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domingo, 12 de outubro de 2014

Sobre a minha afinidade com a poesia de Ferreira Gullar

Por Pedro Zambarda


Poucas pesssoas sabem, mas bem antes do jornalismo, eu caminhei pela trilha da poesia. Comecei a poetar desde meus 13 anos, escrevendo para correspondentes e depois tentando criar versos com algum sentido em público. Entre os 14 e os 16, firmei os autores que me deram as bases para entender que a poesia era a arte das formas e do conteúdo fragmentado. Li Camões. Li Fernando Pessoa. Mas nenhum deles me conquistou tanto quanto o maranhense Ferreira Gullar.

Amigo de infância de José Sarney em São Luís, Gullar teve uma vida difícil: Foi perseguido pela Ditadura Militar, exilou-se na Argentina e perdeu um filho já no Brasil. Seus versos são secos, ríspidos e às vezes mal-educados. Mas também são dotados de uma doçura e de uma brasilidade raras, que não se manifestam em um ufanismo bobo e ingênuo. E sim nas descrições de bananeiras, de gente pobre e de gente sofrida.

Conheci Gullar através de seus inimigos concretistas de São Paulo: Haroldo e Augusto de Campos. Apreciei o concretismo por sua arte através da repetição e da estruturação sem critérios clássicos, sem rima obrigatória. Li sobre como Ferreira Gullar rompeu com os paulistas através de uma arte própria, conquistando notoriedade no Rio de Janeiro.

Torturado durante a Ditadura, Ferreira Gullar abandonou o comunismo e suas convicções de esquerda. Pensou que iria morrer. Nos versos de seu Poema Sujo, fez uma gravação achando que não iria sobreviver. Teve ajuda de Vinicius de Moraes em seu exílio.

Hoje, Gullar está vivo e bem, com 84 anos. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras no último dia 9 de outubro, uma notícia que muito me agradou.

Ferreira Gullar critica Lula, o PT e a esquerda em suas colunas na Folha de S.Paulo. Flerta o pensamento conservador, não gosta de rock e não acredita na legalização da maconha. Às vezes é um antipetista entusiasmado.

É um idoso irritado com os rumos do mundo político atual, mas que pinta quadros que fogem do padrão clássico consagrado. Gullar também faz crítica de arte carregada de repertório. E não abandona os versos, que segundo o próprio saem naturalmente.

Não concordo com tudo o que Gullar diz ou afirma, mas sua arte marcou minha escrita por sua forma sintética e sua coragem para encarar o lodo, o sujo e o obscuro. É meu poeta de formação.

Separo três poesias dele e sua entrevista ao Roda Viva, em 2011.

Nasce o poema

há quem pense
que sabe
               como deve ser o poema
                                                      eu
                                                      mal sei
                                                      como gostaria
                                                      que ele fosse

porque eu mudo
                 o mundo muda
                 e a poesia irrompe
donde menos se espera
                                     às vezes
                                     cheirando a flor
às vezes
desatada no olor
               da fruta podre
               que no podre se abisma
(quando mais perto da noite
              mais grita
                       o aroma)
                                     às vezes
              num moer
              de silêncio
num pequeno armarinho no Estácio
de tarde:
              xícaras empoeiradas
              numa caixa de papelão
enquanto os ônibus passam ruidosamente
                à porta
                           e ali
                           dentro do silêncio
da tarde menor do comércio
do pequeno comércio
                    do Rio de Janeiro
na loja do Kalil
                 estaria nascendo
                 o poema?
(...)

Dilema

A pretensão me degrada
a humildade me deprime
e assim a vida é lesada:
ora é virtude ora é crime

Morte de Clarisse Lispector

Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
E as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós





Poeta Ferreira Gullar é eleito para a Academia Brasileira de Letras

Por Paulo Virgílio, da Agência Brasil

Por votação quase unânime, a Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu hoje (9) o poeta Ferreira Gullar para a cadeira 37 da Casa, vazia desde 3 de julho, com a morte do poeta e tradutor Ivan Junqueira. Gullar recebeu 36 dos 37 possíveis e foi eleito em primeiro escrutínio. Um voto foi em branco. Votaram 18 acadêmicos presentes e 18 por cartas.


O maranhense Ferreira Gullar, cujo verdadeiro nome é José de Ribamar Ferreira, nascido em São Luís, em 10 de setembro 1930, é o terceiro poeta a ocupar sucessivamente a cadeira 37. Antes de Ivan Junqueira, ela pertenceu ao pernambucano João Cabral de Melo Neto. A cadeira teve como fundador Silva Ramos, que escolheu como patrono o poeta Tomás Antonio Gonzaga. Seus ocupantes anteriores foram Alcântara Machado, Getúlio Vargas e Assis Chateaubriand.

Nascido em uma família de classe média pobre, Gullar passou a infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no Rio Bacanga. Aos 18 anos, começou a frequentar os meios literários da capital maranhense. Um ano mais tarde descobriu a poesia moderna, ao ler os poemas de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.

Em 1954, Ferreira Gullar lançou A Luta Corporal, livro que o projetou no cenário literário nacional. Os últimos poemas deste livro provocariam o surgimento, na literatura brasileira, da “poesia concreta”, da qual ele foi um dos participantes. Dissidente, passou a integrar um grupo de artistas plásticos e poetas do Rio de Janeiro, denominado neoconcreto.

São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos. Nesse grupo, Gullar levou suas experiências poéticas ao limite da expressão, criando o livro-poema, o poema espacial e, finalmente, o poema enterrado.

O último é uma sala de subsolo, a que se tem acesso por uma escada. Após penetrar no poema, o visitante se depara com um cubo vermelho. Ao levantar o cubo, encontra outro, verde, e sob este ainda outro, branco, que tem escrito numa das faces a palavra “rejuvenesça”.

Após afastar-se do movimento neoconcreto, Gullar aderiu à luta política revolucionária, nos anos que antecederam e que se seguiram ao golpe militar de 1964.  Membro do Partido Comunista Brasileiro, foi processado e preso na Vila Militar. Mais tarde, teve de abandonar a vida legal. Passou à clandestinidade e, depois, ao exílio.

Durante o exílio em Buenos Aires, escreveu Poema Sujo, poema de quase 100 páginas, avaliado como sua principal obra. Traduzido e publicado em várias línguas e países, Poema Sujo foi determinante para a volta do poeta ao Brasil.

Quando retornou, em 1977, foi preso e torturado. Libertado por pressão internacional, retomou seu trabalho na imprensa do Rio de Janeiro e, como roteirista, na televisão.

O teatro é outro campo de atuação de Ferreira Gullar. Após o golpe militar, ele e um grupo de jovens dramaturgos e atores fundou o Teatro Opinião, que teve importante papel na resistência democrática ao regime autoritário. Nesse período, escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída? . De volta do exílio, escreveu Um rubi no umbigo, montada pelo Teatro Casa Grande, em 1978.

Em 2002, Ferreira Gullar foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. Em 2010, recebeu o Prêmio Camões, o mais importante para autores de língua portuguesa. Instituído em 1988 pelos governos do Brasil e de Portugal, o Camões é concedido anualmente a autores que tenham contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural do idioma.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Ferreira Gullar e Laurentino Gomes são os grandes vencedores do Jabuti de 2011



Com um novo livro de poesia depois de dez anos, chamado Em Alguma Parte Alguma, Ferreira Gullar (foto 1) voltou a ganhar o prêmio Jabuti neste ano, na categoria ficção. Poeta desde a década 1950, quando publicou A luta corporal, Gullar tem uma carreira sólida como poeta e crítico de arte.

A segunda estrela do Jabuti, que ocorreu na última quarta-feira, foi Laurentino Gomes (foto 2). Ex-jornalista da revista Veja, ele ganhou fama ao reconstruir a história da família real portuguesa no Brasil, de maneira descontraída e acessível, com 1808. Com sua narrativa sobre a independência, 1822 levou a estatueta de não-ficcção deste ano.

Para quem tiver mais curiosidade sobre um dos livros, há comentários de Laurentino Gomes em uma palestra no Bola da Foca sobre 1808. Mais detalhes, aqui.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A Revolução Jasmim segundo Ferreira Gullar


"O assunto é complexo por muitas razões e, particularmente, porque cada um daqueles países tem composição social, histórica, cultural e política diversa, mas, às vezes, com fatores idênticos, indo desde os fatores religiosos até as divergências tribais. Essa interpretação parece pertinente pelo fato mesmo de que a maioria dos promotores da revolta é constituída de jovens que, graças à internet, tomaram conhecimento que uma sociedade mais aberta e mais moderna é possível", afirmou o escritor vencedor do Camões de 2010, Ferreira Gullar, em sua coluna no caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo de ontem, dia 13 de março.

O texto, batizado com o nome de Se a História tem lógica..., mostra que as análises políticas e econômicas sobre as revoluções na Tunísia, Egito e Líbia não conseguem conclusões sólidas sobre os eventos pelo frescor dos envolvidos. Muitos são jovens que, tanto pela força do mundo online quanto pela ocupação de praças e a utilização de armas, estão mudando a configuração do Oriente Médio e do Norte da África.

Gullar nos convida a uma análise mais complexa do evento, incluindo seus riscos. Ele relembra que Muammer Gaddafi já foi um revolucionário contra um regime monárquico repressor. Hoje, o estadista está há 40 anos no poder, eliminando seus opositores. Mas será que podemos ser otimistas quanto aos jovens de hoje? Talvez sim, eles possuem o benefício da internet, que é a informação dada e refletida.

Temos que ser céticos ao constatar que, seja quem assumir o poder, o governo não será perfeito. Mas temos que admitir que lutar por uma sociedade democrática e aberta a outras influências é, sim, uma vitória no oriente. E talvez seja uma mudança que o ocidente ainda não tenha entendido por completo.

E ele ainda debocha: "Gaddafi, por exemplo, veste-se como um personagem mítico que ora é um imperador, ora um beduíno, ora um marechal, dando-nos a impressão de que está prestes a desfilar na Marquês do Sapucaí".

sábado, 2 de outubro de 2010

Maranhão. Ferreira Gullar. José Sarney


Maranhão é um Brasil que paulistanos e fluminenses normalmente não reconhecem. Ao folhear a edição 38 da revista Brasileiros, passando os olhos no texto de Alex Solnik, vi algo além de Ferreira Gullar e seu novo livro Em Alguma Parte Alguma. Podia enxergar algo além de enxertos de poesia e trechos sobre a vida pessoal de Gullar.


"Não, Sarney foi meu amigo da juventude. Ele tem a minha idade, com diferença de meses..." afirmou Gullar ao jornalista. Incrível como São Luís deu origem a dois indivíduos completamente diferentes, mas ligado pelas letras: José Sarney e Ferreira Gullar. O velho Gullar ainda se considera amigo do político, especialmente sobre temas abrangentes como a literatura. O velho Gullar chega aos 80 anos com um prêmio Camões neste ano. O velho Sarney continua como líder do Senado nacional.

O histórico de Gullar é intimamente ligado com a esquerda. Suas declarações misturam arrependimento e boas lições desse engajamento, que se iniciou nos anos 50. Sarney representa hoje um "dinossauro do conservadorismo". Gullar alega que a política é a principal diferença entre eles.

Gullar e Sarney são duas caras do Maranhão, duas faces de um nordeste desconhecido para muitos nordestinos e brasileiros. Gullar é uma representação cultural na poesia e na crônica política. Sarney é uma autoridade da Academia Brasileira de Letras. Gullar e Sarney são retratos de um Brasil do século XX que se prolonga, até hoje.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Erudir #1: vamos falar sobre literatura? E sobre Ferreira Gullar?

Embora já tenha sido tema de um post neste blog, decidimos fazer um pequeno programa sobre esse famoso escritor maranhense. Erudir é uma tentativa de ser erudito (ou erodido), ou falar um pouco sobre literatura, sem parecer pretensioso (e nem sério, também). Feito pelo editor deste blog, Pedro Zambarda.



Programa faz parte do projeto Vídeos da Foca, que pretende trazer programas diferentes para os visitantes deste blog. Continuem nos visitando para conferir mais novidades.

ERRATA: Toda Poesia, de Ferreira Gullar, teve sua 15ª edição publicada em 2006. O livro em si é uma coletânea de poesias dele publicada desde 1980.

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