Essa matéria destina-se a oferecer um pequeno panorama sobre candidatos mais participativos, com seus históricos, suas propagandas e desempenhos durante debates para as eleições para prefeitura na capital paulistana. Os dados de cada personagem dessa disputa ajudam a esclarecer o eleitor sobre os resultados do primeiro turno e o poder de sua decisão para o segundo turno.
Ruy Renato Reichmann (33): Com toda a certeza, um dos candidatos mais enigmáticos e impopulares das eleições 2008 (talvez não menos que Anaí Caproni do Partido da Causa Operária, PCO, ou Edílson Costa do Partido Comunista Brasileiro, PCB). Administrador de empresas e editor de livros acadêmicos e científicos, Reichmann acumulou candidaturas a vereador e governador, em 2004 e 2006, respectivamente, pelo extinto grupo do emblemático Enéas Carneiro: o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA). Nas eleições paulistanas para prefeitura de 2008, Renato Reichmann se restringiu em todos os três debates realizados no primeiro turno a mostrar propostas voltadas para interesses de certas faixas da população. Apesar de seu partido, o Partido da Mobilização Nacional (PMN), erguer uma ideologia nacionalista e progressista, típicas do PRONA, ele se expressou muito mais como político local do que alguém com visão de prefeito. Não gerou grandes polêmicas nos debates, mas fez críticas pontuais aos demais candidatos: questionou Gilberto Kassab sobre creches no último debate da Rede Record no primeiro turno, além de criticar os candidatos com altos índices de aprovação pelo público.
Ciro Moura (36): Propostas de financiamento da prefeitura para educação em escolas particulares mesclados com discursos sobre a qualidade da escola pública nos tempos de ditadura militar. Este é Ciro Moura em suas propostas e como permaneceu como candidato "nanico" nas estatísticas. Tipicamente conservador, Ciro se reservou a ataques contra Marta Suplicy e suas tendências de esquerda, mas sem ousar investir em outros candidatos de esquerda e com expressão, como Ivan Valente e Soninha. Disse, no debate da Record que encerrou o primeiro turno, estar "com a consciência limpa", apesar das críticas que recebe por ter uma adesão tão pequena nos resultados que o eliminaram. Seu partido, o Partido Trabalhista Cristão, reflete um conservadorismo até religioso, tendo como membros famosos o polêmico Fernando Collor de Mello.
Ivan Valente (50): Deputado Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Valente compactua com as idéias de Heloísa Helena como esquerda alternativa ao PT. Com apoio de partidos como Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o candidato criticou principalmente Alckimin, Kassab e a própria Marta Suplicy em debates realizados tanto na Bandeirantes quanto na Record. Quando a Rede Globo de Televisão recusou receber ele, Ciro Moura e Renato Reichmann para um quarto debate antes do primeiro turno, Valente claramente manifestou sua indignação durante panfletagem com eleitores. De fato, ele está certo: o crescimento, mesmo que ainda inexpressivo, de partidos como PSOL, vai contra a oligopolização de tendencias ideológicas em partidos como PSDB e PT. Ele também foi um dos poucos candidatos que compareceu em pessoas nas ruas de São Paulo para conversar com eleitores, sem um tratamento distante das diversas camadas sociais.
Paulo Salim Maluf (11): Descendente de libaneses, o engenheiro da Politécnica da USP Paulo Maluf se lançou com as mesmas bases de sua candidatura e atuação na prefeitura em 1993. O PAS (Plano de Atendimento a Saúde) é uma proposta que colocou patrocínio de empresas para médicos supostamente públicos, sendo que já há um Sistema Unificado de Saúde (SUS), que perderia seu potencial nesse processo. Dessa forma, Maluf não difere de Ciro Moura em propostas, com a diferença que já foi governador e prefeito de São Paulo. As propagandas políticas de Paulo Maluf eram cômicas, na medida que enalteciam sua figura política carismática e, simultâneamente, caricata. Nem parecia o ex-prefeito que prometeu "se Pitta não for um bom prefeito, nunca mais vote em mim". E, durante todos os debates, fez ataques frontais e preconceituosos a candidata Soninha Francine. Em um deles, acusou a proposta da candidata em amplicar a malha cicloviária da cidade de "irresponsável com idosos", que, segundo ele, precisam de automóveis. Outra investida do candidato também foi contra a integridade de Soninha, mostrando a revista Época de 2001 em que afirma que fuma maconha, em um ataque direto durante o último debate da Record no primeiro turno. Isso rendeu uma penalidade durante a discussão e uma imagem de um candidato que, apesar da história e do reconhecimento fácil pelos brasileiros, se prende em preconceitos da ditadura militar. E não é por menos: seu partido, o Partido Progressista (PP), veio do PDS (Partido Democrático Social) que é herdeiro direto do ARENA (Aliança Renovadora Nacional), base política dos generais que governaram com força militar entre 1964 e 1985.
Curiosidade: O site de Paulo Maluf trouxe uma versão de um mapa do programa Google Earth mostrando toda São Paulo e dando destaque a todas as suas obras públicas. Resultado? O mapa desenhou a influência de Maluf e sua intenção de fazer projetos estruturais, de engenharia.
Soninha Francine Gaspar Marmo (23): Jornalista uspiana e com carreira nas emissoras de televisão MTV e TV Cultura (apesar de sua demissão polêmica pela capa da Época em 2001), Soninha faz parte de um novo grupo de políticos no cenário que, apesar de ter seus representantes conservadores (ACM Neto), dão uma tônica menos partidarista e ideológica, mas mais valorizadora de idéias em sintonia com problemas atuais. A principal bandeira da candidata, principalmente na campanha bem estruturada na internet, é a causa ambiental, ampliando uma rede de bicicletas e bicicletários mais eficiente na cidade. Nos debates, desde os primeiros que ocorreram pela Rede Bandeirantes de Televisão, Soninha foi explicitamente contra a corrupção e seus agentes. Segundo ela, foi a principal causa do seu desligamento do Partido dos Trabalhadores (PT) e entrada no Partido Popular Socialista (PPS, que é uma dissidência do PCB e parece estar mais alinhado aos interesses de Soninha do que o partido de Lula). Dessa forma, um dos alvos prediletos da candidata em debates televisivos foi Paulo Maluf. Ambos foram protagonistas de cenas hilárias, onde Maluf solta a pérola "pertenço ao mesmo partido há 41 anos", no último debate da Record, sendo que o PP, pelo menos em tese, existe apenas desde 1985. Soninha foi eficiente em mostrar defeitos na atual política, apesar de ser ainda "tímida" em suas propostas.
Geraldo Alckimin (45): O que acontece quando um candidato tem um partido de oposição a presidência sólido, mas é fraco em seu discurso e em suas propostas? Esse é Geraldo Alckimin, médico nascido em Pindamonhangaba e vice-governador ao lado do histórico Mário Covas. Apesar dessa história e do governo do estado que teve antes de José Serra, ele não difere de Serra em propostas, assim como não difere de Gilberto Kassab, que era vice do parceiro de partido, mesmo sendo do extinto PFL/atual Democratas. Com essa situação, as pesquisas feitas pela Folha de S.Paulo e outras instituições o colocavam logo atrás de Marta Suplicy, a favorita para vencer o conflito eleitoral desde o começo. O que se faz em uma situação dessas: você deve atacar aquele que está na sua frente ou abaixo de você? A resposta é óbvia, não é? No entanto, Alckimin fez uma escolha que, pelo que tudo indica, foi muito equivocada, e atacou veemente Gilberto Kassab, tanto via publicidade quanto pelos debates na televisão. Isso gerou, ao contrário também do que se pensava, não uma vitória com folga de Marta no primeiro turno, mas a ascensão de Kassab nas eleições, um fenômeno reforçado por pesquisas da Folha. O resultado da incompetência estratégica de Alckimin, seu péssimo carisma (ele chegou a soar irritante no debate da Record, recorrendo a termos como "meu eleitor sabe...", "meu eleitor faz...") e sua prepotência quanto às conseqüências mostra um Partido da Social Democracia (PSDB) fragilizado também na figura de José Serra, que ao invés de ser associado a Geraldo que é parceiro, está impregnado na candidatura de Kassab, suposto "inimigo". O próprio PSDB enviou nota, após o fim do primeiro turno, se desculpando pelos ataques a Gilberto Kassab e assumindo uma aliança com o político dos Democratas. Alckimin, que já tentou a presidência e ficou em 2º lugar, hoje mal consegue ser prefeito.
Marta Suplicy (13): Era a estrela do começo das eleições, pois o apoio do presidente Luis Inácio Lula da Silva em pessoa durante seu comício na zona leste paulistana parecia consolidar, de fato, a influência do Partido dos Trabalhadores (PT) entre os pobres de São Paulo. Isso se provou inócuo diante de outro candidato melhor estruturado em seu marketing, menos apelativo a alianças (exceto a de José Serra) e menos mal-educado em público, pois Marta foi grosseira com programas de humor como o CQC de Marcelo Tas ou até mesmo com jornalistas da Folha de S.Paulo. Essa situação desfavorável somada ao explícito anti-esquerdismo de São Paulo, por uma maior concentração de elites e de renda em relação a outros estados, transformou-se no amargo 2º lugar de Marta Suplicy no final do primeiro turno, passando apenas o fracassado Geraldo Alckimin. Agora, na campanha de segundo turno, o que a ex-prefeita faz? Propagar marketing sobre as ambiguidades de Kassab. Isso funciona? Não. Em São Paulo nunca irá funcionar com uma clara oposição às tendências socialistas e assistencialistas que o PT gera, condenadas tanto pela própria esquerda quanto pela direita. Ao que tudo indica, a vitória de Kassab será esmagadora e Marta terá sua derrocada justamente pelo mesmo pecado de Geraldo Alckimin: a insistência ineficiente. No caso de Alckimin, isso gerou uma derrota deprimente. No caso de Marta, será em proporções nacionais, mesmo com o reforço presidencial (e da futura candidata a presidente, pois Dilma Rousseff compareceu na propaganda do segundo turno visando auxiliar a petista e endurecer a posição partidária perante o democrata).
Gilberto Kassab (25): Ele não era nada, ou era "apenas" o terceiro lugar, e agora é a estrela. Kassab não deve ser condenado pelo passado dele, como muitos imaginam (Marta constantemente o associa com Partido da Frente Liberal, PFL, tradicionalmente conservador e, de fato, o antigo partido de Kassab) e nem mesmo por ser solteiro ou sem filhos. A vida pessoal do candidato dos Democratas realmente não interessa aqui, mas sim a complexidade de sua gestão, se de fato em São Paulo ela foi boa é a pergunta. Uma coisa é clara: não é o que se divulga na propaganda. No entanto, como vice de Serra, ele conseguiu prosseguir com as políticas do titular sem questionar e pertencendo a outro partido. O jogo de Kassab é no mínimo curioso, para não dizer "camaleônico". Ele é a amostra, junto com Soninha Francine, da "morte" das ideologias no Brasil, que foram muito mal propagadas durante o regime militar e, hoje, com regime democrático e liberdades, ela não consegue mais sustentar boas idéias. Gilberto Kassab não consegue se portar com o tamanho conservadorismo de Serra, mas não chega a ter uma característica socializante como governos de esquerda. Talvez o seu traço social seja mais sutil do que muitos pensam, reformando o piso da Avenida Paulista, que realmente necessitava de reformas há muito tempo e, dessa forma, deixando de ter olhos apenas voltados para o assistencialismo ou para prédios mirabolantes como os de Maluf. Já a sua lei de "Cidade Limpa", também ao contrário do senso comum, não foi corretamente empregada e tirou o emprego de muitas pessoas sem uma regulamentação clara, a não ser por suas multas. Em campanha, o candidato do Democratas foi o único que acertou a dose de críticas a Marta, criando jargões dignos de jingles de rádios (embora eu considere questionavel a qualidade deles). Pelo mascote que ele criou, o chamado "Kassabinho", ele abandonou uma figura de político taciturno e severo para uma fisionomia agradável, mesmo com uma dicção que não colabora (ele tem língua presa). No entanto, reforçando o que falta em Marta, nem ele e nem ela discutem projetos educacionais ou mudanças internas nas escolas que já existem, mas apenas falam sobre ampliação de CEUs e escolas já realizadas. Ele, sendo o político no topo das pesquisas (e alguns diriam, até incentivado por elas), prova a ausência de originalidade em projetos de gestão, mesmo com as mudanças claras no cenário político, que era impregnado pela corrida PSDB x PT.
Resultados do Primeiro Turno:
1º Gilberto Kassab/Alda Marco Antonio (DEM) - 2.140.423 votos (33,6%)
2º Marta Teresa Suplicy/Jose Aldo Rebelo Figueiredo (PT) - 2.088.329 votos (32,8%)
3º Geraldo Jose Rodrigues Alckmin Filho/Antônio Carlos de Campos Machado (PSDB) -1.431.670 votos (22,5%)
4º Paulo Salim Maluf/Aline Lemos Correa de Oliveira Andrade (PP) — 376.734 votos (5,9%)
5º Sonia Francine Gaspar Marmo/João Batista Moraes de Andrade (PPS) — 266.978 votos(4,2%)
6º Ivan Valente/Carlos Alberto Giannazi (PSOL) - 42.616 votos (0,7%)
7º Ruy Renato Reichmann/Lucas Albano Ribeiro dos Santos (PMN) — 7.234 votos (0,1%)
8º José Levy Fidelix da Cruz/Marcelo Ayres Duarte (PRTB) — 5.518 votos (0,1%)
9º Edmilson Silva Costa/Fernanda Pereira Mendes (PCB) —4.300 votos (0,1%)
10º Ciro Tiziani Moura/Antonio Rodriguez Junior (PTC) - 3.825 votos (0,1%)
11º Anai Caproni Pinto/Afonso Teixeira Filho (PCO) —1.656 votos (0,1%)
Atual previsão do DataFolha para disputa entre Marta e Kassab (de 18 de outubro):
Gilberto Kassab - 53%
Marta Suplicy - 37%