Poucas pesssoas sabem, mas bem antes do jornalismo, eu caminhei pela trilha da poesia. Comecei a poetar desde meus 13 anos, escrevendo para correspondentes e depois tentando criar versos com algum sentido em público. Entre os 14 e os 16, firmei os autores que me deram as bases para entender que a poesia era a arte das formas e do conteúdo fragmentado. Li Camões. Li Fernando Pessoa. Mas nenhum deles me conquistou tanto quanto o maranhense Ferreira Gullar.
Amigo de infância de José Sarney em São Luís, Gullar teve uma vida difícil: Foi perseguido pela Ditadura Militar, exilou-se na Argentina e perdeu um filho já no Brasil. Seus versos são secos, ríspidos e às vezes mal-educados. Mas também são dotados de uma doçura e de uma brasilidade raras, que não se manifestam em um ufanismo bobo e ingênuo. E sim nas descrições de bananeiras, de gente pobre e de gente sofrida.
Conheci Gullar através de seus inimigos concretistas de São Paulo: Haroldo e Augusto de Campos. Apreciei o concretismo por sua arte através da repetição e da estruturação sem critérios clássicos, sem rima obrigatória. Li sobre como Ferreira Gullar rompeu com os paulistas através de uma arte própria, conquistando notoriedade no Rio de Janeiro.
Torturado durante a Ditadura, Ferreira Gullar abandonou o comunismo e suas convicções de esquerda. Pensou que iria morrer. Nos versos de seu Poema Sujo, fez uma gravação achando que não iria sobreviver. Teve ajuda de Vinicius de Moraes em seu exílio.
Hoje, Gullar está vivo e bem, com 84 anos. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras no último dia 9 de outubro, uma notícia que muito me agradou.
Ferreira Gullar critica Lula, o PT e a esquerda em suas colunas na Folha de S.Paulo. Flerta o pensamento conservador, não gosta de rock e não acredita na legalização da maconha. Às vezes é um antipetista entusiasmado.
É um idoso irritado com os rumos do mundo político atual, mas que pinta quadros que fogem do padrão clássico consagrado. Gullar também faz crítica de arte carregada de repertório. E não abandona os versos, que segundo o próprio saem naturalmente.
Não concordo com tudo o que Gullar diz ou afirma, mas sua arte marcou minha escrita por sua forma sintética e sua coragem para encarar o lodo, o sujo e o obscuro. É meu poeta de formação.
Separo três poesias dele e sua entrevista ao Roda Viva, em 2011.
Nasce o poema
há quem pense
que sabe
como deve ser o poema
eu
mal sei
como gostaria
que ele fosse
porque eu mudo
o mundo muda
e a poesia irrompe
donde menos se espera
às vezes
cheirando a flor
às vezes
desatada no olor
da fruta podre
que no podre se abisma
(quando mais perto da noite
mais grita
o aroma)
às vezes
num moer
de silêncio
num pequeno armarinho no Estácio
de tarde:
xícaras empoeiradas
numa caixa de papelão
enquanto os ônibus passam ruidosamente
à porta
e ali
dentro do silêncio
da tarde menor do comércio
do pequeno comércio
do Rio de Janeiro
na loja do Kalil
estaria nascendo
o poema?
(...)
Dilema
A pretensão me degrada
a humildade me deprime
e assim a vida é lesada:
ora é virtude ora é crime
Morte de Clarisse Lispector
Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
E as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós
Um comentário:
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