sexta-feira, 13 de julho de 2012

Aaron Sorkin, o rei do pastiche


Elenco de The Newsroom

The Newsroom, nova série criada e escrita por Aaron Sorkin, estreou em 24 de junho de 2012, um ano depois de Moneyball, dois após o lançamento do filme The Social Network e seis anos após o término da série The West Wing, também criados e escritos por Sorkin. A série conta a história de um jornalista temperamental, Will McAvoy (interpretado por Jeff Daniels), que, junto com sua produtora-executiva, Mackenzie McHale (Emily Mortimer), busca praticar um jornalismo idílico, cuja preocupação é informar os telespectadores e contribuir para fomentar os debates políticos nacionais.

Em uma era em que o jornalismo é liderado por grandes corporações que definem suas pautas através de critérios ideológicos e/ou sensacionalistas, a série de Sorkin busca resgatar os grandes valores que percorrem (ou deveriam percorrer) essa profissão: fidelidade aos fatos, descompromisso com ideologias políticas, descaso com os grandes patrocinadores e – o que é típico das séries de Sorkin e do vocabulário norte-americano – patriotismo. Dessa forma, The Newsroom é uma homenagem a uma suposta grande era do jornalismo investigativo, protagonizada por nomes como Edward R. Murrow, Bob Woodward e Carl Bernstein, dentre outros.

O resgate de uma era em que os grandes valores americanos vigoravam é uma fórmula recorrente dos trabalhos de Sorkin. Em The West Wing, Martin Sheen incorporava a figura do perfeito presidente americano no papel de Jed Bartlet. Ele e sua equipe, pouco preocupados com a reeleição de sua administração, representavam a aplicação dos princípios dos Founding Fathers diante dos conflitos contemporâneos. Em Moneyball, Brad Pitt encarna Billy Beane, gerente de um time de beisebol que reconstrói sua equipe através da crença de que seus jogadores devem ser avaliados sob critérios matemáticos que meçam seu desempenho, ignorando superficialidades, como idade, maneiras peculiares de se lançar a bola, antigos ferimentos ou até mesmo beleza, de forma a construir um time digno de grandes astros do passado. A questão central da narrativa de Sorkin é, portanto,sobre a dificuldade de se manter os valores do passado em um mundo em que eles são descartados por motivos menos dignos, como lucro, poder e popularidade.

Jeff Daniels como Will McAvoy

The Newsroom não foge dessa fórmula. A própria abertura nos aponta para o espírito da série: a música tema é muito parecida com a de The West Wing, com uma composição instrumental que remete aos corredores de uma redação e a uma identidade tipicamente americana. Em seguida, o episódio começa com Will participando de um debate em uma universidade sentado – não por acaso – entre uma liberal e um conservador, simbolizando um canal entre dois extremos ou, ainda, uma terceira via. A princípio, seu comportamento é silencioso. Ele é caracterizado pelo entrevistador como o Jay Leno das notícias: aquele que não incomoda ninguém. Sua atitude apática é transformada quando uma estudante da platéia pergunta aos três participantes o que faz da América o melhor país do mundo. Pressionado, McAvoy responde de maneira rude, direta e absurdamente sincera, apontando que o país possui alguns dos piores índices do mundo em diversas áreas como educação e saúde. Contudo, Will prossegue, afirmando que o país costumava ser o melhor do mundo. A partir daí, enumera algumas das grandes diretrizes que guiavam a vida dos americanos, mas que se perderam nos anais do passado: defender o que é certo, lutar por motivos morais, aprovar ou não leis por motivos morais, travar guerras contra a pobreza e não contra os pobres, sacrificar-se, importar-se com seus vizinhos, etc.

Com isso, Aaron Sorkin se confirma como o rei do pastiche hollywoodiano. Suas referências descontextualizam signos do passado, misturando-os com signos do tempo presente, criando uma atmosfera nostálgica. O perigo dessa constante volta ao passado é que provoca uma amnésia histórica, reduzindo-o ao estereótipo ou ao nome de grandes ídolos, cujas particularidades não correspondiam aos anseios e às características de sua época. Ele produz um esvaziamento do passado ao apontá-lo para o mundo real de nossos tempos. Contudo, isso não diminui algumas das características primordiais da escrita de Sorkin, que é conhecida por sua fluência, pelo fervor de seus diálogos e por temáticas relevantes para a sociedade americana. Para Sorkin, valem as palavras de Friedric Jameson direcionadas ao escritor E. L. Doctorow, em seu artigo Pós-modernidade e sociedade de consumo: "Não é nenhum desserviço a ele, contudo, sugerir que suas narrativas representam menos o nosso passado histórico do que as nossas ideias ou estereótipos culturais sobre esse mesmo passado".

Para quem conhece os trabalhos de Sorkin, as cenas seguintes repetem, quando não simbolizam, esse mesmo discurso, que recorrerá por todo o seriado. Palavras como América, patriotismo, liberdade e responsabilidade são constantemente repetidas em uma tentativa de se contrapor a uma tendência atual de direcionar as notícias por um caminho alienante. No fim, trata-se de impregnar as opiniões dos telespectadores com visões convenientes dos fatos que atendem aos interesses de patrocinadores, de governantes e até mesmo daqueles que veiculam as notícias. The Newsroom tenta relembrar que o jornalismo é uma profissão com uma função social importante e nobre: transformar uma nação idiotizada pela mídia em uma nação informada cujos cidadãos possam tomar decisões de maneira consciente e, dessa forma, contribuir para a sociedade.

Entretanto, o que parte como uma reflexão termina por produzir exatamente seu efeito contrário. O que temos em The Newsroom, assim como tínhamos com The West Wing e Moneyball, é um retrato infiel de um passado não muito distante, o que contribui para uma retratação igualmente infiel dos tempos atuais. O que deveria ser uma contribuição para um debate importante – a responsabilidade social da mídia – acaba justamente provocando aquilo que condena: a alienação. Dessa forma, o que poderia ser uma tentativa legítima de produzir um debate de qualidade termina embaçando-o e afastando-se de uma caracterização verdadeira do jornalismo dos dias atuais. Nas palavras de Carl Bernstein, em uma entrevista no site Big Think quando perguntado sobre suas preocupações acerca do jornalismo na atualidade:

Então, eu não estou preocupado. O que me incomoda... e eu também acho que há um pouco de nostalgia demais sobre uma suposta era dourado do “jornalismo investigativo” que nunca existiu realmente. Você sabe, o Wall Street Journal ainda faz umas coisas maravilhosas. É uma questão de ter recursos comprometidos, por um longo período de tempo, em bater em muitas portas, em falar com muitas pessoas, em ter uma administração que está comprometida com isso. E a questão real é se nós teremos o suficiente desse tipo de administração nas velhas plataformas e nas novas, de maneira que essa forma muito importante de trabalho possa florescer.

Com atuações elétricas e diálogos formidáveis, o primeiro episódio da nova de série de Sorkin reproduz a qualidade de seus projetos anteriores. Contudo, somente através de uma visão sincera do presente – com suas qualidades, seus defeitos e suas idiossincrasias – assim como uma reflexão honesta da herança de seu passado é que se torna possível construir ou aquecer o debate acerca de um futuro que corresponda a certos ideais. No que diz respeito a isso, The Newsroom é um fracasso absoluto.


Nota do editor


Clarissa Maria é estudante de Filosofia na FFLCH-USP e é nova colaboradora do Bola da Foca.

8 comentários:

Unknown disse...

discordo ao falar que Newsroom fala de um passado vazio. Sim, o jornalismo norte-americano de fato foi e, em grande parte, ainda é um dos melhores jornalismos que se tem no mundo. Algumas gerações à frente daquilo que se pratica por aqui, por exemplo.
O grande ponto de Newsroom não é uma crise do jornalismo em si, mas a que ponto ele se rende a um ou outro interesse para amenizar uma informação.
Outro ponto levantado que discordo: Newsroom não tem NADA a ver com Moneyball. Moneyball é a quebra em relação ao passado do esporte, que era completamente amador e levado por interesses marketeiros. Isso sempre foi o beisebol, não existe um passado a ser resgatado nesse caso.
Na minha opinião Newsroom aborda um ponto que TODOS os jornalista evitam lembrar: o fato de que seus textos são editados conforme a quantidade de leitores os compram e as empresas que bancam os comerciais.

Pedro Zambarda disse...

Thiago, creio que o passado americano passa a ser vazio quando ele não corresponde com o presente. Quando seus ideais não batem com a realidade.

Entendo suas críticas. Mas concordo mais com o texto.

Unknown disse...

O ponto é que o presente do jornalismo americano ainda é melhor que o jornalismo da maioria dos países. Os números que lá são tidos como "crise" são considerados sucesso por aqui. E não, o passado não pode ser considerado vazio, pois é a partir dele que uma renovação começa.
Tenho acompanhado a série, que já está em terceiro episódio, e sinceramente, as criticas ao seu saudosismo pra mim são uma negação em relação ao que é feito hoje. O jornalismo atual, o brasileiro em particular, é uma piada.

Pedro Zambarda disse...

Não acho o jornalismo americano tão melhor assim. Ele é tido como referência, é verdade, mas boa parte das reportagens ainda é cozinha e entrevista por telefone. O Pulitzer ainda encontra diamantes a cada ano, mas cada vez mais os jornais recorrem às agências locais para conseguir informações.

Não é muito diferente daqui. Nunca foi. Tem bons textos, como em qualquer lugar.

Pedro Zambarda disse...

Prova que o jornalismo americano ainda precisa aprender, assim como o jornalismo mundial: Só no ano passado eles resolveram dar um prêmio pra jornalismo de internet. E foi pro Huffington Post. Não pro Wall Street Journal ou canônes do bom texto.

Clarissa Maria disse...

Opa, não tinha visto os comentários. Então, Thiago, a questão é que, em muito, concordo contigo. Acho que o jornalismo americano - como outras produções jornalísticas em outros lugares do mundo - possui realmente muita coisa boa (discordo de ser o melhor do mundo). O problema é que a série parece deixar isso de lado, criando um diagnóstico apocalíptico do jornalismo atual, em que valores se perderam, para querer resgatar um grande jornalismo do passado que, na verdade, na verdade, não existiu (na palavra de seus próprios representantes, como o Bernstein). Na época do escândalo do Watergate, ninguém levou a dupla Bernstein e Woodrward a sério, da mesma forma que o Murrow comeu o pão que o diabo amassou. Eles são, pro passado, o que muitos são para o presente: jornalistas sérios, que se comprometeram com a verdade e que foram contra um certo estabelecimento. Nesse aspecto, acho que a série tem muito crédito, porque delineia muito bem o que deveria ser o ofício do jornalista. Muitas pessoas, especialmente na internet (mas em outros veículos de comunicação também) fazem isso, só que Newsroom falha em citar -- ao menos até agora. E também concordo que, diante do passado, há uma questão de renovação, mas ela só é válida quando o passado é visto de maneira crítica, realista, e não como uma idealização de quem, desgostoso do presente (coisa que eu, por exemplo, não sou completamente), falha em visualizar o futuro. Inclusive, The New Yorker publicou um texto sobre isso, não tenho o link mais comigo, até falando de outros episódios que eu só fui ver depois. Teria citado se eu o tivesse lido antes de escrever. Acho muito ais esclarecedor.

Lana disse...

Parece ótima!! Quero conferir, com certeza, a estréia de The Newsroom, que promete mostrar uma comédia inteligente e crítica política tendenciosa.Tem todos os ingredientes para ser mais uma excelente série do talentoso roteirista Aaron Sorkin. Não vou perder de jeito nenhum.

Unknown disse...

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