Por Pedro Zambarda
O
3º Grande Ato do Movimento Passe Livre contra o aumento das passagens de ônibus e de metrô tinha tudo para dar errado e não deu. Começou pela decisão de sair da Praça Silvio Romero, perto da estação Tatuapé de metrô e com 35 graus de temperatura. Era a primeira mobilização no ano que ocorria numa terça-feira (20) e na zona leste de São Paulo.
A primeira coisa que se podia notar, por volta das 17hrs, é que visivelmente estavam menos pessoas do que no 2º Ato, que acabou em provocação ao prefeito Fernando Haddad e bombas gratuitas da PM do governador Geraldo Alckmin. A Polícia Militar, no entanto, já tinha cinco viaturas em uma concessionária Honda ao lado da estação de metrô local. A Força Tática da PM chegou com suas viaturas na Silvio Romero e se pôs diante dos manifestantes que ainda preparavam cartazes. Cada esquina da praça tinha pequenos grupos policiais.
“Acho que o couro vai comer forte aqui hoje. Estou com dúvidas se realmente conseguiremos sair da praça. Quando saí de casa, aqui perto no Tatuapé, achei que fosse tomar um enquadro por conta da cor da minha camiseta, que é amarela”, me disse Tatiane, integrante do coletivo Juntos ligado ao PSOL. Outro coletivo, chamado Território Livre, também compartilhava dos mesmos temores naquele momento.
Mesmo com essa tensão no ar, idosos jogavam cartas em mesas da praça. Outro grupo também se divertia com dominó.
Dada a quantidade de pessoas, o Movimento Passe Livre iniciou sua assembléia pública para definir o trajeto e decidiu, por ampla maioria dos demais integrantes do protesto, percorrer o bairro do Tatuapé por dentro até Radial Leste. Era arriscado, mas todos os presentes tentaram mesmo assim.
Descemos a Rua Serra de Bragança e o protesto passou por uma extensa área residencial, com os poucos comércios já fechados. Passando por um condomínio de alto padrão, os moradores saíram em suas sacadas para ver a manifestação. A maioria mostrava um olhar de reprovação, mas uma senhora fez sinal de positivo e começou a cantar para que todos fossem até a rua. Um grupo de crianças que se divertia na piscina foi para a grade de outro condomínio e pegou os panfletos do MPL. Funcionários de um McDonald’s ergueram panfletos com os dizeres “Aumento Não”.
Quando nos aproximamos da Radial Leste, enorme e com um tráfego intenso de carros que liga uma metade de São Paulo com a outra, a PM deu a entender que jogaria bombas, embora a Tropa de Choque estivesse no meio da massa que protestava e não na frente. Percorri a Radial e havia poucos policiais, exceto a ROCAM e a Força Tática.
Como a mobilização foi impedida de prosseguir, ela voltou e ficou sem roteiro muito bem definido, percorrendo ruas e fazendo pausas para tentar se decidir. O Movimento Passe Livre então puxou as pessoas de volta para a Radial Leste. Um clima de tensão se instalou. Achamos que, naquele momento, o Choque correria para frente e faria a repressão. Isso não aconteceu. E a Força Tática da PM abriu espaço para que a mobilização tomasse a pista sentido Centro da Radial.
“Achei que fosse voar bala de borracha aqui e fiquei escondida atrás desta mureta. Não to acreditando que os caras estão deixando a gente entrar na Radial! É a primeira vez que eu vejo isso acontecer”, me disse uma mulher no local.
O clima de empolgação aumentou. A polícia não tinha reprimido o protesto, os black blocs, sempre presentes, não haviam depredado nada significativo, e tudo permaneceu pacífico, embora nós não tenhamos percorrido nenhuma rua com agências bancárias.
A mobilização passou pela estação de metrô Tatuapé e prosseguiu até o Belém. Eu corri na frente e fui até o terminal de ônibus para ver o que nos aguardava mais à frente. Caminhões do Choque estavam aguardando o avanço da massa e pensei que poderia ocorrer novamente conflito. Não aconteceu e o protesto virou à esquerda, na Rua Silva Jardim, saindo da Radial Leste com sucesso. Fez o contorno e subiu pelo Viaduto Guadalajara, para estender faixas diante dos motoristas que passavam por baixo. Naquele ponto, rolou uma tensão entre alguns PMs e pessoas que estavam andando por fora da concentração da manifestação, como eu mesmo que estava na calçada e fora da rua. Mas não ocorreram brigas. Por fim, o protesto parou n Largo São José.
Ali, o 3º Grande Ato do Movimento Passe Livre estava encerrado, com muita comemoração, emoção e vibração das pessoas. Ninguém tinha tomado tiros de balas de borracha e nenhuma bomba havia sido detonada. Vi dois casais se beijando, sendo que um deles tinha uma moça que chorava sem acreditar naquela felicidade. Amigos ligavam uns para os outros para avisar que estava tudo bem. E que a manifestação tinha sido pacífica e sem repressão da PM.
Até alguns policiais pareciam felizes, ou pelo menos sem olhares ameaçadores. No entanto, duas viaturas protegiam uma agência da Caixa Econômica Federal. O MPL estima que oito mil pessoas compareceram neste protesto. Eu estimo mais ou menos cinco mil. A Polícia Militar afirma que deslocou cerca de 650 policiais, um efetivo bem menor se comparado ao protesto que terminou em correria na frente da Prefeitura, de mil pessoas.
O Movimento Passe Livre conversou com vários jornalistas que estavam presentes. “A gente consegue fazer uma manifestação pacífica sem repressão. O que aconteceu hoje é a prova disso. A gente consegue passar uma mensagem mais claramente sem as bombas e nem as balas de borracha da polícia”, disse uma ativista depois de abraçar seus amigos com força e gritar.
“A luta pela tarifa zero parece utopia pra maioria das pessoas, mas acho que elas só aceitam tanto assim o aumento do preço das tarifas porque foram condicionadas a pensar assim. Essas revistas de hoje, como a Veja, ainda tem um puta poder sobre parte da população”, me disse um simpatizante do MPL enquanto caminhávamos na rua, retornando do ato público.
Andamos até a estação Belém de metrô. E lá ocorreu o único problema daquela noite.
Os manifestantes queriam encerrar seu protesto contra o aumento das passagens de R$ 3 para R$ 3,50 defendendo a tarifa zero. Por isso, tentaram pular as catracas. Os guardas do metrô não permitiram e a Tropa de Choque da Polícia Militar invadiu o local.
As entradas da estação foram fechadas às 21h20. Quando eu tentei ver o que estava acontecendo, mais soldados do Choque subiram e ocorreu uma confusão com manifestantes que estavam estendendo faixas nas rampas do metrô. Por pouco não estourou o primeiro tiro de bala de borracha em um espaço fechado, e com pessoas tentando entrar e saindo do metrô.
O Choque ainda arrumou briga com o grupo de primeiros-socorros que ajuda manifestantes na rua. Uma moça gritava com os policiais. “Vocês são todos uns fascistas por nos abordar desta forma!”. Os oficiais limitavam a entrada do metrô, criando um corredor lotado de “RoboCops”.
Por fim, a PM foi embora da estação Belém jogando spray de pimenta no local, o que provocou algumas lágrimas nos olhos irritados dos repórteres que ainda estavam lá. Policiais fizeram enquadramentos em áreas próximas, mas nenhuma prisão foi relatada após o protesto na zona leste de São Paulo, que desta vez não acabou em tiro, porrada ou bomba.
A sensação que tivemos com o fim do ato foi positiva e negativa: Vimos menos pessoas nas ruas, mas mesmo assim o MPL se mobilizou desta vez sem atrair violência das autoridades, sobretudo promovendo diálogo entre os coletivos ali presentes.
No protesto anterior, que terminou em tiros e muitas bombas da PM, um jovem ciclista de 22 anos levou um tiro de bala de borracha no olho direito. Os médicos ainda não sabem informar se ele ainda terá sua visão, mas sua agressão lembrou bastante os abusos policiais de 2013 ocorrendo novamente dois anos depois. Se a repressão for ainda mais violenta, teremos resultados pesados ainda em 2015.
Chegando exausto em casa, vejo uma mensagem de uma amiga: “Pela primeira vez na minha vida, tomamos a Radial Leste. Eu sou filha da zona leste e isso pra mim foi histórico. Foi trazer para a minha terra os sonhos que sonhamos coletivamente. Esse ato foi muito vitorioso. E amanhã, sem dúvida, vai ser maior!”.