Abaixo uma entrevista com Kiko Loureiro, guitarrista da banda Angra, que conversou sobre o novo DVD de 20 anos do disco Angels Cry, sobre as influências do grupo, a concorrência com bandas internacionais e as transformações do metal melódico. Confira a conversa pingue-pongue abaixo:
Entrevista por Pedro Zambarda de Araújo
Via Ultimate Music Press. Originalmente publicado na Whiplash.net.
1 - Quais são as influências do Angra? Elas mudaram durante toda a carreira?
Kiko Loureiro - A gente sempre gostou de metal progressivo. No começo, o Queensryche era uma referência, além de Jethro Tull e até Yes. Em alguns momentos a gente deixou isso mais claro, como no caso do disco Holy Land e em algumas músicas do próprio Angels Cry. Nos dois discos, você vê pontos específicos com elementos do progressivo. Angels Cry também foi baseado em música erudita. Depois daquele disco de 93, não fomos mais atrás dessas referências. O que foi surgindo com mais força foi o metal progressivo. Atualmente, o Fabio Lione está colocando a voz dele nas músicas mais clássicas do Angra. A gente ainda não sabe como ele vai influenciar na criação de novas músicas nossas. Estamos ainda na fase de interpretação do que já existe.
2 - O que você anda ouvindo de música, Kiko?
KL - Atualmente tô ouvindo pouca música. Escutei o último álbum do Children of Bodom, Halo Of Blood (2013). Tenho Spotify e fico ouvindo de tudo um pouco, saindo de uma banda para outra. Foi-se o tempo em que a gente ouvia o mesmo disco sem parar. Ouvi com o Felipe [Andreoli] o Deftones, que achamos bem legal. São essas bandas que me vieram à cabeça agora.
3 - Em que pé está a gravação de um disco de inéditas do Angra?
KL - Estamos começando a compôr vagarosamente, pelo ritmo de shows, entrevistas e o lançamento do DVD. É muito trabalho junto e o lance da criatividade é um processo mais lento, que é quebrado facilmente por outras atividades. Tenho entrevistas a dar pra Argentina nesta semana e até para grandes jornais brasileiros. Para criar músicas, você precisa de um tempo ocioso, para tocar coisas repetidamente, criando coisas novas. Vamos tentar criar músicas que sejam a marca dos anos 2010.
4 - Como funciona a fidelidade dos fãs com tantos shows internacionais no Brasil?
KL - O lance da fidelidade dos fãs está diretamente relacionada à qualidade do produto que você entrega, seja CD ou show. Tudo faz parte desse produto que é uma banda. Os fãs não gostam de falar assim, mas é um produto. Você tem uma série de coisas agregadas, incluindo contato com o público. Dar atenção pras pessoas na internet é um dos laços para criar fidelidade. Existe a questão financeira nessa relação, que precisa ter retorno para resultar em um show melhor, com cenário, com luz e com qualidade de som, sem nem citar coisas mirabolantes. Quando vem um gigante internacional, é claro que podemos dizer que estamos concorrendo com ele nas apresentações. É como a vinda de um shopping center para competir com lojas de rua. As pessoas vão querer comprar só no shopping center, afetando as lojas. Fica difícil competir com festivais também, com ingressos caríssimos que tomam dinheiro das pessoas.
5 - Por que o cenário brasileiro está com muitos shows ultimamente?
KL - Tá tendo muito show no Brasil de grupos ótimos. O câmbio brasileiro facilitou isso, com o dólar num patamar favorável, além de leis de incentivo à cultura que ajudam o trabalho de empresas organizadoras dos shows. A crise econômica mundial também atinge esse mercado, afetando os países de primeiro mundo e trazendo as bandas para cá. Também tem o lance do Brasil na era Lula ter uma boa imagem no exterior. Tudo isso ajudou as bandas a aumentarem sua influência em novos territórios. É dificil competir toda semana com um show legal e importante no mercado, enquanto o Angra pode ser visto sempre no Brasil. Mesmo assim, se a sua banda toca realmente bem, o fã volta pra você. O Angra mostrou isso em sua história. O show de gravação do DVD no HSBC estava lotado, provando que entregar algo de qualidade é o caminho.
6 - Sem cair em brigas com ex-integrantes, mas como está sendo prestar uma homenagem ao disco Angels Cry sem a reunião com Andre Matos?
KL - A gente chegou a convidar o Andre Matos para tocarmos juntos no ano passado. Ele não quis se reunir conosco e a gente respeita a decisão dele. Ele fez os shows dele do Angels Cry e deve ter gostado da ideia. É um disco que se encaixa com a voz dele, mesmo que ele não cante da forma aguda como fazia em 1993. Pra mim, sem dúvida, o Angels cry foi um momento único de nossas vidas. Por isso, existe saudosismo daquele tempo pelo menos de duas formas: Tentar viver o passado ou ter a sensação boa quando você ouve o disco. Se eu ouço o Angels Cry original, não quando eu toco as músicas hoje, aquele som realmente remete àquela época da minha vida na Alemanha, compondo e ensaiando. Ao dar várias entrevistas, a gente acaba lembrando das sensações e isso é uma coisa legal e boa. Não vem uma saudade de fazer a mesma coisa do passado, porque a gente ainda é muito ativo e faz coisa nova. É legal tocar o que é antigo porque as músicas são de fato muito boas. Como eu venho tocando as músicas do Angels Cry ao longo dos anos, eu tenho uma relação muito diferente com a aquele som de 1993, uma música que tem vida própria.
KL - Não tínhamos noção do que o Angels Cry se tornaria. Mas, analisando agora, todo o posicionamento da banda quanto aos conceitos que deveriam estar no álbum foi bem preciso e éramos obsessivos por isso. Foi assim que a gente conseguiu esse resultado. Eu cito em palestras bastante esse período do Angels Cry, de formação da banda, como um bom posicionamento para saber o que se quer, tanto na escolha das músicas quanto de capa e imagem do grupo. Também foi um bom trabalho para saber como se portar diante de outras bandas que estão no mercado. Saber disso tudo é fundamental para fazer um disco bem-sucedido. Além do álbum, comemorar 20 anos também é reconhecer o esforço da banda em sua trajetória toda depois de Angels Cry. A gente poderia ter gravado Angels Cry, achado o máximo e não ter feito mais nada. Poderíamos ter acabado inclusive nos momentos mais difíceis, quando um integrante sai, por exemplo. Continuamos tocando e conduzindo o projeto pra frente, que começou em 1993. O sucesso de Angels Cry não está em si mesmo, mas sim na carreira inteira. Celebramos tocando várias músicas diferentes.
8 - Os projetos solos funcionam como um descanso para vocês quando não estão reunidos em torno do Angra?
KL - Nossos projetos solos são algo bem natural no mercado, inclusive entre artistas gringos. Serve pra tocar com outras pessoas, sem estar amarrado completamente. Essas experiências são saudáveis ao próprio Angra e aos músicos da banda. Eu toquei sozinho com vários músicos incríveis e fui para países que eu não iria com o Angra. E eu levei essas experiências novas para dentro da minha banda antiga. Atingi também outros tipos de fãs, especificamente aqueles que admiram guitarra elétrica. Existe um intersecção entre interesses diferentes, com fãs específicos para cada tipo de música.
9 - Os projetos solos de cada um de vocês parecem apontar para direções musicais distintas. Podemos afirmar que Kiko Loureiro aposta em música tipicamente brasileira, enquanto Felipe Andreoli e Rafael Bittecourt se direcionam para um metal brasileiro mais cru? E Ricardo Confessori, o que pretende com seu Shaman?
KL - A música brasileira é um lance forte comigo, porque eu sempre gostei dela. Eu ataco essa mistura do rock com o nacional. Já o Rafael tem o trabalho próprio dele. Neste momento, com o aniversário de 20 anos do Angels Cry, nós dois estamos focados no Angra. Tenho um novo trabalho com música brasileira chamado The White Balance que foi lançado no final do ano passado.
10 - Quem está tocando com você em White Balance?
KL - Este disco solo teve Virgil Donati na bateria e o Felipe Andreoli no contrabaixo. Mostrar algo diferente do Angra é o propósito da minha carreira solo, jogando com outros elementos musicais e não canibalizando a música de minha própria banda. Muitos fazem algo parecido na carreira solo por questão de ego. Eu realmente busco fazer um som instrumental que é diferente e que nos guie por outros caminhos na música. Isso poderia estar no Angra, porque o Angra é bem abrangente, mas é outra coisa.
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