terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Alan Moore e a crítica ao conservadorismo

1981. Ronald Reagan torna-se presidente norte-americano por dois mandatos consecutivos, consolidando um retorno às políticas do capitalismo tradicional pelo neoliberalismo e acabando com as disparidades econômicas entre os EUA e a URSS pela queda do Muro de Berlim e a abertura comercial das nações socialistas. Um presidente que aliou reconciliação com conservadorismo, conquistando e consolidando seu eleitorado. Dois anos antes, em 1979, Margaret Thatcher assume o cargo de primeira-ministra britânica, diminuindo a atuação política trabalhista na Inglaterra e, junto com seus parceiros americanos, fortalecendo o poder do mercado sem regulagem do Estado pelo mundo.

Entre 1982 e 1983, o roteirista Alan Moore dá vida aos quadrinhos de V for Vendetta, ambientado em uma Inglaterra opressora. Entre 86 e 87, nasce a liga de super-heróis Watchmen, que é uma paródia dos mascarados norte-americanos durante a Guerra Fria, especialmente nos Estados Unidos. Ambos os desenhos, além de integrarem obras importantes do século XX, mostram uma clara crítica de Moore, um escritor polêmico por suas crenças no obscuro e na bruxaria, questionador quanto aos regimes vigentes e ao conservadorismo em geral.

O herói V é um anarquista que luta contra uma Inglaterra dominada por um ditador, Adam, muito semelhante ao poder popularizado de Tatcher. Os super-heróis de Watchmen não possuem poderes especiais, exceto um homem de pele azulada e brilhante chamado Dr. Manhattan, que sobreviveu a experimentos nucleares e pode desintegrar, integrar e manipular todo o tipo de matéria, sendo praticamente um deus do mundo físico. Outros personagens, como o Comediante e a Espectral, refletem a natureza decadente de heróis afetados por uma sociedade que não os aceita, mais próxima da realidade, se um super-homem existisse.

Moore conviveu com Tatcher e Reagan e, ao contrário deles, teceu uma realidade crítica do fim da Guerra Fria e do mundo real em que vivemos, mesmo através de desenhos. Transformou mitos norte-americanos dos anos 50 e 60, como super-heróis, em espelhos de uma realidade suja das ruas oprimida por políticos que não estão em contato com o cotidiano comum. Seja pelo poder estatal ou das corporações em mercados livres, Alan Moore criou novos mitos críticos no último século que passou. Portanto, mesmo que você não concorde com o anarquismo de V, ou com os heróis comuns de Watchmen, é recomendável ver seus quadrinhos neste começo de século.

Lançado em 2006, a adaptação cinematográfica de V for Vendetta adaptou toda a mensagem anti-fascista em uma história mais contemporânea, envolvendo caça ao terrorismo dentro da trama original, além da poesia e dos dotes artísticos do protagonista. O filme transformou-se em uma interpretação fiel de quadrinhos. A mensagem de que V pretendia tornar a explosão do parlamento inglês um símbolo de sua rebeldia contra o governo e um exemplo para sua população alienada é mantido, revivendo os ideais de Guy Fawkes no século XVII.

Em Watchmen, na adaptação aos cinemas de 2009, o plano de unificação na Guerra Fria é transformado em várias bombas nucleares explodindo em diferentes locais do globo, e não um ataque alien, como no gibi, tirando um pouco da surpresa original. Mas todos os personagens característicos de Moore estão presentes, mantendo sua criatividade como autor do conservadorismo social, estampado em seus heróis errantes.

Apesar de rejeitar as versões cinematográficas de suas obras, Moore é um autor que deve ser reaproveitado em tempos de Barack Obama na presidência, com esperanças que o mundo aguarda de um novo Estado americano. Esses novos mitos na verdade não diferem do mundo pessimista de Alan Moore, que possui sim retratos ideais, mas que estão distorcidos pela realidade em que vivem, não sendo pura fantasia e mantendo sua conexão com a crítica, sempre válida socialmente e individualmente.

2 comentários:

Fred disse...

"O filme transformou-se em uma interpretação fiel de quadrinhos, exceto talvez pela tortura da coadjuvante Evey, que não existe na versão original."
voce leu o original?

Pedro Zambarda disse...

Li, mas escrevi errado.

Queria passar a idéia que o filme dá um tom diferente para a tortura.

Resolvi tirar a frase da crítica. Obrigado pela observação.

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