sábado, 20 de junho de 2009

Muito além do diploma

Não foram poucas as discussões sobre o fim da obrigatoriedade do diploma. Para tentar trazer uma luz sobre o tema e discutir o assunto mais a fundo, com maior base, a Faculdade Cásper Libero resolveu promover uma rodada de debates. A primeira se deu na última sexta-feira. Na edição noturna, às estiveram presentes na mesa os professoras Gilberto Maringoni, Rosangela Petta, Daniela Ramos, Heitor Ferraz, Celso Unzelte, Igor Fuser e Liráucio Girardi Jr. A atitude da Coordenadoria de Jornalismo foi louvável em dois sentidos: o primeiro é que não existe uma postura oficial da instituição, deixando que cada professor mantenha e defenda sua própria opinião. E o segundo é o próprio estimulo ao debate. O resultado dele, primordialmente, é que tal decisão vai muito além da simples discussão se a decisão foi correta ou não.
Jornalista sem diploma, Gilberto Maringoni foi incisivo ao contrariar a decisão, deixando claro a perigosa abertura que se segue a partir da mesma, lembrando uma entrevista concedida por Gilmar Mendes à Folha de S.Paulo na própria sexta-feira. “O ministro disse que não tem mais sentido o registro de jornalista já que o diploma não é mais obrigatório. Se isso ocorrer, nossa classe vai perder uma série de direitos que foram conquistados em mais de 60 anos de luta. Não podemos deixar isso acontecer”. Sobre a sentença escrita pelo Ministro, Heitor Ferraz foi mais duro. “Este senhor devia ser preso pelo que ele disse. Ele não apenas ofendeu o jornalista nos comparando a um cozinheiro, mas ofendeu o próprio cozinheiro. Vamos lembrar que para se tornar um grande chef, anos de estudos são necessários. Feijão com arroz, você faz em casa, e não vai ser lá muito bom”.

O mundo mudou. Quando a lei que obriga jornalistas a terem diploma foi feita, em 1969, o jornalismo era outro. Havia sim nesta lei uma intenção de segregar o jornalismo, evitando que qualquer pessoa escolhesse essa profissão. Com a deprimente desculpa de acabar com uma cicatriz da ditadura, Gilmar Mendes acabou com a lei com o mesmo intuito. “É claro que muitos, a partir de agora, desistirão de praticar a profissão. Ou, quem sabe, alguém simplesmente decida que não vale mais a pena fazer uma faculdade e corre direto para os cursos de 'Adestramento de Focas'. Olha que interessante: até o nome já fala sobre adestramento” afirma Igor Fuser em uma longa fala, lembrando sobre a pasteurização que o jornalismo vêm sofrendo nos últimos anos. “O jornalista que sair de um curso de adestramento não terá metade da formação que os quatro anos que um faculdade podem oferecer. Assim como alguém que fizer outro curso além de jornalismo, também terá menos formação. Não é nosso diploma que está sendo atacado, é nossa formação” conclui Fuser.
Foi sintomático o fato de que, logo após a revogação da lei, as principais associações que defendem os jornalistas terem soltado notas atacando a decisão, enquanto as que defendem os jornais, assim como os grupos Folha, Globo e Estado terem elogiado. Existe sim interesse político e comercial por trás da decisão. E não se pode fechar os olhos para isso. “É do interesse do patronato que os jornalistas pensem menos e estejam cada vez menos unidos” admite Heitor Ferraz. Para Celso Unzelte, jornalista freelancer há quase dez anos, o que existe é uma campanha de desmoralização e padronização da profissão de jornalista. “Há anos que somos contratados apenas como pessoas juridicas, ou freelancers. Desta forma, muitos direitos são perdidos e o dinheiro pago para o profissional jornalista, o cara que vai lá na rua, diminui. E olha que sou freelancer há muito tempo". E completou "decidi sê-lo porque as condições dentro das publicações não estavam melhores. As redações nunca foram tão pequenas, nunca se fez tão poucas reportagens como hoje em dia. Não temos que nos ater a discussão do diploma, mas sim na campanha de desvalorização que nossa profissão vem sofrendo há muitos anos.”
E esta é a questão que fica. Lembrar que é justamente a simplória discussão sobre o diploma ou não-diploma que o “ministro” Gilmar Mendes quer suscitar. Um homem que nunca escondeu seu desapreço pela imprensa, seu desconforto em ter que responder para jornalistas. Se nos mantivermos nesta simples discussão, nos perderemos. Esta decisão é apenas mais um ingrediente na crise pela qual nossa profissão passa a anos, seja no Brasil ou em qualquer outro país. Cada vez mais pessoas nas ruas desmerecem o jornalista, lembrando que uma informação pode ser conseguida por um blog qualquer, ou pelo twitter. Ninguém no debate negou o fato de que grandes jornalistas podem vir de qualquer lugar, seja um motorista do carro da companhia, como lembrou Celso, seja um advogado ou um médico. Mas todos ressaltaram a necessidade imprescindível de uma formação independente, a par dos grandes jornais ou grupos jornalísticos. Não para criar uma revolução ou algo assim, mas para criar o senso crítico em relação a própria profissão.
Se ser um jornalista sempre foi algo apenas para aqueles que amavam tal profissão, agora este amor precisa ser testado de forma mais dura. E devemos sempre nos lembrar de algo: ainda existem pessoas lá fora que confiam em nossas palavras, que ainda compram jornais pensando que o autor daquele texto estava a procura da verdade, e não apenas reproduzindo o texto de qualquer assessoria de imprensa. E são estas pessoas que devemos pensar e responder quando criamos qualquer debate ou tomamos qualquer decisão. O jornalista de verdade ainda faz, e sempre fará, a diferença.

2 comentários:

Ana Carolina disse...

Parabéns pelo texto Thiago! Adorei!

De fato a parte mais triste da história não é apenas o diploma, mas a desvalorização da profissão, é essa decadência. É ver que interesses de terceiros influenciam uma decisão como esta. É cômodo para um determinado número de "poderosos" uma imprensa cada vez mais fragmentada.

Mas aqueles que realmente estão nela por paixão e comprometimento não desistirão tão facilmente e sempre farão a diferença!

Pedro Zambarda disse...

Queria ter ido nessa discussão. Mó invejinha =P

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