terça-feira, 9 de setembro de 2014

Transporte público deve ser prioridade no Brasil, dizem pesquisadores

Por Camila Maciel, da Agência Brasil

Os deslocamentos urbanos ganharam destaque na agenda do país sobretudo com os protestos de rua que reuniram milhares de pessoas em junho de 2013. As manifestações evidenciaram um cenário comum nas grandes cidades: o alto custo da passagem, os longos deslocamentos diários, a superlotação de ônibus e metrôs e a crescente opção pelo transporte individual, aumentando os congestionamentos. “O investimento no transporte individual motorizado é de oito a dez vezes maior do que no coletivo. Ao longo dos anos, isso desenhou cidades para favorecer o automóvel. A médio e longo prazo, isso é insustentável”, aponta a socióloga Renata Florentino, pesquisadora do Observatório das Metrópoles.


Quase 85% dos brasileiros vivem em ambiente urbano, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a taxa de urbanização do país deva chegar a 90% nos próximos cinco anos. Com tanta gente vivendo nas cidades, é preciso articular políticas públicas que possibilitem uma convivência harmônica e igualitária nesse espaço. Um dos desafios cotidianos das cidades é o de garantir o direito de ir e vir de tantas pessoas.

Diante desse contexto, especialistas e ativistas entrevistados pela Agência Brasil são unânimes em destacar a necessidade de priorizar o transporte coletivo. “Não adianta aumentar a infraestrutura tradicional. É papel dos governos se antecipar, perceber a dinâmica que estamos vivendo e investir em alternativas”, propõe o economista Pérsio Davison, conselheiro da organização Rodas da Paz, de Brasília. Ele acredita que é preciso melhorar a qualidade do serviço, que favoreça a opção pelo transporte público, além de investir em diferentes modais, incluindo o metroferroviário. Balanço da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que 30% dos brasileiros deixaram de usar ônibus de 1995 a 2013.

A assessora jurídica da organização Terra de Direitos, Luana Xavier, entidade que integra a Plataforma Dhesca (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), defende que as políticas federais nesse âmbito devem convergir para que não haja uma indução contrária do que propõe a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal de 2012). “Pela primeira vez, estão colocados os objetivos de priorizar o transporte coletivo. Por outro lado, tem-se uma política de incentivo à aquisição do carro por meio do IPI [Imposto sobre Produto Industrializado] reduzido”, criticou. O número de automóveis passou de 25,5 milhões, em junho 2005, para 46,6 milhões no mesmo período deste ano, segundo dados do Ministério das Cidades.

O presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), Paulo Pausin, aposta no investimento em transporte de passageiros sobre trilhos. “As grandes cidades estão congestionadas e não há mais como se investir em transporte individual ou mesmo no transporte coletivo sobre rodas”, defende. A federação propõe que sejam investidos 2% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas pelo país, no transporte sobre trilhos. Segundo a entidade, apenas sete capitais brasileiras têm metrô: Brasília, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza.

Além de investir em infraestrutura, as entidades destacam que os recursos, mesmo de grande montante, serão insuficientes, se não for revisto o “atual modelo segregador de cidade”. “Isso não garante que a pessoa vai ter direito à cidade, de se apropriar do espaço urbano. Se a pessoa não tiver dinheiro para pagar, ela não vai poder se deslocar livremente”, aponta Lucas Monteiro, integrante do Movimento Passe Livre (MPL), organização que esteve à frente dos protestos de 2013 pela redução da tarifa.

Luana, da Terra de Direitos, avalia que é preciso questionar o motivo de as pessoas estarem se deslocando mais atualmente. “A classe trabalhadora está sendo expulsa dos centros urbanos e indo morar nas periferias das cidades. Há um fluxo muito grande para as regiões metropolitanas, que é onde custo da moradia é mais acessível”, analisa.

Renata Florentino, do Observatório das Metrópoles, acredita que a discussão de mobilidade urbana não pode estar dissociada do tema planejamento urbano. “A discussão tem que ser levar o trabalho para perto da pessoa e favorecer a construção de moradia popular nos grandes centros, que é onde se concentra a maior parte dos postos de trabalho”, propõe.

Na mesma linha, Luana Xavier defende que o Estado exerça o controle do preço da terra para evitar que comunidades sejam expulsas de áreas que venham a se valorizar. “Regiões próximas de metrô em São Paulo são muito valorizadas. É preciso conciliar o investimento em mobilidade e o controle do preço da terra para garantir que as populações ocupem aquele espaço”, destaca.

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