sábado, 10 de abril de 2010

Elevando a diversão

Construção polêmica, Minhocão resiste às críticas servindo como espaço de lazer aos domingos

“Botaram tanto [...] minhocão pelos ombros da cidade que a cidade [...] está cansada, sufocada, está doente”. Os versos de Tom Zé exemplificam a querela envolvendo a construção do Elevado Costa e Silva, o Minhocão. No entanto, a via que inicialmente privilegiava os automóveis encontra o paulistano aos domingos, quando se transforma em pista para passeio e prática de exercícios físicos.

Os 3,4 quilômetros do elevado, que liga a praça Roosevelt, no centro, ao largo Padre Péricles, na zona oeste, atendem aos moradores das regiões próximas. A aposentada Rosa Segantini, de 61 anos, mora na praça Marechal Deodoro e mantém há cerca de cinco anos o hábito de correr e caminhar no Minhocão. Um consolo para quem precisa aguentar o vizinho barulhento nos dias de semana. “O visual estraga, mas, se o Minhocão não resolveu o [problema do] trânsito, imagina sem ele”, se resigna.

O professor e jornalista Silvio Henrique Barbosa mudou-se de Perdizes, zona oeste, para a avenida General Olímpio da Silveira – que passa sob o elevado – há três anos. Aos domingos, a vista que ele tem, do sétimo andar do prédio onde mora, se altera para melhor. “De segunda a sábado, é aquela estrutura fria, onde só passam carros. No domingo, o dia amanhece de outra forma, em silêncio. Quando abro minha janela, vejo pessoas andando de skate, patins, bicicleta. Aquela imagem chama, me faz sair do apartamento”, se entusiasma.

Silvio conta que escolheu a nova moradia baseado na relação entre a área e o custo. “São apartamentos antigos, dos anos 50, muito maiores [do que os construídos atualmente] e por um preço mais baixo.” Apesar de os vizinhos o aconselharem a não instalar janelas antirruído, pois se acostumaria rapidamente com o som vindo do Minhocão, ele o fez. “Eu ouço um ruído, mas é como se fosse o ruído de uma geladeira barulhenta”, descreve.

Já Sebastião Cavalcanti, de 65 anos, se acostumou à poluição sonora. O garçom, que reside na também movimentada avenida Rio Branco, no centro, descansava das duas voltas que caminhara próximo ao final do elevado. “Onde eu moro também tem barulho. Se tivesse que morar aqui, eu moraria”, conta, ofegante.

O Minhocão não atrai apenas moradores dos bairros vizinhos. Da Lapa, zona oeste, veio o motorista André Marques, de 24 anos. “Acho bom [vir ao Minhocão]. É uma das poucas ruas de lazer aqui em São Paulo”, declara, enquanto ajeitava sua bicicleta. Silvio confirma a alta procura: “É muito comum ver pessoas muito bem vestidas. São, na verdade, excursionistas que estão, com um guia, conhecendo pontos dali de cima do Minhocão”.

Junto dos visitantes e dos atletas de final de semana, o Minhocão recebe comerciantes dos mais variados produtos e serviços, da venda de cocos a conserto de bicicletas. O tradicional sorvete não fica de fora, principalmente para resfriar o corpo dos esportistas.

Luís Carlos dos Santos vem da Bela Vista para vender picolés no elevado. Ele também trabalha na avenida Paulista e no parque da Água Branca, para onde estava indo com seu carrinho. “Eu vou aonde está a criançada”. Irreverente, relembra com detalhes um episódio curioso. “Uma cachorrinha branquinha do pêlo marrom se empolgou e caiu do Minhocão. Pulou de alegria. Fiquei com uma dó... O dono chorou, não sabia se pulava também”, recorda, sorrindo.

O sorveteiro interrompe seu relato para comemorar. Após a manhã chuvosa, o sol apareceu. Luís Carlos mostra que a meteorologia é fundamental para seu comércio. Contudo, é cauteloso. “Hoje a máxima é de 31ºC, mas vai chover. O céu lá no pico do Jaraguá está limpo, mas quando sujar...”, prevê.

Mesmo criticado por deteriorar a cidade, o Minhocão, cuja obra foi iniciada em 1970 pelo então prefeito Paulo Maluf, resiste ao tempo. A interdição das 21h30 às 6h30 e aos domingos, instituída por Luiza Erundina em 1989, deu sobrevida ao elevado, que passou a ser requisitado como cenário de peças publicitárias e ensaios fotográficos, além de servir como um agradável espaço de lazer ao ar livre.

2 comentários:

Pedro Zambarda disse...

Pachecão, parabéns pela reportagem.

Reúne depoimento de gente comum sobre um local histórico :)

Grande abraço.

Marcos Bonilha disse...

Ótima reportagem, moro ao lado do Elevado e, de vez em quando, dou umas voltas por lá. É um monstrengo no meio da cidade, mas tem lá seu charme.

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