagens do personagem, além do vídeo viralizado.


Wall-E da vida real e Michael McMaster, à direita



R2D2, outra réplica de McMaster, ao lado de Wall-E


Via EXAME.com/INFO EXAME e por McMaster Robot Project

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O que a resenha da biografia de Dirceu, de Mario Sergio Conti, revela sobre jornalismo dentro e fora da Veja?

Mario Sergio Conti foi diretor de redação da revista Veja entre 1991 e 1997, mas também ocupou o cargo de redator-chefe e outras funções na mesma publicação. Ele escreveu e lançou, em 1999, o livro "Notícias do Planalto, a Imprensa e Fernando Collor", com depoimentos de jornalistas e personagens importantes na ascensão e no impeachment do primeiro presidente civil eleito após a ditadura militar brasileira. A publicação trouxe polêmicas por apontar, por exemplo, que o chefe de Conti na Veja, o jornalista José Roberto Guzzo, teria publicado uma matéria comprometedora e envolvendo dólares. Mario Sergio Conti revelou a polêmica mesmo após 15 anos de trabalho ao lado de Guzzo, segundo informações em uma edição do Roda Viva (veja este vídeo, no minuto 48).

Conti massacrou a nova biografia sobre a vida de José Dirceu

Eis que Conti voltou a trazer polêmicas, jornalisticamente justificáveis, na edição 83 da revista Piauí, lançada em agosto deste ano - publicação que ele dirige. O texto "Chutes para todo lado" anuncia, de cara, um massacre de Mario Sergio Conti para cima de Otávio Cabral, atual editor-executivo da Veja, especialista em política e autor do livro "Dirceu, A Biografia", tema do material do jornalista da Piauí.

A edição da revista com a resenha

"O livro realça aspectos pessoais em detrimento dos políticos. Ele repete cinco vezes que nos anos 60 Dirceu tinha cabelos compridos, outras quatro que era cabeludo, e duas dizendo que deixava a 'barba por fazer'. Caso o leitor não tenha percebido, o livro estampa ainda 14 fotos de José Dirceu de cabelos longos e a barba nascendo. A aparência  não é anômala nem define o biografado. Muitíssimos jovens eram assim naquela época", descreve Conti. Segundo o jornalista da Piauí, o editor da Veja aponta que o ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula teria trabalhado na TV Tupi com roteiros, ao lado do autor de novelas Vicente Sesso. Essa informação, como outras muitas no mesmo livro, seria mentirosa.

"O autor não fica só nos erros menores. Escreve que em 1968 'a Guerra Fria encontrava-se no auge e a invasão dos Estados Unidos a Cuba era iminente'. A invasão de Cuba  fora iminente em 1961, quando a CIA organizou o desembarque na Baía dos Porcos, e no ano seguinte, durante a crise dos mísseis, e não seis anos depois. E 1968 não foi o ano do auge da Guerra Fria, e sim o da sua grande crise, que levou o capitalismo e o stalinismo a se darem as mãos", constata o crítico. Mario Sergio ataca não a carreira de Otávio Cabral, mas sim os fatos expressos em seu manuscrito. E mostra erros em uma escala industrial.

Mario Sergio Conti mostra até o desconhecimento de Cabral sobre a história da Editora Abril, seu local de trabalho. "Eis uma afirmação direta de Otávio Cabral sobre profissionais de sua área, o jornalismo: 'Antigos companheiros de Ibiúna e de clandestinidade tinham posições de destaque na imprensa em meados dos anos 80, como Rui Falcão, que comandava a revista Exame, e Eugênio Bucci, diretor da Playboy'. Nem Falcão e nem Bucci participaram do Congresso da UNE em Ibiúna. O primeiro porque não era mais estudante e o outro por ser criança. Eugênio Bucci jamais esteve na clandestinidade. Rui Falcão sim, mas não foi 'companheiro' de Dirceu: clandestino, militava em outra organização e noutra cidade. Bucci nunca foi diretor da Playboy. São cinco erros factuais numa frase. Algum recorde foi batido", comenta, com humor e crítica mordazes.

Mario Sergio ainda comenta ironicamente sobre estilo de escrita do autor: "Otávio Cabral tem mania de comidas e bebidas. Seguem-se exemplos do livro. 'Frango ao molho pardo brasileiro, cozido e com um saboroso molho à base de sangue da própria ave'. 'Molho ultrapicante, com pimentas, amendoim, canela e amêndoa'. 'Os melhores runs'. 'Coxinha, feijoada e doce de jaca com canela'".

Conti critica uma nova geração de jornalistas de direita que criou um estereótipo de figuras públicas como José Dirceu, ou mesmo de Lula, e não se mantém presos aos fatos em uma apuração, mesmo quando comprometidos na escrita de uma biografia. Ao redigir "Notícias do Planalto", Conti foi muito criticado em 99 por mostrar os bastidores da imprensa, mas não por cometer erros grosseiros de pesquisa.

Mario Sergio Conti e Otávio Cabral são jornalistas que surgiram da revista Veja, mas de gerações completamente distintas. Conti se formou com a publicação chefiada por José Roberto Guzzo e Elio Gaspari, entre os anos 70 e 90, que enalteceu a ascensão de Fernando Collor e depois contribuiu em algumas edições com sua queda. Outro dado pouco conhecido é que Conti foi uma das pessoas que revelaram Diogo Mainardi, um dos maiores colunistas críticos de Lula na direita conservadora, em meados dos anos 90, junto com Ivan Lessa. Mesmo com esse passado, Mario Sergio Conti defende um jornalismo de qualidade e fiel aos fatos. Otávio Cabral, atual editor na Veja, com carreira entre 2000 e 2010, prefere vender uma imagem de José Dirceu que não corresponde à realidade. Ele mostra uma distorção.

Na lista de livros mais vendidos da revista Veja, "Dirceu, A Biografia" está em terceiro lugar na categoria não-ficção. Ou seja, o texto de Cabral, mesmo com diversos erros, é extremamente comercial. Informações equivocadas estão sendo compradas por diversas pessoas.

Ficou curioso a respeito da resenha? Leia no site da revista Piauí.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Por que foca? Conceito segundo o Observatório da Imprensa

Por Thaïs de Mendonça Jorge, reproduzido pela licença Creative Commons.

O foca, jornalista iniciante, tem grande dificuldade de encontrar um guia entre os textos técnicos publicados no Brasil. Com a pauta lhe queimando as mãos, ele se inquieta: por onde começar? Depois dos primeiros telefonemas, a dúvida: será que escolheu o caminho certo? Como fazer as perguntas adequadas, na hora da entrevista? E se esquecer uma questão crucial? Antes de voltar à redação, a angústia não cessa: estará a apuração correta? Como escrever? Será que o texto vai ser mudado pelo redator? Se estiver errado, quem vai lhe apontar os erros?

Sobre focas de jornalismo

Essas são velhas e perenes questões para o jornalista, seja ele foca ou repórter maduro. Cada nova pauta, uma nova tarefa e muitas, muitas perguntas, nem sempre com respostas a tempo. Foca é o jornalista novato, bisonho – ou seja, não experimentado –, aquele que ainda pensa em fazer um curso de Jornalismo ou o jovem que está caminhando para essa profissão.

O foca nos Estados Unidos é cub, que em inglês significa filhote. A palavra cub também designa os escoteiros novatos, os lobinhos (Cunha, s/d).

Fala-se do foca no sentido afetivo, do aprendiz de repórter. Jogado na arena dos leões – as redações, com colegas vividos e conhecedores dos assuntos –, pressionado pelo tempo e pelas responsabilidades, ele se sente, por vezes, afundar nas incertezas e indecisões do dia-a-dia. Afinal, não é desejável que ele fique perdido na costa ártica, nas lonjuras do hemisfério austral – como seus homônimos, as focas –, isolado, sem respostas.

In-formar e publicar

Este Manual pretende oferecer apoio e solução para as dúvidas tanto dos focas quanto dos jornalistas mais experientes. E é por acreditar que o texto foi o início de tudo – a notícia se estabeleceu junto com o suporte papel – que procuro dar orientações sobre como escrever em estilo jornalístico, estilo este que apresenta dificuldades no início, mas que se torna muito claro a partir do domínio de determinadas ferramentas.

A nova mídia mantém os compromissos da imprensa para com o público. Se o jornalismo terá um novo suporte para cumprir sua missão no tempo – assim como houve a pedra, a argila, a madeira e o papel –, se será a tela do computador, do relógio de pulso ou do celular, não importa: a liberdade de expressão e de informação continua a ser uma das cláusulas constitucionais em todo o mundo democrático.

Ao jornalista cabe mostrar os vários ângulos da questão e resgatar o papel dos primórdios: a fim de melhor comunicar, o jornalista deve colocar a notícia na melhor forma – in-formar. O que ele tem mesmo a fazer é publicar, no sentido latino: deixar à disposição do público. A escrita ainda predomina, inclusive na rede mundial dos computadores.

Ferramentas básicas

Nos sites noticiosos da internet, o jornalismo se baseia na tradição impressa, até na metáfora das páginas. A ênfase deste livro é sobre o jornalismo impresso, o primeiro dos jornalismos, mas também é abordado o texto para a internet, um dos gêneros mutantes do jornalismo atual.

Este Manual do foca começou a ser escrito em 1986, quando principiei minhas aulas na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ). A carência de material prático para as disciplinas técnicas do curso de Jornalismo tornou-me uma colecionadora de documentos da rotina diária dos jornais. Fui juntando pautas, comentários, boas matérias publicadas, exemplos que pudessem corroborar minhas idéias a respeito do exercício da profissão e que constituíssem um método de transmitir conhecimento.

Quantas vezes surrupiei anotações e papéis deixados ao lado das máquinas de escrever... Passei a incorporar ao acervo também exercícios, textos escritos pelos alunos e bilhetes enviados pelo computador. Muitos colegas poderão identificar aqui suas contribuições. Espero que o tempo e a distância justifiquem a ausência de um pedido formal para a publicação e torço para que compreendam a intenção de editar um livro no qual a experiência vivida é o instrumento mais valioso.

Hoje, muitas pessoas falam com alguma familiaridade em matéria, gancho e deadline, termos do nosso jargão profissional. Outros apreciam a linguagem jornalística; só não sabem como iniciar um texto claro e compreensível, ao relatar um conto ou narrar um causo. Já os professores de Jornalismo poderão ter aqui um guia para as aulas, uma vez que os capítulos sistematizam um determinado modo de ensinar as ferramentas básicas da profissão.

Os verdadeiros jornalistas

Esta é uma obra para os que sentem algum apelo direcionado à profissão que o escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez qualifica como "a melhor do mundo", ou que estejam pensando em aprendê-la para uso no dia-a-dia.

O documento que deu origem ao Manual do foca – uma apostila aplicada às aulas práticas – foi testado por estudantes das disciplinas Técnicas de Jornalismo e Redação, Reportagem e Entrevista, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Vários dos alunos estão hoje no mercado de trabalho. Quando encontro algum deles nas lides profissionais, não deixa de me ser grata a menção àquela antiga apostila e ao que aprenderam nas minhas aulas. Foi isso e o apoio dos professores da UnB, da Universidade Federal Fluminense e de outras universidades, com quem tenho me encontrado nos congressos, que me deram a força necessária para publicar.

O conteúdo deste Manual do foca está estruturado de maneira a estabelecer uma compreensão gradual do que é notícia e de como ela é processada nos meios de comunicação, especialmente nos impressos. São três partes: na "Parte i – Conceitos de notícia" – estão alinhadas as definições básicas acerca de notícia, pauta e reportagem. Ao final do capítulo "A reportagem", um momento para espairecer e matar a curiosidade com o teste "Você é bom repórter?"

Essa primeira parte é importante para alcançar a "Parte ii – Produção da notícia" –, que tem como capítulos "A apuração", ou seja, o modo de coleta dos fatos; e "A entrevista", principal técnica de obtenção de dados para fins jornalísticos.

A "Parte iii – Redação da notícia" – trata de "O texto jornalístico" e mostra as qualidades do bom produto, incluindo o estudo dos modelos mais conhecidos no jornalismo ocidental: "O lide" e "A pirâmide".

Alguns textos mencionados ao longo do Manual estão em Reportagens, no "Anexo". Também há um glossário com termos comuns usados nas redações.

Tenho a convicção de que quem sabe escrever para o meio impresso é capaz de se virar em qualquer outro, inclusive – aproveitando uma figura de linguagem – no meio líquido, se um dia for desenvolvido um teclado que possa ser manuseado na chuva ou no fundo do mar. Assim, qualificam-se os verdadeiros jornalistas: são profissionais até debaixo d’água. Os que ainda se emocionam, como eu, com uma boa matéria – esses são focas eternos.

Palestra vai abordar carreira jornalística de Albert Camus e filosofia moral

Farei uma palestra sobre minha iniciação científica iniciada na Faculdade Cásper Líbero, chamada O Jornalista Albert Camus, e abordarei tanto a imprensa clandestina francesa na Segunda Guerra Mundial quanto questões filosóficas sobre o tema. O evento será no dia 23 de agosto, às 19h30, na sala 110 da Faculdade de Filosofica, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). A palestra vai divulgar o jornal Discurso Sem Método, do CA do curso de Filosofia. Mais informações, abaixo:


Estudo busca a formação do indivíduo em obras literárias brasileiras do século 20

Da Agência USP de Notícias, por Creative Commons.

Na literatura brasileira do século 20, não há um molde recorrente quando se pensa na construção do sujeito. De acordo com pesquisa realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, esse sujeito autônomo, muitas vezes representando o burguês, assume diferentes formas na obra dos autores estudados: José Lins do Rego, Lúcio Cardoso, Nelson Rodrigues e Raduan Nassar. Diante do tema “escravidão”, todos apresentam certo trauma do período. Essas foram algumas percepções retiradas do estudo Tragédia familiar: a formação do indivíduo burguês em obras literárias brasileiras do século 20, realizado pela doutora em literatura comparada e teoria literária, Bianca Ribeiro Manfrini. Os temas família e escravidão foram o foco da análise feita pela pesquisadora.

Raduan Nassar é tema de trabalho na USP

Inspirada por professores de sua graduação, que sempre enfatizavam o tema da escravidão e suas implicações formais no terreno da literatura brasileira, Bianca teve o interesse em investigar como isso acontecia em autores que a interessavam e que possuíam em comum o gosto por temas como a família e a escravidão. A pesquisa foi iniciada em 2010, tendo como orientador o professor Joaquim Alves de Aguiar.

Construção do sujeito

“O objetivo central foi demonstrar, por meio da análise e interpretação literária do conjunto da obra dos autores, que a noção de ‘indivíduo’ ocorre de forma diversa na formação do personagem de romance brasileiro desses autores, pois advém da noção de que o sujeito no Brasil se forma de maneira ‘negativa’, ou seja, o sujeito, entre nós, se forma ao negar a existência do outro”, descreve Bianca. Além disso, ela visou mostrar que essa ideia teve ampla repercussão na literatura e atua como elemento estruturador do personagem, inclusive no século 20, que foi uma época de histórica modernização na sociedade brasileira.

A partir da análise feita, foi detectado em todas as obras estudadas certo trauma do período da escravidão brasileira. Também foi possível concluir que não há em nossa literatura aquela figura clássica do burguês autônomo, amplamente encontrada em romances europeus. “No romantismo europeu — momento de modernização daquela sociedade — o personagem se molda em embate com o mundo ao redor, constituindo uma autonomia complexa, que guarda recessos e recônditos muito visíveis no processo de investigação do inconsciente presente em autores como Marcel Proust, James Joyce e Virginia Woolf”, explica Bianca.

Com base nesse panorama, a pesquisa apontou que a noção do sujeito autônomo tem uma constituição bastante diversa. Na obra de José Lins do Rego o sujeito forma-se passando pelo autoritarismo e pela insegurança patológica, em Lúcio Cardoso esse sujeito é constituído por incestos e pela indistinção que cerca os personagens. Em Nelson Rodrigues, a marca é a obsessão sexual e, por fim, o sujeito de Raduan Nassar é envolvido pela circularidade mítica.

Nas obras de todos esses autores, o sexo tem um papel tanto decisivo quanto deformado. Nesses autores, o sexo demonstra posse e violência, sendo que a relação entre brancos e negros existente na colônia acaba sendo transferida para outros conflitos psicológicos, presentes dentro da família nuclear que habita as cidades. “Simplificando um pouco as coisas, podemos dizer que a casa-grande fica menor no ambiente urbano, mas permanecem, embora modificados, seus males de origem”, analisa Bianca.

Mudanças nos paradigmas familiares

Foi possível encontrar algumas semelhanças entre os autores, principalmente no campo temático. Eles conectam temas familiares a temas relacionados ao incesto, loucura, morte, tragédia, conflito e a indistinção entre as pessoas. Os temas domésticos possuíam grande relevância aos autores principalmente pelo papel principal dado às famílias na formação da sociedade brasileira. “O que ordenava as relações eram os laços familiares e de favor, de maneira que no século 20 esse esquema ‘implode’ na forma do incesto, como se a formação social familiar entrasse em colapso e se auto-consumisse doentiamente”, explica a pesquisadora.

Bianca foi surpreendida ao constatar que algumas coisas consideradas como “naturais” da cultura brasileira na verdade têm fortes raízes históricas do passado colonial. Um exemplo é a necessidade de pertencer, de alguma maneira, a alguma comunidade, que pode ser uma família grande, uma escola de samba, uma corporação criminosa, etc. A tese encontra-se arquivada na biblioteca da FFLCH para eventuais consultas. O estudo constitui uma referência bibliográfica sobre esse assunto.

Interdisciplinaridade influencia as pesquisas científicas no Brasil

Da Agência USP de Notícias, por Creative Commons.

Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC) e do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), ambos da USP, aponta que, quantitativamente, os campos da ciência estão se tornando cada vez mais abrangentes, com o grau de interdisciplinaridade (entropia) intimamente ligado ao fator de impacto. A pesquisa quantificou a interdisciplinaridade das revistas científicas e campos da ciência, usando uma medida de entropia baseada na diversidade dos temas de revistas que citam uma revista específica.



A metodologia consistiu na construção de redes de citações, utilizando o banco de dados do Journal of Citation Reports, onde as revistas foram assinaladas como pontos (ou nós), enquanto as arestas (links) foram estabelecidas com base nas citações entre periódicos. As conclusões do trabalho são descritas do artigo “Quantifying the interdisciplinarity of scientific journals and fields”, publicado em abril deste ano no Journal of Informetrics, assinado pelos professores Francisco Aparecido Rodrigues, do ICMC, Osvaldo Novais de Oliveira Junior, e Luciano da Fontoura Costa, do IFSC, e por Filipi Nascimento Silva, aluno de doutorado do IFSC.

As informações são retiradas das citações contidas na base de dados Web of Science, que dão um panorama de toda a ciência que se faz no mundo, por conter a maioria das revistas científicas. Cada revista tem os seus temas (subject categories), sendo que a metodologia aplicada nesse trabalho serve para medir a entropia — a métrica de interdisciplinaridade. Seguidamente, descobre-se de onde vêm as citações para uma determinada revista ou campo do conhecimento: se elas vierem de campos muito distantes, muito diferentes, isso dará uma entropia alta, ou seja, aquela revista ou campo tem alta interdisciplinaridade.

“É óbvio que temos uma ideia do mapa do conhecimento, só que neste trabalho podemos quantificar como as áreas são conectadas”, diz Oliveira Junior. “Mas, o mais importante é que a partir da entropia podemos saber quão diversificada é uma área, qual a natureza interdisciplinar de uma área científica ou mesmo de uma revista: isso pode servir para o estabelecimento de políticas editoriais para revistas ou para áreas de pesquisa, ou mesmo para agências de fomento, a partir das interconexões que são identificadas”.

Evolução da rede

O grupo responsável pelo trabalho observou a evolução da rede num período entre 10 a 12 anos. A partir da linha do tempo da interdisciplinaridade, percebeu que essa é uma medida crescente, ou seja, as áreas estão se tornando ainda mais interdisciplinares com o tempo: “Neste trabalho, mostramos que isso ocorre por meio de gráficos, que revelam uma análise quantitativa da interdisciplinaridade”, explica Oliveira Junior. “Além de ser útil para subsidiar políticas, esta quantificação. Por exemplo, com o mapa do conhecimento descobrem-se as conexões existentes em determinadas áreas, e, naqueles casos em que houver intuição de que as conexões deveriam ser feitas, mas ainda não o foram, podem-se induzir políticas para fazê-las”.

Para uma revista em particular, ou para um conjunto de revistas, as métricas podem ser importantes, até para mostrar seu perfil. Se esse perfil não está adequado, o comitê editorial dessa mesma revista pode fazer ajustes. Dando como exemplo a área de ciência de computação, que é central nos nossos dias para o desenvolvimento tecnológico, o fato é que, apesar de a temática ser central, as revistas dedicadas a essa área têm baixa multidisciplinaridade. Isso é surpreendente porque a computação está inserida em todas as áreas do conhecimento.

Na opinião de Oliveira Junior, a razão pela qual as revistas apresentam entropia baixa (baixa interdisciplinaridade) está no fato de elas terem políticas editoriais que privilegiam contribuições mais dedicadas à computação, propriamente dita, não dando destaque às aplicações de computação em outras áreas. “Essas revistas privilegiam, exatamente, os trabalhos que não são multidisciplinares”, ressalta.

As sociedades científicas são, segundo o pesquisador, as grandes aliadas para que as políticas editoriais possam ser modificadas, já que elas têm capacidade para fazer pressão junto aos corpos editoriais para que a política seja alterada, embora isso exija, também, uma mudança de cultura nas próprias áreas: em geral, isso também depende dos árbitros, que são independentes. Outro dado importante é o que o impacto de uma revista tem correlação positiva com a interdisciplinaridade, ou seja, as revistas mais multidisciplinares são as que têm maior impacto — embora existam exceções. O artigo original pode ser acessado no link http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1751157713000096 

A velha nova mídia, segundo o Observatório da Imprensa

Por Muniz Sodré, reproduzido pela licença Creative Commons.

A tal da Ninja


A reflexão pública sobre o fenômeno da “Mídia Ninja” suscita um exercício acadêmico adequado a este Observatório da Imprensa:

1. Digamos: dividindo uma garrafa de um litro de refrigerante em dez garrafinhas, podemos mudar o sistema de produção, de preços, de distribuição. Só que a natureza do produto oferecido ao mercado continua a mesma. Em certas circunstâncias, a pluralização da oferta é capaz de incrementar o grau de democratização da produção e do consumo, mas refrigerante não deixa de ser refrigerante.

2. Transportemos esta questão econômica para o plano sociológico, com outro produto sócio-histórico: o indivíduo. A “sociedade” sempre consistiu em ficções, com coloração e características de época. Na modernidade, o individualismo cria a possibilidade de pensá-la como uma agregação de unidades autônomas, portanto, os indivíduos como uma nova categoria de agentes na História. Tocqueville resume: “A aristocracia tinha feito de todos os cidadãos uma longa cadeia que se elevava do camponês até o rei; a democracia rompe a cadeia e separa cada elo”. Os indivíduos são múltiplos ou diversos (como as garrafinhas), mas se enfeixam todos no genérico criado pelo individualismo.

3. Ainda mais um transporte: a pluralidade dos meios de produção de informações é capaz de interferir na economia do sistema conhecido como “mídia” (também uma ficção conceitual), pode até mesmo incrementar a democratização das opiniões por meio da proliferação de canais alternativos. Não abala, porém, o conceito genérico de mídia. Pelo contrário, reforça-o.

A propósito deste assunto, é instrutivo inteirar-se da história da Rádio B-92, de Belgrado, formada por um grupo de jovens que cresceu, em meio aos destroços nacionais da Iugoslávia pós-Tito, na Sérvia oprimida por Slobodan Milosevic (ver B-92 – rock e resistência em Belgrado, de Matthew Collin). Era o que se pode chamar de uma “rádio guerrilha”. Nela se inspirou, durante dez anos e a partir de 1990, toda a resistência à tirania e ao genocídio comandado por Milosevic.

A B-92 tinha, entretanto, um slogan curioso: “Não confie em ninguém, nem na gente”. Evidentemente, era tempo de guerra, de sinistro extermínio étnico, em que cada jovem punha em jogo a própria vida em face dos riscos da dissidência jornalística. Num contexto desses, a verdadeira informação pode ser mais provocação do que objetividade factual.

Morto Milosevic, morta a ditadura, que fim levou a B-92? Consta ser hoje a mais respeitada organização de mídia dos Balcãs. Ou seja, a contrainformação militante e provocativa integrou-se à “respeitabilidade” da “velha senhora” (em evocação de “AVisita da Velha Senhora”, de F. Dürrenmatt) chamada mídia – hoje, jurássica. Na “Idade Mídia”, a classe média é ao mesmo tempo “classe mídia” e assim contribui ideologicamente para a produção de consenso hegemônico por parte desses intelectuais coletivos das classes dirigentes que são os dispositivos de informação pública.

Alma comprometida

Na verdade, talvez não precisássemos ir tão longe, até os Balcãs, para buscar exemplos midiáticos de algo caracterizado inicialmente como transgressão e que depois regressa como filho pródigo à casa da “velha senhora”. No Brasil, entre as décadas de 1960 e 80, o viés político-transgressor da questão comunicacional centrava-se nos meios de radiodifusão ditos “populares”, combatidos pelos latifundiários do espaço hertziano.

Registra-se até hoje, aliás, uma espécie de guerra subterrânea contra as emissoras de rádio comunitárias, perseguidas por aparelhos estatais e empresas hegemônicas. Segundo dados recentes, que levam em conta as multas e fechamentos cadastrados, a repressão aumentou em torno de 35% em todo o Brasil. Mas é preciso levar em conta também os altos custos de produção para qualquer um dos tipos da mídia jurássica, até mesmo uma pequena rádio que se queira minimamente apresentável.

Em contrapartida, a tecnologia eletrônica ao alcance da “classe mídia” (celulares, câmeras baratas, redes sociais) favorece um fenômeno como o da Mídia Ninja – ou pelo menos o favorece em contextos de efervescência social, como os das recentes manifestações de rua, quando se abre espaço para uma cobertura participante dos acontecimentos por meio de técnicas “precarizadas”. No passado, a ditadura militar também abriu espaço para um jornal como O Pasquim, tecnicamente precário em face dos recursos midiáticos na época, mas um sucesso de crítica e público.

Diante de fenômenos dessa natureza, pilotados por gente jovem ou disposta a experimentar, é comum assistir-se à desconfiança dos profissionais mais velhos e integrados na ordem da “velha senhora” para com os que lhes pareçam insurgentes. É o que transparece nas colunas da grande imprensa ou em entrevistas, como a realizada pelo Roda Vida, TV Cultura de São Paulo (ver aqui). Nesta última, alguns entrevistadores insistiam em detalhes do que chamavam “o négocio” dos Ninjas. As respostas tinham algo de hilário porque estavam geralmente vazadas numa terminologia ininteligível, tudo menos “jornalístico” no sentido técnico do termo. O que ficou muito claro é que havia dinheiro da Petrobras por detrás.

Depois, a questão é saber se aquela turma engajada no movimento das ruas está ou não fazendo “jornalismo”. Mas é também claro que estão! Alguém se lembra de Carlos Lacerda? Ninguém lhe contestava a condição de jornalista por se engajar na política o tempo inteiro com seus textos. E a grande mídia atual? É uma política que não ousa confessar o seu nome, a exemplo daquele amor louvado por Oscar Wilde.

É hipócrita e jurássica a definição de jornalismo atravessada por protestos de objetividade. Foi rara a objetividade da grande imprensa brasileira sob a ditadura militar. Mas quase todo mundo brandia como slogan profissional a frase de Joel Silveira: “Repórter não desfila na banda, vê a banda passar”.

Só que para desgosto desse magnífico repórter que foi Joel Silveira, a objetividade sempre pôde servir de álibi para tudo. Na redação do órgão “jornalístico” em que fomos brevemente contemporâneos de Joel, a objetividade frente à realidade apresentada (socialites, artistas, moças de biquíni etc.) consistia em ver não a banda, mas a bunda passar. Há um notável precedente para esta expressão na crítica feita por Jean-Paul Sartre ao jornalismo sensacionalista, que ele chamou de “imprensa de bunda e sangue”. Não é um trocadilho vão, portanto, mas uma metáfora válida hoje mais do que nunca para a “objetividade” de uma mídia comprometida até a alma com a difusão do espetáculo e com comércio dos gadgets eletrônicos. O objetivo pretende equivaler ao real. Mas a objetividade corporativa costuma equivaler à realidade dos objetos postos à venda.

Espaço aberto

Por um lado, a Mídia Ninja apresenta características de empresa em nascimento: tem patrocinadores, espalha-se em rede, arrisca um vocabulário próprio e ataca as corporações de jornalismo, ou melhor, ataca nas ruas os supostos colegas de jornalismo. Isso é tática velha da competição em mercado, ainda que os jovens possam não se dar conta do fato: proclamando-se mídia nova, atacam a velha. Novo mesmo, porém, é o uso de gadgets eletrônicos e de redes sociais, além do envolvimento com os eventos. Resta determinar se o fenômeno é jornalismo inovador ou se é uma nova mídia velha.

Já em 1920, o educador e filósofo pragmatista John Dewey dizia que o jornalismo tinha de ir além do mero relato objetivo de acontecimentos para se tornar um meio de educação e debate públicos. A imprensa favoreceria o diálogo mais direto entre cidadãos e jornalistas. Mais do que “reportar”, a atividade jornalística teria em seu âmago a promoção da “conversa” pública.

A comunicação eletrônica oferece hoje recursos para se viabilizar as prescrições democratizantes de Dewey. Há um espaço aberto para experiências no atual vazio cívico da imprensa jurássica. No empuxo delas, cabe à sociedade dizer com que tipo de imprensa gostaria de conviver em termos mais duradouros.

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Muniz Sodré é jornalista e escritor, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

(Um pouco mais de) Rock Infinito e fotos de Camila Fontenele

No dia 2 de agosto, às 23h, rolou a exposição de fotos da artista Camila Fontenele, que apresentou imagens na América do Sul e possui um site próprio com retratos, books e curtas. A exibição foi dentro da casa paulistana de shows Kabul, com participação de um show da banda de rock Klatu, de Leco Peres (baixo), Carol Arantes (vocal), André Barará (guitarra) e Felipe Silva (bateria).

O ensaio de Camila foi inspirado em figuras históricas como a pintora mexicana Frida Kahlo e ambientes externos, ambos incorporados em pessoas. Já o Klatu tocou o seu repertório novo do segundo disco de carreira, chamado Um Pouco Mais Desse Infinito, composto entre 2011 e 2013.

O show conseguiu misturar rock'n'roll repleto de improvisações, meio progressivo, com obras de arte visuais originais em um ambiente bem descontraído. A defesa, tanto de Camila quanto da banda, foi por uma arte mais "autoral" e menos adepta de modas comerciais replicadas de maneira uniforme nos círculos de arte.

Você confere as fotos, tanto das imagens de Camila quanto do show da banda, logo abaixo:

Exibição de Camila Fontenele

Johnny Ramone na parede da casa de shows Kabul

André Barará empolgado no solo, acompanhado por Felipe Silva

Leco Peres com sua camiseta de Rogue Squadron, de Star Wars, tocando baixo

Leco Peres e Carol Arantes, os fundadores do Klatu

Barará concentrado no solo de guitarra elétrica

Leco Peres com outra camiseta inspirada em Star Wars

Quadro inspirado em Frida Kahlo, de Camila Fontenele

Logotipo do bar Kabul

Quadro envolvendo ambiente aberto, de Camila Fontenele

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