terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Economista Thomas Piketty conta sobre sua simpatia ao PT e aos governos de esquerda

Por Pedro Zambarda



Qual é a sua opinião da economia sob os governos do PT no Brasil?

Eu acho que o Partido dos Trabalhadores fez um ótimo governo do ponto de vista social, mas poderia fazer mais. E sinceramente não entendo o pessimismo econômico de algumas pessoas com mais um governo de Dilma. Criticam os eleitores mais pobres por terem votado após receber benefícios estatais. Eu acho justo votar em Dilma Rousseff por receber o Bolsa Família e não vejo, sinceramente, nenhum problema nisso, assim como outras pessoas preferem outros candidatos. Mas parece algo das pessoas aqui de São Paulo, enquanto outras regiões, como o norte e o nordeste, pensam de maneira diferente.

O que um segundo mandato de Dilma Rousseff pode fazer de diferente?

Pode fazer uma reforma tributária com impostos progressivos, taxando os mais ricos. O governo também pode buscar uma transparência maior do ponto de vista da renda e da distribuição de riqueza. É uma boa maneira de responder à onda de críticas sobre corrupção e falta de informações. Tenho uma simpatia pelo PT, mas ele pode trabalhar de uma maneira melhor.

Existe um preconceito sobre os impostos para os mais ricos? Os integrantes do chamado 1% do extrato social utilizam a grande mídia para impor sua opinião internacionalmente?

Sim, isso existe e é um problema. Quando você tem uma porção de desigualdades, eles [os ricos] utilizam sua influência através da mídia, principalmente através dos veículos financiados de forma privada, que são guiados pelo dinheiro, e isso se tornou grande sobretudo nos Estados Unidos. No entanto, mesmo com isso, acredito que as forças democráticas se tornaram mais fortes e é um fato que, dentro da história da desigualdade, a taxação descrita pelo meu livro provocará um embate de movimentos de massa pacíficos para o futuro.

Você tem mais simpatia por governos à esquerda?

Depende. Depende de qual tipo de esquerda e de qual tipo de direita.

Me dê um exemplo da França, sua terra natal.

Na França nós temos uma direita que está se tornando extrema, e está ganhando espaço. Disso eu não gosto. O ex-presidente [Nicolas] Sarkozy está muito próximo de [Marine] Le Pen e eles estão querendo prejudicar os direitos de trabalhadores. Por outro lado, uma esquerda stalinista não é interessante. Para mim não é uma guerra entre dois lados, porque isso muda a cada país e a cada período de tempo.

A entrevista completa foi publicada no Diário do Centro do Mundo, o DCM.

Projeto ensina economia doméstica para crianças

Por Valéria Dias, via Agência USP de Notícias
Creative Commons

Um ditado muito popular diz que dinheiro na mão é vendaval. Mas se depender da professora de matemática Lizlane Aparecida Trevelin, esse ditado não será válido para seus alunos. Tudo isso graças à pesquisa Economia doméstica: uma aplicação prática para alunos concluintes do ensino fundamental que ela apresentou no último dia 9 de dezembro ao Mestrado Profissional em Matemática (PROFMAT), do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, sob a orientação do professor Luiz Augusto da Costa Ladeira.


A dissertação teve o objetivo de verificar a aprendizagem da matemática por meio do ensino da economia doméstica para as crianças: elas deveriam aprender a lidar com dinheiro, aprender a fazer orçamento familiar e a controlar os gastos, e adquirir noções de consumo consciente. O projeto foi aplicado em uma escola pública de ensino fundamental da cidade de São Carlos onde Lizlane atua como docente. Participaram do projeto 108 alunos, sendo 3 turmas com 36 alunos cada, do 9° ano do ensino fundamental.

“O projeto foi um sucesso não apenas entre os alunos, mas também em algumas famílias que decidiram abraçar a iniciativa”, conta a pesquisadora. Além disso, os próprios alunos tiveram a iniciativa de criar o grupo Embaixadores da Saúde Financeira: por meio de cartazes e de outros recursos, eles transmitiram o conteúdo aprendido para os outros estudantes da escola.

A ideia de desenvolver o projeto surgiu quando a pesquisadora leu uma matéria jornalística na internet que apontava que o número de famílias endividadas havia passado de 58,3% para 62,5% entre 2012 e 2013, segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor. “Percebi que havia a necessidade de a escola trabalhar com seus alunos essa questão de uso do dinheiro e controle de gastos”, explica. Como Lizlane estava cursando o mestrado profissional, decidiu realizar o projeto de economia doméstica com seus alunos. A experiência durou cerca de um ano.

Para realizar o projeto, a pesquisadora utilizou como fonte materiais na internet que abordassem o tema economia doméstica; planilhas do Excel; textos sobre o assunto; além da ferramenta educacional WebQuest.

No WebQuest, ela criou uma página com o sugestivo nome de “Para onde vai meu rico dinheirinho” onde disponibilizou várias atividades. A professora ainda compartilhou com os alunos uma cartilha do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que ensina a calcular o Índice de Custo de Vida (IPC) das famílias.

Inicialmente os alunos precisaram assistir a um vídeo de um programa de televisão onde um economista apresentava várias dicas e estratégias sobre como lidar com dinheiro. Esse vídeo foi discutido em sala de aula com os alunos.

No vídeo, um consultor financeiro aponta para a necessidade de as pessoas terem sonhos e sempre separarem uma quantia mensal para realizá-los. Também é preciso ter sonhos de curto (1 ano), médio (1 a 5 anos) e longo prazo (acima de 5 anos). O vídeo também fala das diversas formas de pagamento (em dinheiro, débito, crédito e cheque) e dos problemas que envolvem as compras parceladas. Além de outros apontamentos sobre planejamento financeiro.

Depois de assistir ao vídeo, os alunos trabalharam com uma planilha onde era preciso preencher com os gastos ao longo de um mês, sempre com a orientação da professora Lizlane. Segundo a pesquisadora, alguns alunos tinham mesada, outros não. Por isso, em muitos casos, a planilha foi preenchida com os gastos da família e a atividade acabou por envolver todos da casa.

A anotação dos gastos foi feita durante um mês. Depois os alunos analisaram os gastos, as entradas e o saldo e, a partir dessa análise, apresentaram algumas conclusões, incluindo os gastos onde poderia haver economia.

Reflexão

Na etapa seguinte, os alunos precisaram estabelecer sonhos de médio, curto e longo prazo. Os alunos ainda tiveram que fazer uma reflexão sobre esses sonhos e de como poderiam realizá-los, e elaborar um plano de ação. “Isso fez com que os alunos percebessem a importância do planejamento e da organização para alcançar esses sonhos”, destaca a pesquisadora. No final, tiveram de realizar uma autoavaliação. Também foi feito um vídeo com alguns depoimentos dos estudantes onde eles contam o quanto foi importante aprender sobre planejamento financeiro e, principalmente, ter sonhos e lutar por eles.

A pesquisadora acredita que é possível reproduzir o trabalho em outras salas de aula. Entretanto, ela ressalta que o projeto elaborado por ela é apenas um ponto de partida e que talvez seja necessário fazer adaptações para as diferentes realidades encontradas nas escolas no que se refere aos alunos, aos próprios professores e também às próprias escolas. Parte do projeto está disponível no WebQuest neste link.

USP: as origens do impasse e uma possível saída

Por Ana Castro, do Retrato do Brasil, parceiro editorial de Outras Palavras
Creative Commons

Neste ano, a Universidade de São Paulo (USP) completou 80 anos. A merecida comemoração da maior universidade brasileira, entretanto, tem ficado em segundo plano frente à crise que enfrenta ao menos desde maio, quando uma greve de professores, funcionários e alunos parou parte de seus cursos e a colocou diariamente nas páginas dos jornais, questionando a sua própria razão de ser. Se o encerramento da greve, em fins de setembro, resolveu questões mais imediatas, há temas e decisões ainda no ar que refletem o embate de divergentes pontos de vista a respeito do presente e do futuro da USP.


A história dessa crise mais recente começa em janeiro passado, quando Marco Antonio Zago tornou-se reitor da USP contando com forte adesão da comunidade acadêmica. Mais votado pelo Conselho Universitário, com 49% das indicações, e preferido pela comunidade uspiana, segundo consulta interna, Zago, oriundo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, foi o primeiro colocado da lista tríplice enviada a Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, encarregado de nomear os reitores das universidades estaduais. Em sua campanha, Zago preconizou o diálogo interno, convidando “professores, servidores e estudantes” a reconstruir, junto com a reitoria, “relações civilizadas, que implicam diálogo, confronto de ideias, discordância, pressões legítimas, mas jamais discórdia e recurso à força física; respeito àqueles que discordam de nós, capacidade de reformular nossas propostas, de ceder, de convencer”. Sua candidatura parecia se contrapor à gestão anterior, de João Grandino Rodas (da qual Zago fez parte), acusada de autoritarismo, centralização e privatismo.

Comprometendo-se com o tripé que sustenta o projeto da universidade moderna – docência, pesquisa e extensão –, Zago poderia ser o nome certo para unir as diversas forças que se enfrentam na USP, conduzindo as almejadas reformas para o estabelecimento de uma estrutura de poder menos concentrada e mais representativa. Para se ter uma ideia, atualmente apenas 1,7% da comunidade acadêmica é responsável pela indicação dos nomes para a lista tríplice, ou seja, é o topo da hierarquia uspiana que decide sua condução política.

Ao completar três meses na direção da universidade, entretanto, o novo reitor enviou uma carta a docentes, funcionários e alunos alertando para a existência de uma crise financeira – imputada a uma irresponsável política de contratações, obras e aumentos salariais de seu antecessor –, cuja resolução atrelava-se à necessidade de contenção de despesas. Segundo Zago, quase 105% do orçamento estavam comprometidos com a folha de pagamentos e projeções indicariam que, a despeito de haver uma reserva financeira de 1,3 bilhão de reais, mantendo-se tal ritmo de gastos a USP esgotaria seus fundos até 2018. Em consequência dessa avaliação, foram imediatamente paralisados os concursos de 535 docentes e as obras em andamento (economizando-se 446 milhões de reais) e suspensos 46% (alguns dizem 30%) dos repasses às pesquisas.

A solução que se avizinhava era diminuir o pessoal e eventualmente reduzir a folha de pagamentos por meio da redução da carga horária de trabalho de servidores, docentes e não docentes. Em entrevista ao diário O Estado de S. Paulo, o reitor foi direto ao ponto, mirando um dos pilares do regime de trabalho universitário: “Por que tantos docentes em regime de dedicação exclusiva na universidade?”. Tal regime, considerado a base da universidade ao dar ao professor as condições reais de autonomia e independência para pesquisa, docência e extensão, passou a ser visto como entrave à eficiência universitária.

Simultaneamente, os dois principais diários paulistas – Folha de S.Paulo e O Estado –, acompanhados por outros órgãos da grande mídia, veiculavam textos sobre o anacronismo da universidade pública e a necessidade de acabar com o regime de gratuidade, apontando para formas supostamente mais atualizadas e eficientes de gestão da USP. A discussão sobre a gratuidade do ensino aparecia vinculada à diferenciação entre ensino de massa e instituições dedicadas à pesquisa. Simon Schwartzman, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disse, em entrevista ao semanário Época, ser impossível o ensino superior continuar sendo ampliado “sem modificar profundamente seus objetivos e formas de atuação”. Segundo ele, é preciso diferenciar instituições dedicadas à pesquisa e ao ensino superior de qualidade, “necessariamente mais caras e centradas em sistema de mérito”, das de massa, com “carreiras menos exigentes, onde o setor privado atua com custos muito menores”. A Folha chegou, inclusive, a calcular o “valor justo” da mensalidade a ser cobrada pela USP: 2,6 mil reais.

No final de maio, após o conselho de reitores das três universidades estaduais paulistas – USP, Unicamp e Unesp – anunciar reajuste salarial zero na data-base de docentes e funcionários, as associações de ambas as categorias decretaram greve, algo que não ocorria conjuntamente desde 2009.

Em nova entrevista, dessa vez concedida ao semanário Veja, Zago apresentou seu diagnóstico da crise e os caminhos a serem seguidos daí em diante, deixando claro que não concordava com a proposta de cobrança de mensalidades como forma de financiamento da universidade, mas insistindo na questão da estabilidade dos docentes, vinculando-a à impossibilidade de pagar o salário que “cada docente vale”. A entrevista causou – para dizer o mínimo – mal-estar entre os setores mais progressistas da USP, que viram ali o sinal de uma possível adesão da reitoria às teses do desmonte da universidade pública, algo que ciclicamente ressurge.

Diante da continuidade da paralisação e da adesão dos alunos à greve, a reitoria endureceu: determinou o corte do ponto dos funcionários grevistas e levou o caso a julgamento pela Justiça do Trabalho. Além disso, para impedir piquetes no campus, recorreu à Tropa de Choque da Polícia Militar. Também anunciou que o reajuste zero viera para ficar, já que seriam sombrias as estimativas de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no estado. Como, por lei, o orçamento da USP equivale a 5,02% da arrecadação líquida desse imposto, estima-se que neste ano serão aportados à universidade pouco mais de 5 bilhões de reais.

Em reação a essas decisões, professores da Faculdade de Direito e advogados de outras instituições lançaram o “Manifesto de repúdio aos atentados ao direito de greve na USP”. Cobrando soluções mais efetivas, outras cartas e manifestos se seguiram, ora em apoio aos grevistas, ora em repúdio a seus atos, entre os quais a “Manifestação de docentes da USP contra o uso de métodos totalitários de coação e pela recuperação de valores morais de convivência acadêmica”, firmado por mais de 700 professores de diversas unidades.

Após a greve ser julgada legal pelo Tribunal Regional do Trabalho no início de setembro, a reitoria, também pressionada pelas manifestações internas, pareceu adotar uma nova estratégia, buscando separar os movimentos de docentes e de funcionários. Passou a conectar a crise exclusivamente ao crescimento do setor funcional e ao aumento salarial descabido da categoria, promovido pela gestão anterior, além de divulgar propostas de soluções mais ou menos imediatas para enfrentar a situação financeira da USP: um plano de demissão voluntária (PDV), desenhado para atingir funcionários com mais de 20 anos de casa e salários altos; a desincompatibilização do Hospital Universitário (HU), em São Paulo, e do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), em Bauru; a venda de bens da universidade; e o incentivo à redução da jornada de trabalho (de 40 para 30 ou 20 horas semanais) de servidores técnico-administrativos, com a correspondente redução salarial. Para se diferenciar da gestão anterior, tida como autoritária, Zago convocou o Conselho Universitário para a aprovação das medidas, compartilhando o ônus das decisões com seus pares. O órgão deu aval ao PDV e ao repasse do HRAC ao governo estadual, mas solicitou esclarecimentos sobre a transferência do HU, pressionado por funcionários e estudantes da Faculdade de Medicina (o próprio governador declarou, posteriormente, não haver interesse por parte do estado em assumir a gestão dos hospitais).

Os dados apresentados pela reitoria ao longo dos últimos meses para expor a crise também foram crescentemente questionados. Até mesmo os números que refletiriam sua própria essência – aqueles relacionados com a folha de pagamentos – seriam colocados em xeque. Se a alíquota do ICMS repassada às universidades está congelada desde 1995 (ainda que o valor nominal mude), nesses quase 20 anos a USP não parou de crescer. Como apontou João Whitaker, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), nesse período foram abertos novos cursos e incorporados ou fundados novos campi, como os de Lorena, de Santos e da USP Leste, parte da política de expansão incentivada pelo próprio governo estadual. Entre 1995 e 2012, o número de cursos da USP aumentou 88,6%. Na graduação, o crescimento das vagas subiu 53,6%. Ao mesmo tempo, na pós-graduação – a USP é responsável por 25% da pesquisa no País – o número de cursos aumentou 34,6%, e o de alunos, 102,3%. Diante disso, o crescimento de servidores foi modesto: o de professores atingiu 15,9%, e o de funcionários, 11,5%. Hoje, a USP tem 5,5 alunos por funcionário e 15 alunos por professor. Para comparar, a britânica Oxford, no ano passado, tinha 4,92 alunos por funcionário e 4,3 alunos por professor, e Cambridge, também britânica, contava 4,4 alunos por funcionário e 3,9 por professor.

Dados a quantidade e o grau de complexidade das questões em jogo, entretanto, é bem provável que o reajuste salarial de 5,2% e o abono de 28,6%, determinados pela Justiça para compensar perdas anteriores, não signifiquem o fim dos problemas enfrentados pela universidade. Com seus 92 mil alunos, 6 mil docentes e 17 mil funcionários, a USP é hoje uma instituição de massa – a Unicamp, por exemplo, tem 18 mil alunos; Oxford, pouco mais de 22 mil –, muito distinta daquela fundada há oito décadas.

A filósofa Marilena Chauí – que vem refletindo sobre o papel da universidade pública no País há décadas – ajuda a compreender o que se passa com a USP. Ainda que haja nuances para cada área de conhecimento, sua análise tem o mérito de formular um olhar crítico e compreensivo para o processo, que pode ajudar a incidir sobre o presente. Em Escritos sobre a Universidade (Unesp, 2001), ela aponta três momentos-chave na história da universidade – ou o que ela chama de “três fundações” – ao notar inflexões significativas no projeto inicial introduzidas por reformas realizadas nas décadas de 1960 e de 1990.

Fundada em 1934 como um projeto de parte da elite paulista ligada ao Partido Democrático e a O Estado de S.Paulo – intelectuais orgânicos da burguesia agroexportadora e políticos com ambição de se tornarem (ou se manterem como) a elite dirigente do País –, a USP foi formada pela junção de alguns cursos superiores existentes desde o século XIX – entre os quais a Academia de Direito do Largo São Francisco, a Escola Politécnica e a Faculdade de Medicina – e pela criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), a qual foi pensada como o coração da universidade, um centro integrador que congregaria todo o saber básico, fundamental e teórico. Para isso, uma leva de professores europeus – Levi-Strauss, Fernand Braudel, Roger Bastide, Jean Maugüé, Pierre Monbeig, Giuseppe Ungaretti, Gleb Wataghin, Heinrich Rheinboldt, entre outros – foi trazida para São Paulo, vários deles jovens docentes que se formaram no trabalho intelectual a partir da experiência brasileira. Esses estrangeiros, e também alguns brasileiros – como Fernando de Azevedo, Teodoro Ramos, Luiz Cintra do Prado, Otoniel Mota –, foram responsáveis por formar a primeira geração de novos professores que assumiriam as cadeiras quando do retorno dos fundadores à Europa. Nomes como Antonio Candido, Florestan Fernandes, João Cruz Costa, Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Gilda de Mello e Souza, Mario Schenberg, Azis Ab’Saber, Marcelo Damy, Anita Cabral, Crodowaldo Pavan e Paschoal Senise saíram daqueles cursos e passaram a formar gerações e gerações de intelectuais e cientistas brasileiros.

O projeto da universidade sofre uma primeira mudança quando a Faculdade de Filosofia passou a dividir com a do Largo São Francisco a formação intelectual da burguesia. Se os quadros políticos ainda vinham sobretudo das fileiras do direito, um pensamento crítico se abrigou na FFCL, que, ao estender seus cursos a professores do ensino médio, desde sua criação surgiu como oportunidade de ascensão social e intelectual para a primeira geração dos filhos de imigrantes e, em especial, de mulheres, até então praticamente excluídas do ensino superior. Isso não quer dizer que a universidade nascia democrática, mas que desde o início abriu para os setores médios a oportunidade de chegar ao ensino superior.

Em consequência das reformas instauradas na segunda metade da década de 1960, após o golpe militar, esse projeto sofreria uma inflexão. O esquema proposto seguiu as diretrizes de Roberto Campos, ministro do Planejamento à época: o ensino secundário deveria atender à massa, perdendo suas características humanistas e se concentrando no viés profissionalizante, enquanto o ensino universitário deveria continuar reservado às elites. A Lei 5.540/68 levou esse formato à universidade, na tentativa de massificar os cursos de graduação e dar à pós-graduação um papel de ponta, a partir de acordos feitos com os EUA. Com isso, a USP vivenciou uma fragmentação dos seus cursos, com a dissolução da sua célula mater. A antiga FFCL foi transformada em Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e parte de seus cursos, como química, física, matemática, biologia e psicologia, passou a ser ministrada em novos institutos. Impuseram-se então um vestibular unificado, a matrícula por disciplinas e a divisão por departamentos.

Nos anos 1990, como define Chauí, a universidade tornou-se “prosaicamente realista”: “Do lado das associações docentes, estudantis e de funcionários, o discurso está centrado na ideia de interesses das categorias, enquanto do lado das direções universitárias prevalece o discurso da eficiência, produtividade e competitividade”. A absorção desse ideário neoliberal se teria dado, entre outros fatores, pela instalação de fundações dentro da universidade – o que ajuda a explicar a falta de apoio à greve ocorrida na USP por parte de muitas unidades, que mobilizam recursos a partir dessas instituições –, levando à naturalização da ideia de uma gestão eficiente, nos moldes de uma empresa.

Embora originalmente concebida para atender às elites, a USP abriga hoje 60% de alunos cuja renda familiar mensal é inferior a dez salários mínimos, cumprindo um evidente papel de democratização do ensino superior público de qualidade – a USP era, há até bem pouco tempo, a única universidade latino-americana presente em rankings internacionais.

Sua crise atual, portanto, parece carregar as contradições da transformação de um projeto originalmente de elite para um sistema universitário cada vez mais massificado ao longo desses 80 anos e que de certa forma reflete as mudanças e os dilemas do próprio País. Nesse caminho, a velha estrutura resiste, não aderindo, por exemplo, ao sistema de cotas. Chocam-se e se complementam no projeto uspiano as determinações do mercado; o autoritarismo do Estado e às vezes dos órgãos que representam os trabalhadores; a busca pela excelência acadêmica; o compromisso com a docência e a extensão, e não exclusivamente com a pesquisa; e a pressão por uma maior democratização, não apenas no ingresso, mas em seu compromisso social. Mas os momentos de crise, como se sabe, são aqueles em que há maiores possibilidades de escolher novos caminhos. Espera-se que o atual seja o da democratização e o da abertura, sem a perda da qualidade.

Professor Vladirmir Safatle explica a real crise da USP hoje

Por Pedro Zambarda



Há um risco real de haver mensalidades na USP? 

Sim, e isso é discutido já na universidade. Principalmente porque não há uma proposta do governo estadual de melhorar o nosso tipo de financiamento público. Mas a ideia é absurda para uma instituição pública como a USP. Os tais alunos que podem pagar essa mensalidade possuem uma renda familiar estimada em 7 mil reais. A mensalidade seria cerca de mil reais, chegando até 2 mil. Para uma família de dois filhos, com as atuais despesas com outros fins, ela seria obrigada a se endividar para educar os jovens.

Também estipularam uma taxa menor, simbólica, de 500 reais. Mas sabemos como isso funciona. Começa com 500, sobe para mil e chega até mais de 2 mil. Corre-se o risco de transformar a Universidade de São Paulo em uma PUC, onde os estudantes pagam cerca de 3 mil reais em alguns cursos.

Qual é a sua opinião sobre o congelamento salarial e a consequente greve na USP?

Não acredito que a greve acontece apenas por uma questão salarial, e sim por um esgotamento produzido pelas dificuldades da gestão da Universidade de São Paulo. Existem dois grandes modelos de gestão universitária. Um é o modelo norte-americano, com uma clara distinção entre o setor administrativo do acadêmico, com um presidente e um administrador com funções diferentes. E outro modelo é o europeu, com representantes eleitos pelo conselho universitário. Cada um dos dois possui sua racionalidade interna.

E a USP segue qual modelo?

Nem um e nem outro. O conselho universitário é completamente opaco e não tem nenhuma representatividade. Criou-se uma casta burocrática que se tornou autônoma em relação ao restante da USP, se perpetuando de uma administração para outra. Ela é a responsável pela crise na universidade. A história que eles apresentam é que a folha de pagamento é responsável pelo patamar de 105% do orçamento. Agora, há duas questões que precisam ser levantadas com esta hipótese. A USP Leste teve uma expansão de sua infraestrutura sem uma melhoria de sua educação orçamentária.

Era óbvio que iria explodir de alguma forma, desde o início do campus leste isso era levantado. A segunda questão é que a reitoria anterior, de João Grandino Rodas, foi incapaz de apresentar uma solução. A gestão também foi completamente irresponsável nos gastos, fragilizando as finanças da universidade. Isso tudo causou um déficit de cerca de um bilhão de reais, sem que ninguém assumisse a responsabilidade de fato pela situação. Pior defeito do homem, nesses casos, é transferência de responsabilidades. Isso é a regra para os nossos gestores.

Quais foram os gastos da gestão Rodas? Por que a USP, em crise hoje, ainda está fazendo reformas estruturais que podem ser vistas no campus Butantã?

A gestão anterior fez uma série de novos prédios e escritórios absurdos em Cingapura, em Londres e até na cidade de Boston. Prédios foram comprados no centro da cidade de São Paulo, fora do campus. Bolsas também foram dadas sem uma avaliação correta sobre o impacto e a necessidade delas.

Tivemos quatro anos de descalabro administrativo inacreditável, enquanto a universidade e os universitários insistiram que a instituição precisava de mais transparência e de mais democracia.

A sociedade civil foi completamente surda para essas demandas da USP, estigmatizando os protestos. É uma universidade que custa 5 bilhões de reais, recebe ICMS do estado e não é administrada de uma maneira minimamente transparente, sendo que ela é pública.

A entrevista completa foi publicada no Diário do Centro do Mundo, o DCM.

Uma entrevista com Luciana Genro sobre o que podemos esperar do segundo governo Dilma

Por Pedro Zambarda


Como você avalia o resultado da disputa presidencial entre Aécio e Dilma?

A oposição de direita não tem autoridade política para criticar o PT. Aécio denunciando a corrupção na Petrobrás é patético. O PSDB dizendo que vai defender os pobres é ridículo. Então venceu o mal menor, na visão da maioria do povo. Não tenho dúvida que os mesmos que comemoraram a vitória de Dilma vão sair às ruas em breve para lutar por mais direitos.

A pouca margem de votos demonstra que ela será uma presidente mais débil, mais refém dos partidos fisiológicos como o PMDB e que o PT está sangrando o seu patrimônio político cada vez mais. É na esteira de uma esquerda que abandonou suas bandeiras que a direita se fortalece. Por isso estamos construindo o PSOL para oferecer ao povo uma alternativa de esquerda coerente.

Foi prudente não manifestar um apoio explícito a Dilma?

Sim, foi muito correto. E o que está ocorrendo agora prova que estávamos certos. Uma semana depois das eleições o Banco Central aumentou a taxa de juros e especula-se que o Ministro da Fazenda virá do sistema financeiro. As posições de esquerda do governo são sazonais, isto é, só duram até o final do segundo turno.

Como você avalia a campanha do PT? 

Durante o primeiro turno, Vladimir Safatle escreveu um texto muito interessante abordando simbolicamente a “estação das cerejas vermelhas”. Ela dura o período da campanha eleitoral. Serve para dar discurso à candidata do PT, para polarizar com o PSDB, animar a militância e termina no dia seguinte ao segundo turno. Foi isso o que ocorreu. Uma campanha que não corresponde à postura do governo ao longo dos 12 anos que o PT governou e que não corresponde ao que vem pela frente.

O primeiro discurso de Dilma reeleita abordou a reforma política. Ela vai seguir a cartilha do que você chamou de “três irmãos siameses”?

Infelizmente não vejo que haverá mudanças de rumo. Ao contrário, a situação econômica é bem complicada e os “mercados” exigem ajuste. Dilma vai fazer exatamente o que ela dizia que Aécio iria fazer. Um ajuste nas costas do povo, para garantir superávit primário e seguir pagando os juros para os credores da dívida pública. Ela não tem disposição de enfrentar os interesses do capital financeiro, dos bancos e dos milionários.

Por isso não tem outra saída a não ser se render a eles. Aécio poderia ser pior, com um ajuste sem anestesia. Mas com Dilma o ajuste virá de qualquer forma. O plebiscito para a reforma política, uma proposta democrática que Dilma defendeu, já está sendo abandonado pelo PT diante da resistência do PMDB. Eles não têm disposição de lutar nem pelo que eles mesmos dizem defender.

A entrevista completa foi publicada no Diário do Centro do Mundo, o DCM.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O feminismo versus o GamerGate

Por Pedro Zambarda
Originalmente escrito para o Brasil Post

Vamos supor que você é uma menina. Você desenvolve games. Você cria um jogo chamado Depression Quest. Você quer que este jogo seja bem avaliado. Você namora um sujeito e é pega traindo ele. Ao invés dele terminar com você e as brigas serem mantidas entre seus círculos de amigos, ele posta as conversas e suas intimidades na internet. Ele te acusa de vender sexo por resenhas positivas de jornalistas de games. Ele te acusa de comprar uma resenha positiva no site Kotaku, um dos maiores do mundo no segmento de jogos. A resenha nunca é encontrada, mas as acusações permanecem em sites como 9GAG e outros que favorecem o anonimato.

Seu nome é Zoe Quinn. Se você fosse um homem, a história seria a mesma?

Este é o GamerGate.



O maior erro do GamerGate foi se tornar uma notícia. A grande maioria das denuncias a respeito da menina não foram confirmadas. Existiu sexo entre a desenvolvedora e jornalistas de fato? O acontecimento abriu espaço para uma discussão sobre ética válida dentro da imprensa de jogos. No entanto, os detalhes sobre a intimidade de Zoe Quinn também se tornaram notícia, o que é um erro dentro de padrões jornalísticos mais rigorosos.

A intimidade de Zoe constituem boatos, e não notícias. E eles abriram espaço para agressões sérias.

Zoe foi xingada de vagabunda para baixo nas redes sociais. Ela é fonte de ofensas até hoje. Sua vida mudou drasticamente com a exposição pública de sua vida pessoal. Sua traição, em tese, não deveria interessar ninguém publicamente, especialmente num mundo que hoje é embalado pelo feminismo.

Se o namorado de Zoe Quinn fosse pego pulando a cerca, o caos provocado em agosto de 2014 no mundo dos games seria o mesmo? Ele seria xingado de galinha? Sua vida pessoal seria devassada ou ele seria poupado por ser homem? A segunda alternativa se mostra mais verdadeira.

O feminismo, e as pessoas contagiadas pelos seus ideais, levantou-se contra o GamerGate. Anita Sarkeesian, vlogueira famosa pelo programa Feminist Frequency no YouTube, soltou seu episódio "Women as Background, Pt. 2" com financiamento do Kickstarter. O caso de Zoe Quinn e Anita se encontraram, resultando em tuítes que ameaçavam de morte a autora de vídeos com dados da casa dela. Ela se viu forçada a sair temporariamente de sua residência com medo da mensagem enviada no Twitter em setembro.

Em outubro, Anita Sarkeesian teve uma palestra cancelada na Utah State University por ameaças de tiroteio e terrorismo. No entanto, cada vez que a blogueira sofreu ameaças, sua voz passou a ser mais ouvida. Ela foi até o programa de humor do apresentador Stephen Colbert e falou ao público da TV norte-americana sobre feminismo.

A desenvolvedora de jogos Brianna Wu também sofreu ameaças. A atriz Felicia Day se posicionou sobre o GamerGate e teve dados privados vazados. As invasões crackers e o mal-estar provocaram problemas até para um homem: O desenvolvedor Phil Fish, odiado por parte do público, defendeu Zoe Quinn. Teve seus dados invadidos, além de informações de sua empresa, a Polytron.

Por que a situação chegou neste ponto? O que está acontecendo com a comunidade gamer?

Os jogadores estão inseridos em um cenário machista, predominantemente dominado por homens e por símbolos que reforçam sua presença. No entanto, as mulheres cada vez mais jogam videogames e estão, aos poucos, mudando a estética dos games. Levantamentos como o da Entertainment Software Association (ESA) apontam que 48% do público de videogames é feminino em 2014.

O GamerGate, embora seja um conflito contra o feminismo, nos faz pensar sobre o papel das mulheres na indústria e como elas são vistas de maneira preconceituosa, secundária e até reducionista.

O GamerGate nos mostra como uma não-notícia que envolveu Zoe Quinn se transformou em várias agressões públicas sem justificativa, dignas para serem registradas como notícias.

Se o caso fosse com um homem, não seria a mesma coisa.

Os 10 posts mais lidos em 2014

Por Pedro Zambarda

Grafite, Mikhail Bakunin e o discurso de Emma Watson foram alguns dos assuntos que mais bombaram no Bola da Foca em 2014. Confira nossa recomendação de leitura dos mais lidos do ano.


Confira nosso Top 10.

1 - Comunicação em Grafite e Pichação durante os protestos de junho e ao longo de 2013

2 - Anarquista Mikhail Bakunin "é procurado" pela Polícia Civil do Rio de Janeiro

3 - Por que fazer uma graduação em Filosofia?

4 - Confira o discurso Emma Watson em evento da ONU na íntegra

5 - Como foi participar do Roda Viva com Romeu Tuma Jr.

6 - Hobbit querendo parecer com Senhor dos Anéis

7 - O dia (bizarro) em que vi eu mesmo impresso em 3D

8 - A tortura da jornalista Miriam Leitão durante a Ditadura Militar

9 - Um resumo da Copa do Mundo do Brasil por quem viu todos os jogos

10 - O Grande Fracasso da Copa: A Publicidade?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O fim da revista INFO impressa não deve ser comemorado

Por Pedro Zambarda
Originalmente escrito para o Diário do Centro do Mundo (DCM)

Trabalhei por um pouco mais de dois anos na editora Abril. Entrei lá com 21 anos. Queria trabalhar com tecnologia desde o início. Sonhava em ingressar na revista INFO, mas acabaram me levando ao site da EXAME, emprego no qual aprendi muito sobre economia e negócios.


Tive contato com muitos ex-jornalistas da INFO. Pessoas brilhantes, com enorme capacidade de compreender tecnologia e ciência.

Nunca fui assinante, mas comprei e li freneticamente entre 2006 e 2011. E já era seu leitor antes disso, quando a internet começou a ganhar popularidade em nosso país.

Alguns de meus textos e contribuições foram reproduzidos no site da INFO, e são matérias de que me orgulho. Por este motivo, fiquei triste ao deparar com a notícia do fim da edição impressa.

A revista sai de circulação em fevereiro do ano que vem e passa a existir apenas em sua versão digital e no site. É um fim melancólico.

INFO surgiu em março de 1986, há 28 anos, com o nome de EXAME Informática. Tornou-se INFO EXAME e, depois, apenas INFO. Sempre esteve antenada com a internet.

Com a INFO, aprendi a configurar programas de computador, a desmontar máquinas, a fotografar e a gostar de tecnologia. Houve um tempo em minha vida em que pensei em cursar engenharia ao invés de jornalismo, e a publicação me ajudou muito nessa busca.

Ela reunia tanto jornalistas quanto programadores e designers competentes. Em 1997, foi criado o INFOLab, um espaço para testes de produtos tecnológicos. O primeiro iPhone e o primeiro iPad passaram por ali, além de muitos outros PCs, videogames e diferentes aparelhos.

Os jornalistas da INFO não iam apenas atrás de fatos corriqueiros, mas pesquisavam sobre a qualidade da internet brasileira, apuravam sobre o real funcionamento dos aparelhos e tinham uma equipe de técnicos que ajudava a trazer as informações mais precisas.

Nos últimos anos, houve problemas com o próprio público. A maioria dos leitores consome sites. Desta forma, a INFO tentou diversificar suas pautas, considerando até mesmo a cultura pop e a ciência.

O problema da Abril transformar a INFO em uma “revista digital” é deixá-la como uma mera extensão de sua página na internet, que já dá certo sozinha.

A internet é o futuro e a revista é um produto obsoleto. No entanto, foi a INFO que ajudou inúmeros brasileiros a usarem os recursos do mundo online.

A INFO foi uma escola de jornalismo para quem trabalha seriamente com tecnologia no Brasil, com suas resenhas, análises e entrevistas. Foram eles que entrevistaram Bill Gates e vários nomes do setor que mudaram o mundo da computação, das redes sociais e da internet.

Eu discordo profundamente de alguns jornalistas que acham que não existirá editoria de tecnologia num futuro próximo. Esses assuntos prosseguem como importantes, sobretudo para brasileiros que querem aprender a criar inovações para seu próprio país.

A revista INFO sobreviverá em novos formatos e nas edições velhas que guardo aqui em casa, além da gratidão que tenho com os profissionais de lá nos meus anos de Abril.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Ataque de Veja forçará democratização da mídia

Por Mídia NINJA, reproduzindo o jornalista Paulo Moreira Leite do Brasil247
Creative Commons

Uma farsa óbvia e mal ensaida


"O vazamento de trechos dos múltiplos depoimentos do doleiro Alberto Youssef  expressa uma  tradição vergonhosa pela finalidade política, antidemocrática pela substância.  Não, meus amigos. Não se quer informar a população a partir de dados confiáveis. Também não se quer contribuir com um único grama para se avançar no esclarecimento de qualquer fato comprometedor na Petrobrás. Sequer o advogado de Youssef reconhece os termos do depoimento. Tampouco atesta sua veracidade sobre a afirmação de que Lula e Dilma sabiam das 'tenebrosas transações' que ocorriam na empresa, o que está dito na capa da revista.

Para você ter uma ideia do nível da barbaridade, basta saber que, logo no início,  admite-se que só muito mais tarde, através de uma investigação completa,que ninguém sabe quando irá ocorrer, nem quando irá terminar,  'se poderá ter certeza jurídica de que as pessoas acusadas são culpadas'.

Não é só. Também se admite que Youssef 'não apresentou provas do que disse'.

Precisa mais? Tem mais.

Não se ouviu o outro lado com a atenção devida, nem se considerou os argumentos contrários com o cuidado indispensável numa investigação isenta.

O que se quer é corromper a eleição, através de um escândalo sob encomenda, uma farsa óbvia e mal ensaiada. Insinua o que não pode dizer, fala o que não pode demonstrar, afirma o que não conferiu nem pode comprovar".

Detalhe importante: o "depoimento" do doleiro já foi desmentido por seu próprio advogado. Diante do crime eleitoral cometido pela revista Veja, que representa um atentado à própria democracia, o que fazer? O único caminho é discutir, a sério, a regulamentação dos meios de comunicação. Eis mais um trecho do texto de Paulo Moreira Leite:

"Com esse comportamento, a mídia brasileira prepara o caminho de sua destruição na forma que existe hoje.  Como se não bastasse os números vergonhosos do Manchetômetro, que demonstram uma postura parcial e tendenciosa, o golpe da semana só fará aumentar o número de cidadãos e de instituições convencidos de que a sobrevivência da democracia brasileira depende, entre outras coisas, que se cumpra a legislação que regula o funcionamento econômico da mídia. Está claro que este será um debate urgente a partir de 2015".

"Não ia estuprar você porque você não merece", ameaça Bolsonaro durante sessão na Câmara

Por Mídia NINJA via Creative Commons

O Deputado Jair Messias Bolsonaro fez uma declaração agressiva no plenário do Congresso Federal. Na sessão dessa terça-feira (09) o parlamentar desrespeitou mais uma vez a deputada e ex-Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário.


Sua fala segue em uma sequência de absurdos, como a afirmação de que o Dia Internacional dos Direito Humanos é "dia de vagabundagem". Assista na íntegra seu depoimento:

sábado, 29 de novembro de 2014

O que precisa ser dito sobre a morte de Roberto Bolaños, o Chaves

Por Pedro Zambarda

Morreu ontem o ator mexicano Roberto Bolaños (1929-2014), intérprete de Chaves e Chapolin em programas retransmitidos pelo SBT no Brasil. E o que precisa ser dito sobre ele está abaixo.


Chaves, a saga de um menino pobre que praticamente morava num barril e ganhou popularidade na TV de um ex-camelô. Vai deixar saudades. 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O Passaralho existe. O Ficaralho é de todos os jornalistas.

Por Pedro Zambarda

Estou neste momento com um texto pra entregar que eu deveria estar escrevendo, mas resolvi interromper tudo e escrever isto aqui.


Li, no ano passado, o texto do Bruno Torturra chamado "O Ficaralho". O conceito por trás dele é interessante. As redações jornalísticas têm promovido demissões sistemáticas por problemas de gerência, o advento da internet e um público que cada vez mais consome informações gratuitamente. Os demitidos sofrem "Passaralhos", um apelido que pegou no meio profissional. Para Bruno, quem fica na redação sofre o "Ficaralho", ou seja, acumula funções do demitido ao mesmo tempo em que a corporação enxuga a folha de pagamento. Nenhum jornal físico escapou disso, nem mesmo as televisões ou rádios. Recentemente tive notícias de demissões em massa até nos sites.

O problema que vi no texto do Bruno, e conclui com o tempo, é que sua conclusão ainda é muito otimista. Ele iria depois montar o Mídia NINJA, que fez história fora das redações cobrindo os protestos, e agora toca o estúdio Fluxo, que faz entrevistas igualmente interessantes. Acredito que ele esteja feliz com suas novas ocupações. Eu também estou com as minhas.

Mas devo dizer, depois de quase cinco anos formado em jornalismo e seis deles atuando no mercado, que jornalismo nunca foi fácil, não é fácil e não será fácil.

As pessoas que são demitidas de redações, sejam grandes ou pequenas, logo buscam empregos como freelancers e podem ter a oportunidade de ganhar melhor, trabalhando para mais veículos. A chance de maiores colaborações tem seu ponto fraco: Você trabalhará tanto quanto um jornalista sobrecarregado na redação. Ou mais.

Outras pensam em empreender e criar um negócio próprio. "Para ganhar tanto quanto meus chefes", dizem eles. Por um acaso você acompanha o balanço das empresas de comunicação? Sabe o quanto elas são problemáticas financeiramente?

O Ficaralho, neste contexto, é totalmente democrático. Atinge todos os jornalistas sem distinção.

Se você ficar na redação, terá que arcar com mudanças que estão enxugando suas estruturas, ao mesmo tempo em que seu público leitor está cada vez mais exigente ou engajado.

Se você vive de freelances (meu caso), terá que aprender a organizar o tempo, seu maior inimigo. Também terá que lidar com a demanda de não ter seguros trabalhistas. Esquece férias por um tempo, a menos que você tenha um "pé-de-meia". Esqueça aqueles benefícios bacanas de qualquer CLT.

Se você quer empreender (coisa que pretendo), você deve pensar como um freelancer e ainda como um administrador de empresas. Dá nó na cabeça quando você quer monetizar um trabalho que quase sempre começa de graça.

Não é fácil. Nunca foi.

O jornalismo teve avanços, retrocessos e mudanças. Agora enfrenta a barreira da transformação do mundo digital. Mas ele carece de empresas e de um mercado sólido que dê segurança para quem se aventura por esta carreira.

Enquanto o meio não der subsídios mais humanitários para seus profissionais, o jornalismo consistirá de Ficaralhos. De pessoas que acumularam funções que não gostariam, ou que estão sobrecarregadas contra a vontade delas.

O sindicato tem mais é que brigar por aumentos salariais. Os profissionais, se não estivessem tão desgastados, deveriam fazer greves se isso fosse necessário. O problema é que, mesmo com tantos problemas visíveis e necessidades de mudanças, ainda somos desunidos como classe. Cada um pensa no seu contracheque no fim do mês e poucos são instigados a pensar criticamente a profissão, isso quando não são mal-vistos pelos outros colegas.

Temos a escolha de pedir demissão, jogar tudo pro alto e mudar de carreira? Temos, claro. Ninguém é obrigado a estar neste meio, reclamando o tempo inteiro.

Mas é dolorido ver que o mercado age desta forma, de uma maneira quase desumana. A comunicação tem um papel de mudança com a sociedade.

Um país que não forma e não mantém bons comunicadores carece de boa cultura, de informações precisas e de qualidade. A consequência direta do Ficaralho no Brasil é esta.

Não gostaria de entregar um texto mais pessimista, mas sinto a necessidade de concluir isso. Gosto de ser jornalista e de acordar todos os dias para escrever e criar conteúdo.

Gostaria, apenas, que o Ficaralho não existisse.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Existe um site para discutir sobre videogames feitos no Brasil

Por Pedro Zambarda

Agora existe um site para noticiar, debater, apurar e exibir a cena brasileira de jogos digitais. Este é o Geração Gamer, uma página que nasceu originalmente como livro-reportagem em um TCC na Faculdade Cásper Líbero em 2010, tornou-se uma coluna semanal em 2013 e agora prossegue como um projeto independente.

G2, sustentado por aquele que vos fala, será um site com cobertura diária dos desenvolvedores brasileiros de jogos digitais, entusiastas da área e o grande público que pode consumir esses produtos. A filosofia do novo espaço é cobrir o local para atingir o mundial, especialmente em uma área que carece de jornalismo especializado.

Gostou do projeto? Visite, a casa também é sua: http://www.geracaogamer.com/

Celebração pelos 25 anos da queda do Muro de Berlim reúne 2 milhões de pessoas

Por Giselle Garcia, da Agência Brasil

Mais de 2 milhões de pessoas, de várias partes da Alemanha e de diferentes países, participaram hoje (9) da grande festa em homenagem aos 25 anos da queda do Muro de Berlim. As ruas que circundam o Portão de Brandemburgo, onde um grande palco foi montado para abrigar apresentações artísticas durante todo o dia, foram tomadas pela multidão, que aguardava com ansiedade o lançamento aos céus dos 8 mil balões que recriaram o trajeto do muro durante o fim de semana.



Pouco depois das 19h (16h da tarde em Brasília), com a presença do presidente Joachim Gauck, da chanceler alemã, Angela Merkel, e do ex-líder soviético, Mikhail Gorbachev, os pontos de luz ganharam os céus, relembrando a derrubada do muro e emocionando a multidão. Pessoas se apertavam em busca do melhor ângulo para registrar com suas câmeras o momento histórico. Alguns aplaudiam. Outros, se abraçavam. O alemão Uli Hochstadt, que em 9 de novembro de 1989 viu o Muro de Berlim ser derrubado pelo povo, não tinha palavras pra expressar o que sentia. “É um momento muito importante pra mim. Mal consigo falar, tamanha a emoção”, disse ele.

A festa, que começou cedo e avançou pela noite, contou com várias apresentações, entre elas a do cantor britânico Peter Gabriel, que encantou com uma versão da música Heroes, de David Bowie, acompanhado pela Ópera Estatal de Berlim. Um minuto de silêncio foi feito em honra aos que morreram tentando atravessar o muro. O brasileiro Luiz Alberto, que viu a barreira de concreto de perto quando era criança, em uma viagem à capital alemã, estava fascinado. “Eu vim aqui só pra acompanhar esse evento. É super emocionante, estou vendo a história acontecer”, disse ele.

Ao subir ao palco, Gorbachev, que é reconhecido pela sua importante contribuição para a abertura da ex-União Soviética, foi aclamado pela multidão, mas não discursou. No dia de intensas comemorações, Angela Merkel fez um único discurso durante um evento pela manhã, no Memorial do Muro de Berlim. Ela afirmou que o dia de comemoração da queda do muro é também um dia para pensar nos que morreram com sede de liberdade. “A queda do Muro nos mostrou que é possível realizar sonhos e que nem tudo deve ficar como está. Esse pensamento, nós queremos dividir com nossos parceiros em todo o mundo”, conclui a chanceler.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O antipetismo fervoroso somado com preconceitos criaram as eleições de baixo nível

Por Pedro Zambarda


Dilma Rousseff estava virtualmente reeleita ontem, às 20hrs, e eu profetizei no Facebook: "Vai ter gente xingando os nordestinos e os pobres e virando notícia". Minutos depois, surgiram as primeiras reportagens em portais de notícia relatando episódios pitorescos de preconceito, racismo e xenofobia regional, sobretudo de paulistas e habitantes do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Diziam-se todos eleitores do tucano Aécio Neves e decepcionados com o Partido dos Trabalhadores (PT) chegar ao seu quarto mandato, mesmo que tenha sido após uma eleição apertada e com um governo, no mínimo, controverso.

O segundo turno entre Dilma e Aécio foi uma disputa clássica entre a esquerda e a direita nas urnas, embora nenhum dos dois proponha economia planificada nos moldes soviéticos e nem o neoliberalismo de Margaret Thatcher do Reino Unido. Pelo menos não de acordo com os planos de governo.

Dilma quer dar continuidade aos programas sociais e precisa restaurar o relacionamento com os empresários, com a indústria e com o setor privado em geral. Aécio tinha o apoio dos empresários, mas tentou flertar com os programas sociais para não ter apenas esse apoio. O que aconteceu foi justamente isso: Uma eleição acirrada por causa de programas muito parecidos, pouco inovadores ou mesmo radicais.

Há de se analisar os votos por estados e por regiões. Dilma Rousseff não venceu só no nordeste. Venceu nas regiões nordeste, norte e nos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Ainda levou um percentual que variou entre 30% e 40% nos sulistas.

Aécio Neves levou votos de brasileiros que estavam no exterior. E foi maioria no sudeste e no sul. Foi minoritário no nordeste e no norte, mas também teve seus percentuais similares aos de Dilma em São Paulo.

O Brasil não está dividido. O Brasil é complexo, grande e comporta todas as suas contradições, sobretudo em período eleitoral.

Os escândalos de cada candidato são pauta para outro texto. Mas justamente o jornalismo que apurou irregularidades causou um efeito nefasto para a política brasileira: O antipetismo.

Não há uma reação de petistas a ponto de criar um antitucanismo, uma seita anti-PSDB. Os petistas tem orgulho dos programas sociais que, de fato, levaram milhares para fora da linha da pobreza e da miséria. O PT nunca foi bem representado pela imprensa mais alinhada ao PSDB, sempre foi criticado e, pasmém, continua financiando essa mídia.

Mas vamos nos ater ao antipetismo.

O pior das eleições foi protagonizado pelos antipetistas. São eleitores que, acima de tudo, odeiam os últimos 12 anos do PT no governo federal querem tirar o partido do poder, não eleger uma alternativa legítima. São pessoas que, neste momento, não aceitam que eleições podem ser perdidas.

A própria Dilma temia perder as eleições, dado alguns exageros de sua campanha.

O antipetismo acredita em "ditadura comunista", mesmo que os governos Dilma e Lula tenham falado tanto com Cuba e Irã quanto com os Estados Unidos de George W. Bush e a Alemanha de Angela Merkel.

O antipetismo não vê nada de errado em ter como analista político um cantor controverso como Lobão, que mostra a cada dia um desconhecimento de ciência política mais explícito.

O antipetismo aplaude a truculência de Roger, cantor do Ultraje a Rigor. Roger pode militar para quem ele bem entende, inclusive para Aécio Neves. O que ele não pode é insultar pessoas no Twitter que sequer disseram que iriam votar em Dilma, como ele fez incontáveis vezes.

Eu mesmo bati boca com Roger e, na época, não achei que iria votar em Dilma Rousseff. Roger fez questão de me bloquear, sem sequer ouvir a minha opinião crítica sobre o escândalo do metrô do PSDB que ele nunca citou em seu Twitter.

O antipetismo caiu em argumentos furados e de baixo nível. Isso é o combustível para atrair preconceito contra nordestinos. Odiar nordestinos é um passo para odiar negros. Odiar negros também é um bom aval para desprezar minorias como gays e transsexuais. Esse caldo soma-se ao preconceito clássico contra pobres, sendo que você não precisa ser necessariamente rico.

Alguns desses antipetistas agora cogitam fazer mobilizações pelo impeachment de Dilma Rousseff em seu segundo mandato. Utilizam um discurso separatista, para selecionar os estados que não votaram no PT e criar um novo país. Não sabem que esses processos gerariam guerra e sofrimento para as pessoas que convivem com eles.

Antipetistas são antidemocráticos por excelência. E a imprensa peca feio ao alimentar esse sentimento.

As críticas ao PT são sadias quando feitas de maneira sóbria e sem preconceitos, tanto por parte dos eleitores de Aécio Neves quanto pelo de Dilma Rousseff. Também são válidas por partidários mais à esquerda ou mesmo liberais mais extremos. No entanto, o que se formou na última década na política nacional foi a corrente do antipetismo.

O antipetismo é alimentado diariamente na mídia, por meio de colunistas que criaram a tese de que o PT quer se perpetuar no governo e que nada de bom foi feito nos últimos anos por este partido. O Bolsa Família, o Brasil fora do Mapa Mundial da Fome, o Mais Médicos, o Ciência sem Fronteiras, o Pronatec e diversos outros programas que ajudaram o país são sumariamente descartados por essas pessoas.

Não há sequer uma leitura crítica.

O antipetismo não é eleitor de Aécio Neves, necessariamente. Para o anti, qualquer coisa é melhor do que mais quatro anos de PT no poder.

Esse movimento cresceu graças ao preconceito entre as altas classes sociais com os mais pobres, sobretudo com uma vitória de um partido tradicional da esquerda brasileira em 2002. No entanto, há antipetistas com as mais diversas rendas nos dias atuais, porque a mídia massificou a mensagem de que o partido de Lula e Dilma deu um golpe para permanecer no poder, ignorando os votos de diversas pessoas que não enxergavam nem José Serra e nem Geraldo Alckmin como opções nos últimos 12 anos. E, certamente, não consideraram Aécio Neves um bom candidato agora.

Não há problemas em criticar o PT e nem em não votar no partido, mas é realmente lamentável ver os argumentos rasos quando os antipetistas são confrontados por reportagens sérias que mostram corrupção no PSDB e na oposição política ao governo federal. A ideia desse material jornalístico não é mostrar que "todos os políticos são corruptos", mas são informações que devem ser consideradas por qualquer um na hora de decidir na urna e na hora de acompanhar um governo.

Foram os eleitores “esclarecidos” de São Paulo que reelegeram Geraldo Alckmin governador do estado em primeiro turno, perpetuando o PSDB na região por 24 anos. O tucano quebrou o orçamento da maior universidade brasileira, a USP, colocou a Polícia Militar contra os professores em protestos, desalojou pessoas miseráveis no centro da capital paulistana e agora está acabando com a reserva de água da Cantareira, abastecida pela Sabesp, o que pode criar um racionamento sem precedentes no estado, como já ocorre em cidades como Itu.

Em 12 anos de governos do PT, a direita perdeu a oportunidade de fazer uma candidatura mais propositiva e com menos apelo às acusações de corrupção. O único efeito colateral dessa opção foi ter criado uma massa antipetista, com ajuda da grande mídia nacional.

O maior desafio do PSDB nestes próximos quatro anos não será derrotar o PT nas urnas em 2018, mas refazer a base eleitoral de seu partido. Do caso contrário, entusiastas do separatismo, da Ditadura Militar, do preconceito regional e racial serão os apoiadores de seus candidatos. Ou seja, o antipetismo mais apaixonado.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Cientistas revelam segredos das cores de Cândido Portinari

Por Júlio Bernardes, da Agência USP de Notícias

A maneira com que o pintor Cândido Portinari (1903-1962) combinou pigmentos de materiais variados para criar as cores de suas pinturas é revelada pelos estudos do Núcleo de Apoio a Pesquisa de Física Aplicada ao Patrimônio Histórico e Artístico (NAP-FAEPAH) da USP. Entre os meses de março e agosto deste ano, 21 quadros expostos na Igreja Matriz de Batatais (interior de São Paulo) passaram por análises de fluorescência de raios X e espectroscopia Raman para identificar os elementos químicos e compostos presentes nas tintas. Os resultados permitem auxiliar o processo de restauração das obras de arte e em futuros estudos sobre o método de trabalho de Portinari.


Os quadros na Matriz de Batatais, executados pelo pintor provavelmente entre 1953 e 1955, trazem cenas da vida de Jesus Cristo. São pinturas de vários tamanhos, desde as estações da Via Sacra, que medem aproximadamente 50 por 50 centímetros (cm), até quadros como “Batismo” e “Sagrada Família”, com 1,99 metros (m) de altura por 2,99 m de comprimentos. “Os responsáveis pela restauração procuraram o núcleo para realizar um trabalho de caracterização dos materiais usados nas obras e seu estado de degradação durante o processo de restauro”, diz a professora Márcia Rizzutto, do Instituto de Física (IF) da USP, coordenadora do NAP-FAEPAH. “As medições de raios X e Raman aconteceram na própria igreja, por meio da utilização de equipamentos portáteis pertencentes ao Núcleo”.

As duas técnicas não necessitam de extração de amostras (não-invasivas). A fluorescência de raios X serviu para caracterizar quais substâncias químicas estavam presentes nas tintas dos quadros. “O aparelho emite um feixe de raios X, que são utilizados para excitar o material presente no pigmento e depois raios X característicos dos materiais são reemitidos pelos pigmentos analisados com frequências de onda diferentes, conforme o material encontrado, o que permite classificar cada elemento químico”, conta a professora do IF. “Em algumas obras usou-se a espectroscopia Raman, em que um sistema de laser interage com os compostos e estes espalham novamente o laser e assim fornecem informações sobre a composição química dos materiais analisados”.

Com base nos resultados das medições realizou-se um mapeamento dos quadros, que indicam os componentes de cada pigmento presente nas obras. “As análises apontam que Portinari usava pigmentos industrializados, porém feitos de diferentes elementos químicos, para variar as tonalidades de cores, como no céu pintado em alguns quadros”, diz Márcia. Para conseguir um maior número de tons de azul, o pintor usava pigmentos a base de cobalto, estanho e cobre. “Nas partes pintadas de branco foram encontrados traços de zinco; nos amarelos, cádmio, nos marrons, ferro, nos verdes, cromo, e assim por diante”.

Paleta de cores

As informações obtidas sobre a paleta de cores utilizada nos quadros da Matriz de Batatais podem ser comparadas com outras obras do artista. “É possível verificar se os pigmentos e as técnicas de pintura usadas nestes trabalhos apresentam semelhanças ou diferenças com quadros de Portinari em outros acervos, como o do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP”, ressalta a professora. “Os estudos com imageamento não encontraram traços de carbono, presentes no carvão e no grafite usado por artistas para esboçar traços iniciais em suas obras, o que pode ser um indício de que o pintor realizou os quadros diretamente sobre a tela”.
O NAP-FAEPAH surgiu em 2012, com o objetivo de realizar um trabalho interdisciplinar entre pesquisadores de ciências exatas e humanas para fazer um estudo sistemático de caracterização de objetos em acervos artísticos, históricos e etnográficos. “Por meio de técnicas físicas e químicas é possível verificar, por exemplo, processos de degradação, mudanças nos materiais ao longo do tempo e efeitos de restaurações anteriores realizadas em obras de arte, ou semelhanças entre culturas devido as características da produção de objetos em coleções etnográficas”, explica Márcia. Desde 2003, a professora realiza análises em acervos museológicos, inicialmente no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.

Com auxílio da Pró-Reitoria de Pesquisa e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Núcleo adquiriu equipamentos para realizar as medições, principalmente nos locais em que se encontram os acervos. “Além do equipamento de fluorescência de raios X e da espectroscopia Raman, também são utilizadas diferentes tangencias de imageamento para caracterizar as obras de arte como uma câmera de infravermelho, fotografia de alta resolução e fotografia com fluorescência UV que se complementam e auxiliam a estudar a obra, estudar o processo criativo do artista por meio da identificação dos traços iniciais em pinturas e desenhos. Pode-se ainda ampliar os estudos de análises de materiais utilizando o Acelerador de Partículas do Instituto”, completa a coordenadora.

No MAC são estudadas as pinturas italianas do acervo de Ciccilio Matarazzo e a coleção de gravuras em papel, em colaboração com a professora e historiadora Ana Gonçalves Magalhães e com os especialistas em Conservação e Restauro do Museu, Rejane Elias Clemencio, Renata Casatti, Marcia Barbosa e Ariane Lavezzo. “No IEB é feito um trabalho com as pinturas de cavalete de Anita Malfatti e desenhos de Di Cavalcanti, com auxílio da especialista em conservação e restauro, Lucia Elena Thomé”, relata a professora.

No Museu Paulista (MP) da USP são estudados os processos de impressão fotográfica do final do século 19 e início do 20, em conjunto com a vice-coordenadora do Núcleo, professora Solange Ferraz de Lima, e as conservadoras do Museu, Sonia Spigolon, Ina Hergert e Yara Petrella. “No MAE é feita a analise de artefatos cerâmicos etnográficos e arqueológicos da Amazônia, com participação da professora Fabíola Silva e Dra. Silvia Cunha Lima”, acrescenta Márcia. Também participam do Núcleo os professores Manfredo H. Tabacniks e Nemitala Added, do IF, Augusto Câmara Neiva, da Escola Politécnica (Poli) da USP, Carlos Appoloni, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), e Patrick Ravines, da Buffalo State Univeristy, nos Estados Unidos, além de estudantes de graduação, pós-doutoramento e do técnico Tiago Fiorini, do Acelerador de Partículas.

Alckmin ataca ONU por crítica sobre falta de água da Sabesp

Por Pedro Zambarda

Geraldo Alckmin, governador de São Paulo reeleito por cerca de 58% dos votos, enviou um duro ofício ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, cobrando que a entidade corrija suas conclusões sobre a crise da água no estado.


O estopim foi a visita da portuguesa Catarina de Albuquerque, relatora especial para água e saneamento, a São Paulo, em agosto último. Ela afirmou que a crise era responsabilidade do governo estadual e apontou falta de investimentos.

Alckmin diz que a relatora incorreu em “erros factuais” e fez uso político do tema ao conceder entrevistas às vésperas da eleição estadual, violando o código de conduta da ONU.

Ao concluir o texto, o governador adota um tom acima do usual em comunicações diplomáticas. Ele afirma que se a ONU não retificar as informações prestadas por Catarina de Albuquerque, ele ficaria em dúvida sobre a habilidade da organização para realizar a Cúpula do Clima.

Via DCM e Fernando Rodrigues, colunista do UOL

Confira o resultado das pesquisas Datafolha e Vox Populi neste segundo turno

Por Mariana Tokarnia, da Agência Brasil

Pesquisa feita pelo instituto de consultoria Vox Populi, a pedido do grupo Record, mostra empate técnico entre o candidato do PSDB à Presidência da República, Aécio Neves, e a candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT). Segundo o levantamento, Dilma aparece com 46% das intenções de voto e Aécio com 43%. Votos brancos e nulos somam 5% e indecisos, 5%.


No levantamento anterior, Dilma tinha 45% dos eleitores consultados e Aécio, de 44%.

Considerados os votos válidos, excluindo-se os votos brancos, nulos e indecisos, mesmo procedimento utilizado pela Justiça Eleitoral para divulgar o resultado oficial, Dilma tem 52% e Aécio, 48%. Configurando também empate técnico.

Dilma Rousseff se sai melhor entre os eleitores das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Aécio lidera no Sul e no Sudeste.

Quanto à avaliação de governo, 43% consideram o governo de Dilma bom ou ótimo; 36%, regular; e, 21%, ruim ou péssimo.

O Vox Populi ouviu 2 mil eleitores no sábado (18) e no domingo (19), em 147 cidades. O nível de confiança é 95%. A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-01136/2014.


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Pesquisa Datafolha divulgada ontem (20) mostra a candidata do PT, Dilma Rousseff, com 46% das intenções de votos. Aécio Neves, do PSDB, tem 43%. Dada a margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, os dois seguem empatados tecnicamente. Esta é, no entanto, a primeira vez, no segundo turno, que Dilma aparece numericamente à frente de Aécio no levantamento.

Na pesquisa anterior, Dilma tinha 43% e Aécio, 45%. Votos brancos e nulos somam 5%. Não souberam ou não responderam, 6%. Considerados os votos válidos, excluindo-se os votos brancos, nulos e indecisos, mesmo procedimento utilizado pela Justiça Eleitoral para divulgar o resultado oficial, Dilma tem 52% e Aécio, 48%.

Quanto à avaliação do governo de Dilma, 42% julgaram a administração boa ou ótima, 37% consideraram regular e 20% ruim ou péssimo.

O Datafolha ouviu 4.389 eleitores nesta segunda-feira, em 257 municípios. O nível de confiança é 95%. A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-01140/2014.

No primeiro turno, Dilma Rousseff obteve 41,59% dos votos válidos e Aécio Neves, recebeu 33,55%. A votação será no dia 26 deste mês.

Promessa: Dilma diz que até 2018 universalizará a banda larga no país

Por Bruno Bocchini, da Agência Brasil

A presidente da República e candidata à reeleição pelo PT, Dilma Rousseff, disse ontem (20) que, se reeleita, universalizará a banda larga no país até 2018. Segundo ela, universalizar significa que 90% dos domicílios terão banda larga, via fibra ótica, com velocidade de, no mínimo, 25 megabytes por segundo.


“Consideramos que a internet tem a mesma importância que, por exemplo, a universalização da energia elétrica. A internet é tão importante hoje para as pessoas como é o caso da energia elétrica. Ou seja, é um dado do consumo que a gente não pode deixar de considerar como integrante da vida das pessoas. Faz parte do cotidiano”, salientou Dilma, em entrevista coletiva em um hotel na região da Avenida Paulista.

De acordo com a candidata, o Banda Larga para Todos, como é denominado o programa de universalização, será realizado por meio de parcerias público-privadas e demandará investimento do governo da ordem de R$ 40 bilhões, que serão originários do orçamento da União, de créditos tributários e financiamentos a juros subsidiados.

“[Com o plano], pretendemos dobrar o número de conexões no Brasil. Passaremos dos atuais 150 milhões para 300 milhões no fim de 2018. Hoje, a velocidade média da banda larga é de 2,3 a 5,5 megabytes. Queremos chegar a 25 megabytes por segundo no fim de 2018", acrescentou.

Dilma disse, ainda, que o governo exigirá das operadoras a oferta de um pacote popular, com parâmetros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Como contrapartida, vamos exigir, de qualquer um dos modelos possíveis, a oferta de um pacote popular alinhado com critérios da OCDE, que são a conexão de banda larga fixa de, no mínimo, 25 a 32 megabytes”, salientou.

Conforme a candidata, os 10% de domicílios que não serão atingidos pelo programa utilizarão outros meios de acesso à internet, como rádio, satélite, o 3G ou o 4G, que são tecnologias utilizadas pelos smartfones.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Um debate importante sobre segurança em um possível segundo mandato de Dilma

Por Pedro Zambarda

Estamos chegando ao fim do segundo turno das eleições presidenciais de 2014. O tucano Aécio Neves disputa com a petista Dilma Rousseff o cargo de presidente da República. Dilma destacou-se em seu primeiro mandato com avanços na educação federal, no combate à fome e na política externa menos dócil, principalmente com o escândalo de espionagem digital dos EUA. No entanto, a gestora fraquejou no avanço da economia e foi dona de uma política de segurança dura durante manifestações, que mostraram sua face inflexível durante a Copa.


Em julho deste ano eu pude conversar com Inauê Taiguara para o site Diário do Centro do Mundo (DCM). Inauê foi preso durante a reintegração de posse da reitoria durante a greve da USP em 2013, sem provas de ter depredado o local, e participou de protestos que ocorrem desde junho do ano passado. Comentamos sobre abusos dos governos e até sobre as reações violentas durante a Copa do Mundo de 2014.

Ao contrário do que o título da matéria dá a entender erroneamente, Inauê não é líder do Movimento Passe Livre (MPL), mas apenas teve uma participação junto com vários coletivos que fizeram parte das mobilizações populares.

Para entrar no debate sobre segurança, é fundamental relembrar os abusos policiais contra protestos sem nenhum motivo ou prova, além dos dados de roubos, assaltos e da criminalidade real das grandes cidades.

Recomendo a leitura da entrevista no DCM.

domingo, 12 de outubro de 2014

Como foi participar do Roda Viva de Lira Neto, biógrafo de Getúlio Vargas

Por Pedro Zambarda

Há mais de um mês, no dia 25 de agosto, participei como tuiteiro do Roda Viva na TV Cultura com Lira Neto, o novo biógrafo de Getúlio Vargas, que lançou sua obra em três volumes generosos da República Velha ao suicídio do estadista. Com presença do mediador Augusto Nunes (revista Veja), o debate foi acompanhado pelos jornalistas Alberto Dines (Observatório da Imprensa), Eleonora de Lucena (Folha de S.Paulo), Ana Weiss (ISTOÉ) e Oscar Pilagallo, além da professora de história da USP Maria Aparecida de Aquino.


O programa foi interessante em abordar a relação de afinidade entre Vargas e o fascismo italiano, além da simpatia entre os militares que apoiavam o jornalista Carlos Lacerda da UDN e os Estados Unidos. O debate falou abertamente sobre a influência externa que criou regimes totalitários no Brasil.


Augusto Nunes escreveu uma resenha muito favorável a Lira Neto na revista Veja. Crítico dos governos do PT, o jornalista demonstrou uma grande simpatia pelo biógrafo, tanto ao vivo quanto nos bastidores. No entanto, quando foi perguntando em quem Lira votaria nas eleições de 2014, veio a resposta desconfortável com um silêncio: "Entre os candidatos postos, votarei na presidenta Dilma Rousseff". Para o intelectual, o Partido dos Trabalhadores representa a social-democracia hoje.

Certamente Nunes discorda do escritor, mas ficou nítido que o entrevistado enxerga o petismo como um movimento político singular no combate às desigualdades sociais, mesmo com todos os defeitos de seus governos. Entre os jornalistas, Alberto Dines e Ana Weiss foram precisos ao questionar Lira Neto se ele apoia ou não Getúlio Vargas, além de traçar paralelos com a política atual nas eleições presidenciais.

Confira o programa.




Sobre a minha afinidade com a poesia de Ferreira Gullar

Por Pedro Zambarda


Poucas pesssoas sabem, mas bem antes do jornalismo, eu caminhei pela trilha da poesia. Comecei a poetar desde meus 13 anos, escrevendo para correspondentes e depois tentando criar versos com algum sentido em público. Entre os 14 e os 16, firmei os autores que me deram as bases para entender que a poesia era a arte das formas e do conteúdo fragmentado. Li Camões. Li Fernando Pessoa. Mas nenhum deles me conquistou tanto quanto o maranhense Ferreira Gullar.

Amigo de infância de José Sarney em São Luís, Gullar teve uma vida difícil: Foi perseguido pela Ditadura Militar, exilou-se na Argentina e perdeu um filho já no Brasil. Seus versos são secos, ríspidos e às vezes mal-educados. Mas também são dotados de uma doçura e de uma brasilidade raras, que não se manifestam em um ufanismo bobo e ingênuo. E sim nas descrições de bananeiras, de gente pobre e de gente sofrida.

Conheci Gullar através de seus inimigos concretistas de São Paulo: Haroldo e Augusto de Campos. Apreciei o concretismo por sua arte através da repetição e da estruturação sem critérios clássicos, sem rima obrigatória. Li sobre como Ferreira Gullar rompeu com os paulistas através de uma arte própria, conquistando notoriedade no Rio de Janeiro.

Torturado durante a Ditadura, Ferreira Gullar abandonou o comunismo e suas convicções de esquerda. Pensou que iria morrer. Nos versos de seu Poema Sujo, fez uma gravação achando que não iria sobreviver. Teve ajuda de Vinicius de Moraes em seu exílio.

Hoje, Gullar está vivo e bem, com 84 anos. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras no último dia 9 de outubro, uma notícia que muito me agradou.

Ferreira Gullar critica Lula, o PT e a esquerda em suas colunas na Folha de S.Paulo. Flerta o pensamento conservador, não gosta de rock e não acredita na legalização da maconha. Às vezes é um antipetista entusiasmado.

É um idoso irritado com os rumos do mundo político atual, mas que pinta quadros que fogem do padrão clássico consagrado. Gullar também faz crítica de arte carregada de repertório. E não abandona os versos, que segundo o próprio saem naturalmente.

Não concordo com tudo o que Gullar diz ou afirma, mas sua arte marcou minha escrita por sua forma sintética e sua coragem para encarar o lodo, o sujo e o obscuro. É meu poeta de formação.

Separo três poesias dele e sua entrevista ao Roda Viva, em 2011.

Nasce o poema

há quem pense
que sabe
               como deve ser o poema
                                                      eu
                                                      mal sei
                                                      como gostaria
                                                      que ele fosse

porque eu mudo
                 o mundo muda
                 e a poesia irrompe
donde menos se espera
                                     às vezes
                                     cheirando a flor
às vezes
desatada no olor
               da fruta podre
               que no podre se abisma
(quando mais perto da noite
              mais grita
                       o aroma)
                                     às vezes
              num moer
              de silêncio
num pequeno armarinho no Estácio
de tarde:
              xícaras empoeiradas
              numa caixa de papelão
enquanto os ônibus passam ruidosamente
                à porta
                           e ali
                           dentro do silêncio
da tarde menor do comércio
do pequeno comércio
                    do Rio de Janeiro
na loja do Kalil
                 estaria nascendo
                 o poema?
(...)

Dilema

A pretensão me degrada
a humildade me deprime
e assim a vida é lesada:
ora é virtude ora é crime

Morte de Clarisse Lispector

Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
E as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós





Poeta Ferreira Gullar é eleito para a Academia Brasileira de Letras

Por Paulo Virgílio, da Agência Brasil

Por votação quase unânime, a Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu hoje (9) o poeta Ferreira Gullar para a cadeira 37 da Casa, vazia desde 3 de julho, com a morte do poeta e tradutor Ivan Junqueira. Gullar recebeu 36 dos 37 possíveis e foi eleito em primeiro escrutínio. Um voto foi em branco. Votaram 18 acadêmicos presentes e 18 por cartas.


O maranhense Ferreira Gullar, cujo verdadeiro nome é José de Ribamar Ferreira, nascido em São Luís, em 10 de setembro 1930, é o terceiro poeta a ocupar sucessivamente a cadeira 37. Antes de Ivan Junqueira, ela pertenceu ao pernambucano João Cabral de Melo Neto. A cadeira teve como fundador Silva Ramos, que escolheu como patrono o poeta Tomás Antonio Gonzaga. Seus ocupantes anteriores foram Alcântara Machado, Getúlio Vargas e Assis Chateaubriand.

Nascido em uma família de classe média pobre, Gullar passou a infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no Rio Bacanga. Aos 18 anos, começou a frequentar os meios literários da capital maranhense. Um ano mais tarde descobriu a poesia moderna, ao ler os poemas de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.

Em 1954, Ferreira Gullar lançou A Luta Corporal, livro que o projetou no cenário literário nacional. Os últimos poemas deste livro provocariam o surgimento, na literatura brasileira, da “poesia concreta”, da qual ele foi um dos participantes. Dissidente, passou a integrar um grupo de artistas plásticos e poetas do Rio de Janeiro, denominado neoconcreto.

São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos. Nesse grupo, Gullar levou suas experiências poéticas ao limite da expressão, criando o livro-poema, o poema espacial e, finalmente, o poema enterrado.

O último é uma sala de subsolo, a que se tem acesso por uma escada. Após penetrar no poema, o visitante se depara com um cubo vermelho. Ao levantar o cubo, encontra outro, verde, e sob este ainda outro, branco, que tem escrito numa das faces a palavra “rejuvenesça”.

Após afastar-se do movimento neoconcreto, Gullar aderiu à luta política revolucionária, nos anos que antecederam e que se seguiram ao golpe militar de 1964.  Membro do Partido Comunista Brasileiro, foi processado e preso na Vila Militar. Mais tarde, teve de abandonar a vida legal. Passou à clandestinidade e, depois, ao exílio.

Durante o exílio em Buenos Aires, escreveu Poema Sujo, poema de quase 100 páginas, avaliado como sua principal obra. Traduzido e publicado em várias línguas e países, Poema Sujo foi determinante para a volta do poeta ao Brasil.

Quando retornou, em 1977, foi preso e torturado. Libertado por pressão internacional, retomou seu trabalho na imprensa do Rio de Janeiro e, como roteirista, na televisão.

O teatro é outro campo de atuação de Ferreira Gullar. Após o golpe militar, ele e um grupo de jovens dramaturgos e atores fundou o Teatro Opinião, que teve importante papel na resistência democrática ao regime autoritário. Nesse período, escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída? . De volta do exílio, escreveu Um rubi no umbigo, montada pelo Teatro Casa Grande, em 1978.

Em 2002, Ferreira Gullar foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. Em 2010, recebeu o Prêmio Camões, o mais importante para autores de língua portuguesa. Instituído em 1988 pelos governos do Brasil e de Portugal, o Camões é concedido anualmente a autores que tenham contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural do idioma.

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