sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre Heavy Rain

A revolução na narrativa de games

Quatro personagens. Uma história única. Inúmeros destinos e desfechos. Alguns já disseram que Heavy Rain, lançado em abril para Playstation 3, faz com que o jogador se sinta um Deus, como nenhum outro game jamais conseguiu. Respeitosamente discordo. Heavy Rain faz com que o jogador se sinta mais humano como nunca se sentiu jogando um game. Jogar Heavy Rain é jogar com a vida dos quatro personagens, afetar diretamente seus destinos e enfrentar as conseqüências irremediáveis de suas escolhas. Sem exageros, jogar Heavy Rain é a mais próxima experiência possível do que seria a reprodução da vida nos games.

Lançado pela a Quantic Dream , Heavy Rain conta a história de quatro personagens, que de alguma forma, se relacionam com um serial killer, o Origami Killer. Um pai em procura de redenção, um detetive particular, uma fotografa e um agente do FBI designado para cuidar do caso. Revelar qualquer detalhe além desta básica premissa já pode ser considerado um (grande) spoiler. Mas o que vale dizer é que cada segundo das quase 20 horas de jogo foram perfeitamente pensados ao se criar um drama policial como poucas vezes se vê, capaz de fazer inveja a muitos escritores conhecidos ou roteiristas de filmes do gênero.

O sistema de controle pode parecer que mistura os “actions buttons” conhecidos em cut-scenes de jogos como God of War e Resident Evil 4, com alterações drásticas no sistema de movimentação (R2 + direcional direito). Todos os outros botões servem para controlar as ações do personagem, conforme os comandos vão aparecendo na tela. Com poucos minutos de jogo é possível se acostumar com o estilo, em um início que, embora funcione como um tutorial no jogo, na trama é um prelúdio importantíssimo. Ou seja, embora nos primeiros minutos Heavy Rain se assemelhe a uma versão em terceira pessoa de The Sims, é bom o jogador prestar atenção na história, pois ela será fundamental para o resto do jogo.

O game apresenta alguns pequenos problemas técnicos e alguns furos no roteiro, que apenas os mais atentos notarão. A engine gráfica aparenta estar alguns meses atrasadas, e se mostra inferior a games lançados este ano, como God of War III e Final Fantasy XIII. Ocasionalmente pode-se ver alguns choques de polígonos e alguns personagens são consideravelmente mais bem feitos que outros. No entanto, estas diferenças não chegam nem perto de atrapalhar a experiência ou incomodar. Todos os personagens do game foram interpretados por atores reais, usando o mesmo sistema de captura de movimentos que vimos em Uncharted. A diferença é que aqui os personagens de fato são iguais a seus atores com um resultado impressionante nos 4 personagens principais, e satisfatório nos coadjuvantes.

A grande questão em Heavy Rain, e o motivo pelo qual o jogo será ainda lembrado por muitos anos, é sua narrativa. Não digo roteiro em si, que é fantástico, mas inferior a obras primas como Metal Gear Solid 4, mas sim a forma como ele é contado. Desde a geração passada que os games vivem o dilema envolvendo as cut-scenes, se ainda são um recurso válido para se contar uma história. A saída de David Cage foi simplesmente transformar todo o jogo em uma cut-scene interativa onde o jogador não passa mais de 5 minutos sem ter que realizar algum comando. O resultado prático disso: o jogador é obrigado a ficar com os olhos na tela. Qualquer distração e o comando se perde, e o destino do personagem pode ser afetado para sempre. E acreditem quando digo: um único botão pode matar seu personagem.

Outra inovação que beira a revolução: o conceito de morte alterado profundamente em um game. Poucos games na história até hoje trouxeram a possibilidade da morte real de um personagem. O que existe aqui não é um senso de urgência e um medo de perder todo o progresso feito, como em Demon’s Soul, por exemplo. O que vemos é o medo real da perda do personagem. Se ele morrer, já era. Isso é somado a toda relação emocional que se estabelece ao longo do jogo entre jogador e personagem, e temos uma história que pode acabar de todas as maneiras possíveis, da mais triste delas até um final de conto de fadas. São escolhas e diálogos simples que definirão este final. Beijar ou não beijar? Perdoar uma mentira? Tomar uma droga ou enfrentar uma crise de abstinência em um momento chave? Acredite, o nível de insensibilidade precisa ser absurdo para ficar imune à enchente de emoções que Heavy Rain traz.

Diante de alguns outros games lançados este ano, dificilmente a produção da Quantic Dream receberá o prêmio de melhor game do ano (e talvez não o mereça mesm,o embora não dar o prêmio de melhor roteiro beira a heresia). Contudo se a indústria assim quiser, o legado deixado em Heavy Rain poderá ser aproveitado para revolucionar as narrativas nos videogames. Em tempos que todos pensam em 3D e controles de movimento como saída para um possível marasmo do mercado, David Cage utilizou apenas idéias e um grande história para criar algo totalmente novo e marcante.

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