quarta-feira, 20 de maio de 2009

Star Trek

J.J.Abrams indo ao nenhum diretor jamais foi

Quando o novo filme de Star Trek foi anunciado como um reboot, ou seja, uma retomada na história original, todos se questionaram: ainda existe espaço para Star Trek? Quem se encarregou de responder tal pergunta foi o diretor escalado, um tal de J.J. Abrams (aquele carinha que criou séries como Lost, Alias e Fringe, além de filmes como Missão Impossível 3 e Cloverfield), “O mundo precisa daquele otimismo de volta”. Essa declaração foi feita em meados de 2008, quando ainda vivíamos sob as rédeas de George W. Bush. O tempo provou que Abrams estava certo, e, ao invés de surgir como um último grito de otimismo e esperança, Star Trek surge como um marco de início da nova era Obama.

A primeira coisa a se dizer do novo filme é que Abrams é no mínimo um cara corajoso. Em vez de escolher retratar mais uma das inúmeras missões da S.S.Enterprise, o diretor colocou a mão no vespeiro e simplesmente rebobinou tudo, contando a gênese da tripulação liderada por James T. Kirk e Spock. Os fãs obviamente não gostaram muito quando ficaram sabendo disso, e desconfiaram ainda mais quando Abrams disse que sempre fora um “star wars guy”. Ou seja, não era nem de longe um profundo conhecedor do universo trekker.

O resultado disso tudo? Enquanto metade dos fãs foi aos cinemas otimista em relação à volta do maior ícone do sci-fi, a outra metade se reuniu em uma multidão raivosa munida de tochas e tridentes. Já o resto do mundo, e esse era o público que Abrams queria atingir, ficava cada vez mais curioso sobre o que seria e o que significava Star Trek.

Para que tudo funcionasse com perfeição, a primeira coisa necessária era um grande roteiro, algo que justificasse o novo filme. E pode-se dizer que tal meta foi atingida. O roteiro escrito pelos medianos Roberto Orci e Alex Kurtzman (dupla de Transformers), e supervisionado por J.J.Abrams, se vale do artifício clássico das histórias de ficção cientifica - a viagem no tempo - para criar uma história completamente nova, mudando aspectos essenciais da trama original.

A partir daí se ganhou a liberdade necessária para se trabalhar novamente àqueles personagens clássicos, com suas principais características mantidas, mas atualizadas para um público que necessita cada vez mais de ação e cada vez menos de "falação" (uma característica marcante da série). O resultado disso é uma histórica épica, fantasticamente bem amarrada, que carrega toda a grandiosidade que os tripulantes da Enterprise merecem para brilhar.

Outro ponto tão importante quanto o roteiro era a escolha do elenco. William Shatner, Leonard Nimoy, DeForest Kelly e companhia se tornarão verdadeiras lendas graças a seus personagens, e desta forma, qualquer deslize seria motivo suficiente para estragar todo o filme. Sabendo disso, Abrams e sua equipe fizeram uma das mais criteriosas escolhas de elenco pela qual um blockbuster passou recentemente. E boa noticia é que eles acertaram em cheio. Os primeiros nomes liberados foram os da equipe “coadjuvante” da nave. Simon Pegg como Scooty, Anton Yelchin como Chekov, John Cho como Sulu e Zoe Saldana como Uhura. E cada um caiu como uma luva em seus personagens, se mostrando tão carismáticos e únicos como a equipe original, e em alguns casos (leia-se Pegg e Yelchin) superando seus interpretes originais. Já o vilão Nero, personagem original do filme, ficou à cargo do talentoso Eric Bana, que o interpreta com um prazer que salta à tela.

Mas é claro que todos eles, apesar de suas qualidades, acabam funcionando como escadas para o trio principal, Kirk, Spock e McCoy. E se DeForest já não está mais entre nós, William Shatner e Leonard Nimoy devem ter ficado muito orgulhosos de Chris Pine e Zachary Quinto. Desde sua primeira cena percebemos a canastrice, arrogância e impetuosidade de Kirk, tudo junto a uma mente que a seu modo se torna genial. Das duas uma, ou Chris Pine é um excelente ator ou o filho bastardo de William Shatner. Já Zachary Quinto, que admitiu ter tido aulas com o próprio Nimoy, não deixa dúvidas de que aquele que vemos na tela é a versão mais jovem e inexperiente de Spock. Um jovem que preza pela lógica como todo Vulcano, mas que dentro de si ainda guarda a erupção emocional de todo ser humano. Por fim, Karl Urban assusta em sua semelhança com o Leonard McCoy original. Desde o modo de falar, passando por todos os trejeitos físicos, até sua mente altamente passional. Todos eles brilhantemente dirigidos por um Abrams inspirado, que não erra em nenhuma cena (erros que nunca foram graves, mas que se tornaram comum em seus filmes), e acerta a medida certa de nostalgia, algo necessário, mas que ,em excesso, poderia comprometer a obra.

Para encerrar, um parágrafo para o melhor ator do filme. A participação de Leonard Nimoy não era segredo para ninguém, mas que ela fosse tão significativa, foi uma surpresa. Nimoy não surge como o Spock de Quinto, mas como o seu próprio Spock, do universo original de Star Trek (é necessária uma certa dose de concentração para entender viagens no tempo). E a sua interpretação é simplesmente espetacular. Mais de 25 anos depois, Nimoy ainda sabe que o Spock pensa, indo além do próprio roteiro, fazendo com que qualquer direção de atores se torne desnecessária. O antigo Spock surge como uma força carregada de serenidade, experiência, sabedoria e, mais do nunca, emoção.

J.J.Abrams ainda não é nenhum George Lucas ou Steven Spielberg, embora sua idolatria aos mestres seja clara. No entanto, o americano com cara de nerd ousou remoer o ícone máximo do sci-fi para provar que ainda existe espaço para o genêro em sua forma clássica, sem a necessidade das artimanhas deste século que ele próprio ajudou a criar. Pode ser que ainda lhe falte um Star Wars ou um E.T., mas Star Trek prova que ele pode ser sim a salvação de um genêro que há muito já era dado como morto.

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