quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um jornalismo dos Sem-Luz

A colaboradora Lidia Zuin fez um texto opinativo sobre ensino superior, jornalismo e carreira. Para os estudantes de comunicação e curiosos sobre a área, o texto vale por seu teor crítico. Para quem está iludido ou desiludido com sua trajetória em um curso de graduação, a leitura é válida, especialmente num momento de crise pessoal.

O texto está reproduzido na íntegra, logo abaixo.


Um jornalismo dos Sem-Luz
Por Lidia Zuin

Muitos prestam vestibular para a graduação em Jornalismo na fé de que são bons escritores, exímios articulistas e germes da revolução. Outros simplesmente cursam, uns desistem e migram para áreas completamente distintas. Logo no primeiro ano, alguns professores já confidenciavam: “Sei quem será e quem não será jornalista”. E os pupilos passam semestres tentando adivinhar o que é a tal profissão para a qual estão se preparando.

Nos primeiros trabalhos, entrevistam a mãe analfabeta acerca da nova gramática, presenteando-a com o aposto de lingüista. Mais tarde, passam a obedecer às regras do lead e do limite de caracteres, começando a se preocupar com o primeiro estágio. Alguns se tornam Isaías Caminha de assessorias de imprensa, mais tarde passam a revisar textos de uma revista mensal qualquer e aí, de repente, conseguem publicar uma nota sobre celebridades assinando como “A Redação”.

Com o tempo, o equilíbrio faculdade-estágio vai se perdendo e o trabalho passa a se sobressair, tornando as presenças nas aulas cada vez mais raras e o interesse quase extinto. Isso acontece também porque alguns professores, que geralmente também atuam como jornalistas, estimulam precocemente a entrada do aluno no mercado de trabalho, mesmo que isso signifique um pontapé no traseiro daquele que ainda não está necessariamente pronto. Trata-se de um aluno: um alumni, um “sem luz”. Ou seja, o resultado é que o ânimo é podado por cargos que não exploram suas qualidades e as ilusões são perdidas conforme se faz uma autópsia da prática jornalística. Calejados, muitos chegam bufando à faculdade e se perguntam: “Já fiz isso milhares de vezes no trabalho, o que estou fazendo aqui?”

E o ensino segue defasado, enfadonho e desastroso porque, paradoxal e tragicomicamente, muitos educadores não estão preocupados em lecionar, mas em formar operários de redação. Relatos como “Back to School”, publicado no blog da revista Piauí, não são nenhum escândalo ou novidade àqueles alunos que chegam sempre rastejantes e atrasados. Talvez estejam cansados da mesmice das aulas, talvez tenham feito plantão na madrugada anterior. Como disse uma universitária nessa situação: “Tenho que pagar o aluguel”. Trabalhar é preciso, preparar-se não.

Esse desencanto também não é surpresa para os professores que freqüentemente encontram a sala parcial ou completamente vazia. E isso é grave. Porque seus alunos certamente estão interessados em garantir suas presenças, para então possuir um diploma e poder exercer livremente seus cargos de estagiário efetivado. Não é necessário aprender. Isso, aliás, nem é mais interessante. Mesmo oferecendo palestras complementares, as instituições de ensino não estimulam a aquisição de conhecimento, mas a garantia de presenças e de nota. O ensino se torna uma pedra no meio do caminho do foca que quer seguir em paz seu rumo ao topo da carreira. Com a desvalorização do diploma em Jornalismo, o pedregulho se torna uma cordilheira rochosa.

Enquanto o ensino em jornalismo se mantiver como uma tortura, a mídia continuará a ser medíocre, porque os profissionais que a compõem não serão capazes de melhorá-la sem possuir uma base intelectual que fuja da tecnicidade da prática jornalística. Disciplinas como sociologia, antropologia, teoria da comunicação, história, filosofia e tantas outras pertencentes à área das humanidades colaboram não somente com a formação de um melhor profissional como de um homem. Aquele que dominar tais conhecimentos estará preparado para lidar com seus semelhantes, não os subjugando à condição de objetos ou de seres alienígenas com suas visões condicionadas pelo cabresto do dualismo. Não basta ao jornalista encontrar as melhores fontes se ele não estiver pronto para beber delas.

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