Estava flipando a esmo pela televisão quando me deparei com o filme You Don’t Know Jack (2010) já começado. A sinopse falava sobre a história de um médico que defende e praticou a eutanásia e o suicídio assistido. No elenco, Al Pacino como protagonista, Susan Sarandon e John Goodman. O filme merecia uma chance. Foi aquela sorte ocasional: apesar de não assistir desde o início, consegui pegar de uma parte que não me deixou perdida. Depois de 10 minutos já não consegui mudar de canal.
O Dr. Jack Kevorkian (1928-2011), mais conhecido como Dr. Death nos Estados Unidos, chamava a atenção desde a época da faculdade, quando formulou uma teoria de análise das pupilas dos mortos para definir mais precisamente a hora da morte. Já nos anos 70, trabalhando num hospital de Detroit, foi demitido após fazer transfusão de sangue de cadávares para voluntários (incluindo ele mesmo), infectando um deles com hepatite. A ideia surgiu depois de ler que o exército soviético fez o mesmo na Segunda Guerra.
A fama – e o apelido nada carinhoso – foram conquistados devido a suas polêmicas ações e opiniões sobre a eutanásia e o suicídio assistido. Ele apoia completamente os dois temas e considera como serviços médicos que deveriam ser prestados para todos. Seu argumento (e crença) é que temos o direito de decidir o que fazemos com nossas vidas.
A primeira a ser “auxiliada" foi Janet Adkins. Ela tinha Alzheimer e morreu em junho de 1990, num furgão Wolkswagen, no meio de um parque. No início, os pacientes apertavam um botão que liberava cloreto de potássio em suas veias. Depois, com a licença médica suspensa e, portanto, impedido de comprar as substâncias letais, o procedimento consistiu em um butijão de monóxido de carbono ligado à uma máscara por um tubo de plástico. Uma presilha, puxada pelo paciente, liberava a mangueira de gás. Mais tarde a técnica avançaria para o ‘Mercitron’ ou ‘Thanatron’ (imagem).
Em Oregon, cidade de atuação de Kevorkian, a prática de receitar remédios letais é legal. Depois de uma série de processos sem sucesso, um julgamento o mandou para a prisão, em 1999, considerando o médico culpado pelas mortes de cerca de 130 pacientes. O processo aconteceu depois de sua aparição no programa 60 Minutes, onde foi exposto o vídeo da morte de um de seus pacientes que recebeu, depois de consentir, uma injeção letal do doutor.
O médico gravou todas as consultas que deu – inclusive filmou os momentos finais de alguns de seus casos. O motivo maior foi a defesa em caso de processo judicial, e o mais interessante é que as fitas originais foram utilizadas no longa. O filme também mostra o cuidado dele na escolha dos pacientes, principalmente com os depressivos e os deprimidos - ele alega que rejeitava de 97% a 98% dos que o procuravam. Todos os assistidos por ele eram pacientes em estado terminal.
Além da obviedade do assunto, que já é polêmico por si só, o que é altamente questionado (e questionável) é justamente essa avaliação dos pacientes. Muitos defendem que, apesar de terminais e sob grande sofrimento e dor, eles poderiam continuar com os tratamentos e viver mais anos, ou que a família de Janet, por exemplo, estava dividida sobre a decisão. É verdade que quem diz a última palavra é o maior interessado, mas e sobre uma segunda opinião? Para Kevorkian, ela deve, sim, ser procurada.
Quando acusado de brincar de ser Deus, o médico afirma que o sofrimento vem por vontade divina e que qualquer colega de profissão que interfira em qualquer processo natural, mesmo que seja dar uma aspirina, está brincando também.
Al Pacino recebeu os prêmios Golden Globe e Emmy pela sua performance no filme.
Mais informações:
http://ac360.blogs.cnn.com/2010/04/16/video-conversation-with-dr-jack-kevorkian/
http://www.deathwithdignity.org/historyfacts/oregontimeline/
http://www.nytimes.com/1995/05/21/us/in-one-doctor-s-way-of-life-a-way-of-death.html?ref=jackkevorkian
http://www.nytimes.com/1990/06/07/opinion/dying-dr-kevorkian-s-way.html?ref=jackkevorkian
http://www.nytimes.com/2011/06/04/us/04kevorkian.html?pagewanted=all