terça-feira, 27 de maio de 2014

Jornalismo contra o poder

Por Lilia Diniz, do Observatório da Imprensa
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O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (29/4) pela TV Brasil exibiu uma entrevista de Alberto Dines com Glenn Greenwald, um dos vencedores do prêmio Pulitzer, o mais importante do jornalismo internacional. No ano passado, Greenwald divulgou em primeira mão, no jornal britânico The Guardian, as informações vazadas pelo ex-consultor da Agência Nacional de Segurança (NSA) americana, Edward Snowden. Os dados bombásticos revelaram a rede de monitoramento internacional de comunicações montada pelo governo dos Estados Unidos a partir do 11 de Setembro. Advogado constitucionalista, Greenwald nasceu no Queens, coração de Nova York, e vive há nove anos no Rio de Janeiro. Deixou o Guardian há seis meses e agora parte para uma nova aventura: um site de jornalismo independente financiado pelo fundador do eBay, o americano de origem iraniana Pierre Omidyar.


Alberto Dines abriu a entrevista questionando se Greenwald tem noção do perigo que corre ao contrariar interesses internacionais tão poderosos com as revelações do caso Snowden. O jornalista contou que quando começou esta reportagem já tinha em mente que os documentos trariam consequências graves não só para os Estados Unidos. “Como jornalista, você precisa aceitar esses riscos, esses perigos, porque jornalismo é apenas desafiar os poderosos. Sempre tem riscos e se você não aceita isso, nada vai ser no jornalismo”, disse Greenwald.

Greenwald relembrou que, em dezembro de 2012, Edward Snowden entrou em contato por e-mail pedindo para que instalasse programas que protegessem a privacidade das comunicações entre eles, mas não detalhou o assunto da conversa. O jornalista descartou a aproximação e então Snowden procurou a documentarista e cineasta Laura Poitras, que fez a ponte entre os dois. O primeiro encontro do trio ocorreu pouco depois, em Hong Kong, sob forte esquema de sigilo.

Rapidamente criou-se um clima de confiança e cumplicidade entre os três. “Depois de um dia eu sabia que ele estava falando a verdade, que os motivos dele eram puros. Eu acreditei muito no que ele estava falando, que os documentos eram reais. Eu consegui confiar nele e ele em mim e por isso o trabalho foi muito fácil”, lembrou Greenwald. Dines pediu para o jornalista comentar a dramática situação de Snowden. Asilado em Moscou, o ex-agente da NSA está longe da família, dos amigos, em um país com outra língua a cultura. Ele explicou que nos últimos meses tem falado com Snowden quase todos os dias através de conexões seguras.

Para o entrevistado, o asilo é melhor do que uma prisão nos Estados Unidos. “Ele se sacrificou sabendo exatamente o que estava fazendo. Eu acho que ele está feliz, na realidade, porque as consequências do que ele fez foram muito maiores do que imaginávamos quando estávamos em Hong Kong. Eu acho que ele não se arrepende do que fez nem um pouco e quando você tem essa convicção, isso tem um valor muito grande e pode substituir outras coisas que ele perdeu”, disse o jornalista. Greenwald sublinhou que o governo dos Estados Unidos usa o medo para controlar o país e usa da situação de Snowden para assustar outras pessoas que pretendem divulgar informações sigilosas.

Uma nova forma de ver o mundo

“Sabíamos desde o começo que o que estávamos fazendo era muito maior do que só espionagem. Primeiro porque sabíamos que muitas pessoas não iram mais confiar no papel que os Estados Unidos têm no mundo. Segundo porque as pessoas vão pensar diferente sobre os jornalistas e o relacionamento entre governo e mídia. Terceiro porque eles vão perceber que os governos podem fazer muita coisa sem transparência”, disse o entrevistado.

Grennwald acredita que muitas pessoas estejam refletindo pela primeira vez sobre as relações entre indivíduo e Estado, e em como fica a privacidade na era da internet. De acordo com pesquisas de perfil psicológico citadas pelo entrevistado, quando o indivíduo acredita que pode estar sendo monitorado, navega na internet baseado naquilo que imagina que quem o está vigiando quer ver. E isto determina seus hábitos na rede.

Glenn Greenwald disse que o presidente Barack Obama intensificou os sistemas de espionagem criados pelos seus antecessores. “Ele está perseguindo jornalistas e fontes com mais vibração do que qualquer presidente antes dele, incluindo o Bush. Altos oficiais do governo Obama estão ameaçando jornalistas, incluindo a mim, que estou fazendo essas reportagens, e dizendo que somos criminosos e devemos ser processados. Eu acho que o clima de medo criado nos Estados Unidos piorou no governo Obama, não melhorou como era a promessa”, afirmou Greenwald. O entrevistado lembrou que mesmo o presidente conservador Dwight Eisenhower percebeu como um grande problema a combinação de grandes empresas com o poder militar. Um país que está sempre fazendo guerras consolida o poder desses grupos e a democracia fica ameaçada.

Dines perguntou a Glenn Greenwald se houve algum problema que precipitou a saída do Guardian, jornal onde começou a publicar as denúncias de Snowden. Greenwald assegurou que não houve polêmica, mas o jornal – como outros veículos da grande imprensa – tem problemas econômicos e teme conflitos com governos ou grandes empresas que possam levar a prejuízos financeiros. “Esse medo criou um clima onde eles não querem ficar muito agressivos. O governo britânico, especificamente, pode atacar jornais de forma intensa porque tem proteções constitucionais. O Guardian teve muita coragem, mas [houve] um ponto em que eles estiveram intimidados”, disse Greenwald. Ele deixou o jornal não por conta desta restrição, mas pela possibilidade de criar um novo grupo de mídia independente.

O poder do dinheiro e da política

Glenn Grennwald contou que o governo diz que vai impedir reportagens, processar e colocar na prisão os responsáveis por elas. Já as gigantes da internet, como Google e Facebook, deixam clara a possibilidade de processar: “Essas empresas têm dinheiro sem limites e sabem que os jornais não podem perder muito nesses processos; e este perigo sempre está no cérebro dos jornais e os jornais têm medo de fazer reportagens com agressões contra estas empresas”, afirmou.

O jornalista explicou que as empresas são obrigadas por lei a auxiliar o governo na espionagem, mas estão fornecendo dados além do estritamente exigido. “Sem o envolvimento dessas empresas a NSA não poderia fazer nada do que está fazendo. É verdade o que essas empresas estão falando, que estão obrigadas pela lei a colaborar. Mas eles estão fazendo muito mais colaboração do que a lei obriga, porque antes dessas reportagens ninguém sabia que elas estavam fazendo isso. E eles estão recebendo muitos benefícios, trabalhando com o governo, com contratos. Essas empresas têm muito poder, muita influência”, disse. Por outro lado, elas já sentem a perda de credibilidade junto aos consumidores e poderiam pressionar o governo a mudar as leis que as obrigam a colaborar.

Dines pediu para Glenn Greenwald explicar como funcionará o novo projeto do qual participa, o First Look Media. Um dos homens mais ricos do mundo, Pierre Omidyar não tem medo de desafiar o poder ao criar um grupo de mídia independente e questionador. Vários jornalistas em todo o mundo estão sendo beneficiados com o projeto. “Ele quer apoiar os jornalistas que estão desafiando as facções mais poderosas. Ele não tem interesse em ganhar mais dinheiro”, explicou Greenwald. Omidyar se comprometeu a jamais se envolver em questões editoriais dos projetos que patrocina. “As pessoas que trabalham com internet, como ele, sempre acham que ela vai ajudar as pessoas, e criar mais igualdade. E ele está percebendo agora, com o caso Snowden, que a internet está sendo usada pelo governo no sentido oposto, para ter mais controle”, disse Greenwald.

Novas e velhas mídias

O entrevistado contou que Pierre Omidyar chegou a pensar em comprar o Washington Post, mas interrompeu as negociações com o jornal ao perceber que seria difícil fazer grandes mudanças em uma instituição de mídia convencional. Destinou os US$ 250 milhões reservados à compra do jornal para criar uma organização livre, onde cada revista eletrônica terá total independência editorial. O grupo irá contar com jornalistas de diferentes perfis, inclusive conservadores e radicais. A conexão entre eles será o método do jornalismo e não a ideologia. E ponto em comum será a vontade de desafiar facções poderosas em diversas áreas: “Poder existe em todo lugar onde os humanos atuam. Na polícia, na religião, nos esportes, na cultura, na política. A tentação para abusar do poder é a mesma”.

No ano passado, Greenwald travou uma polêmica pública com Bill Keller, editor do New York Times, sobre a opinião no jornalismo. A correspondência foi publicada pelo jornal: “Para mim, a diferença não é entre jornalistas que têm ou não tem opiniões porque os jornalistas sempre têm opiniões muito fortes. A diferença é que há jornalistas honestos, que admitem qual opinião eles têm, e os jornalistas que mentem para os leitores e fingem que não têm opiniões, e o fazem escondido. Para mim, o jornalismo é muito mais honesto e forte quando você admite exatamente o que você pensa e mostra evidência. E a coisa mais importante é se a reportagem é verdadeira, se tem evidências. Assim vai ter credibilidade”. Greenwald disse que é importante que essa discussão tenha ganhado dimensão. Ela mostra que a mídia tradicional está finalmente dialogando com representantes do novo jornalismo e respeitando a controvérsia e a crítica.

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