sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Texto de 2007: Primeiro encontro dos Jornalistas Escritores no Memorial

Escrito originalmente por Pedro Zambarda de Araújo para o site de Cultura da Cásper Líbero.
Nunca publicado porque o texto tinha 13 páginas (erro de novato). Texto foi adaptado para este blog.

Realizado nos dias 14, 15, 16, 17 e 18 de novembro, o evento de celebração do centenário da Associação Brasileira de Imprensa reuniu grandes nomes da imprensa escritas no Memorial da América Latina.

Cartaz do evento em 2007

Luís Fernando Veríssimo

Audálio Dantas, o organizador

Heródoto Barbeiro

Caco Barcellos, com Eliane Brum, em palestra
Uma dedicatória ao jornalista Joel Silveira, sergipano de Lagarto, que faleceu no dia 15 de agosto desse ano, foi exposta no saguão principal, que dá acesso ao auditório Simon Bolívar, cenário das principais palestras do evento. Essa foi a homenagem feita pelo jornalista Mauro Santayana para 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, realizado do dia 14 até 18 de novembro de 2007, no Memorial da América Latina.

As atividades foram inauguradas com a presença do governador de São Paulo, José Serra. Exposições de personalidades que fizeram história na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que completará 100 anos em 2008, foram colocadas em painéis na área do evento, com a amostra de Elifas Andreato, chamada “A arte do livro”, mostrando exemplares de desenhos feitos em livros de Clarice Lispector, Vinicius de Moraes e outros autores.
Primeiro dia: 15/11

Luís Fernando Veríssimo disse que é “mais jornalista do que escritor”, por seu texto obedecer as tendências do cotidiano, tendo uma maior identificação com crônicas. Sobre seus livros, Luis Fernando Veríssimo assumiu que a maioria foi feito sob encomenda. Para ele, a proposta e o prazo de um livro servem apenas de partida pra o escritor, que conta com a criatividade desenvolvida, mesmo com esse limite de tempo. 

Perguntado sobre a inovação da internet, Veríssimo diz que não lê blogs e não tem curiosidade mais aprofundada sobre essa nova forma de se expressar na rede, embora considere o e-mail uma revolução. Falou também de suas crônicas publicadas na rede e da fraude de autorias entre algumas delas. “Existe uma bem famosa correndo até hoje na internet. Chama-se ´Quase´ e tem um texto muito bem escrito, mas não fui eu quem fiz. Uma vez, visitei a França e uma famosa editora francesa estava traduzindo textos de brasileiros em uma pequena coletânea. Eu fui escolhido entre os escritores para transcrição e, adivinhem qual texto ela pegou? Foi constrangedor!” disse, entre risos.

Sobre seu passado, lembrou de sua afinidade com a música. Luís Fernando Veríssimo falou de sua relação com o jazz, especificamente da sua banda Jazz 6, embora tenha apenas cinco integrantes no momento. Dentro da banda, ele toca saxofone. Esse gosto pela música internacional não foi acaso. “Fui criado dos 6 anos até os 9 nos Estados Unidos. Tenho mais familiaridade com a literatura inglesa e cresci tendo o inglês como base para comunicação”.

O jornalista mineiro Ruy Castro direcionou as respostas das entrevistas para seu trabalho em biografias e perfis. Disse que os temas desses trabalhos devem ser escolhidos não somente por familiaridade do autor, mas pela relevância daquela vida ou tema para a posteridade. “Só deixo criarem uma biografia a meu respeito sobre o meu cadáver” disse, demonstrando mais claramente seu conceito de boa criação literária. 

Para ele, não pode haver intervenção do objeto biografado sobre o material final. “É impossível criar hoje um bom livro sobre o Pelé. Ele é importantíssimo e há material de sobra, mas ele pode afetar minhas fontes, dar depoimentos mentirosos, imbuir pessoas de omitirem informações curiosas”.

Heródoto Barbeiro, da rádio CBN e TV Cultura, e Ricardo Kotscho, diretor adjunto na nova revista de reportagens chamada Brasileiros, subiram ao palco, mediados por Eduardo Ribeiro. Infelizmente, por problemas de saúde, Fernando Morais, famoso por biografias como Chatô: Rei do Brasil, não compareceu ao evento.

Kotscho abriu falando um pouco de sua trajetória, como conheceu jornalismo em meados de 1960. Entrando em detalhes sobre o destino da mídia impressa, que é um tema muito retomado recentemente, ele não hesitou em expor seu viés particular: “Pra mim, escrever em jornal, revista ou qualquer outro veículo que exija texto não tem muita diferença. É pra contar história que faço isso.”

Segundo dia: 16/11

Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o Jaguar do famoso O Pasquim falou da primeira entrevista publicada lá, sem nenhuma edição. “Foi uma revolução na época. Conto essa história na maioria das entrevistas, que é um saco, mas, enfim. Os palavrões de Ibrahim Sued saíram todos porque estava todo mundo bêbado no dia do fechamento. A matéria sobrou pra mim, precisava rever as fitas e escrever. Nossa imprensa, naquela época, ainda era toda de ´terno e gravata´. Revolucionamos isso”. Essa forma de fazer jornalismo conquistou fontes para matérias no Pasquim. “Passamos a levar bebidas nas entrevistas. Virou uma zona, perdemos várias fitas cacete depois de dias de apuração”. 

Ao falar dos censores na ditadura, contou uma história relacionada às bebidas. “Dona Marina foi nossa única censora que não era do exército. Era quieta, durona e bem anti-social. Mas, aos poucos, ela foi se encantando com a gente. Chegou num momento que ela estava com uma garrafa de whiskey na mesa. Ela acabava embriagada e deixava sair todas as matérias. Foi demitida pela ditadura e morreu de cirrose”.

Perguntado sobre quem admira entre os cartunistas, citou Angeli e Laerte, “pelos seus incríveis progressos nos quadrinhos, coisa que tenho preguiça”. E, ao citar planos para o futuro, Jaguar falou que está escrevendo um livro de memórias. Confessa não ter saudades de nenhum período, mas adora o presente.

Alberto Dines, fundador e atual coordenador do site Observatório da Imprensa, disse que “a literatura e a ficção se cruzam em inúmeros pontos. Temos esse exemplo nas famosas obras da ´Comédia Humana´, o conjunto de livros de Honoré de Balzac, que traçam um retrato sobre a realidade parisiense”.
O debate com o assunto “Ficção e Realidade, interdependência criativa: de Machado até Graciliano” foi iniciado com mediação de Vera Rotta. José Nêumanne Pinto foi introduzido com comentários de seus prêmios ao longo da trajetória jornalística. “Milita” no jornalismo desde os 19 anos, sem formação acadêmica.

Citou Gabriel García Márquez para dar início a discussão. “Dizia ele que Jonas, da antiguidade bíblica, contou uma balela para a esposa, após sair para uma viagem em um harém com várias mulheres. Foi assim que começaram as ficções”. Entre os renovadores do gênero no Brasil, Nêumanne Pinto considera Machado de Assis um dos principais.

Retratando o século XX na ficção, citou alguns escritores e outros influenciados por estes. James Joyce, Sigmund Freud, Franz Kafka e Marcel Proust foram colocados, pela análise de José, como criadores de estilos de escrita e filosofias que marcaram a literatura desse período. A psicanálise de Freud, por exemplo, não se limitou no campo médico, mas se estendeu nos livros como uma forma de pensar a ser seguida, segundo o jornalista.

Expôs dentro da obra de Kafka, A Metamorfose, a existência de aspectos realistas mesmo em personagens absurdos. O homem transformado em inseto, na trama, ainda tem aspectos e sentimentos típicos de nossa raça, mesmo em um corpo totalmente diferente.

Citou Camus, outro escritor do absurdo, como literatura tipicamente filosófica. Mesmo com fatos chocantes e que colocam os personagens no limite de seus atos, eles não perdem o aspecto íntimo com o leitor mais casual.

Já no Brasil, Guimarães Rosa trouxe em livros como Sagarana conceitos de neologismo empregados nas ficções de James Joyce. “Vi um traço de Joyce em mim, mesmo querendo escrever um livro simples” relatou, falando de suas experiências pessoais como escritor. 

“Romance é uma mentira baseada em uma verdade. Não é simples futilidade, pois aborda em seu texto vários assuntos” disse José Nêumanne Pinto, sobre suas convicções sobre esse gênero. 
José Nêumanne Pinto expôs sua opinião sobre essas duas carreiras. “O que importa no jornalismo ou na literatura é a qualidade do texto. O bom texto jornalístico atravessa o tempo”. 

Ele fez uma comparação de Truman Capote no livro A Sangue Frio. “O assassinato da família Clutter relatado por Truman é a reconstrução da obra literária de Albert Camus, O Estrangeiro. Capote traz a ficção absurda de Camus para a vida real, com sua excelente memória em entrevistas”. 

Terceiro dia: 17/11

“Eu conhecia Paris, Nova Iorque, mas estava conhecendo a Favela do Vigário Geral, próxima da minha casa, somente em 1994, quando fui cobrir a chacina que ocorreu lá”. No livro onde descreve esse acontecimento, Cidade Partida, o jornalista Zuenir Ventura coloca duas trajetórias distintas: um rapaz que vira traficante e outro que virou líder comunitário. “Há um mito na favela que o menino das armas, do tráfico, o soldado, pega todas as meninas. Então, com esse apelo sexual, as atividades ilegais são incentivadas. Não dá pra oferecer um emprego normal, uma vida modesta, para um menino desses”.

O filme Tropa de Elite, na opinião de Zuenir, mostra a realidade do Rio, sem pudores. “Quando repudiam esse filme, eu tenho a impressão que não é correto chamá-lo de fascista por mostrar cenas de tortura envolvendo policiais. Se for assim, então Francis Ford Coppolla pode ser chamado de gangster por ter feito um excelente filme da realidade da máfia, como foi o Poderoso Chefão”.

Fora do mercado de trabalho, Zuenir Ventura lecionou aulas de comunicação por 40 anos. “Ensinei os jovens estudantes a não se envolverem intimamente com os fatos. Essa história que o jornalista tem estética e não ética é mentirosa. Ele é um testemunho dos fatos ainda assim” criticou, e levantando dados de seu tempo, disse: “fui criado numa época em que crescemos sob o mito da objetividade. Hoje em dia, esses valores estão em crise, mas ainda devem ser levados em conta”. Indo profundamente nas imperfeições dos jornalistas, ele comparou a carreira com as limitações de uma câmera fotográfica, que, embora tenha um enorme campo para a criatividade, é restrita aos limites humanos.

Quando cursou a Faculdade de Filosofia, no Rio de Janeiro, Ventura foi aluno do célebre escritor Manuel Bandeira. “Ele não era dos mais carismáticos. A tuberculose, o mal que o afligiu a vida toda, causava pigarro na sua voz. As aulas não ficavam atraentes. No entanto, sendo quem foi, Bandeira recebia de mim uma reverência, que era sempre correspondida” declarou, Zuenir Ventura, orgulhoso.
Quarto dia: 18/11

Juca Kfouri fez Ciências Sociais na Universidade de São Paulo e pretendia ir além da graduação. “Meu time de futebol me fez entrar no jornalismo. Queria provar, numa tese acadêmica que esse esporte não era alienante para o povo. Os presos políticos, ao contrário dos marxistas da faculdade, torciam para o Brasil na Copa de 1970”.

Entrou no começo da revista Placar, da editora Abril. “Logo de cara tive que escolher entre minha pós-graduação e o trabalho jornalístico. Era chefe de reportagem já em 74, mesmo sem ter escrito uma linha sobre isso”.

Conhecendo mais profundamente o futebol, viu um vestiário por dentro graças à credencial da Abril. “Entrei lá e, quando vi o estado do pé dos jogadores, fiquei abismado. Calos, pé-de-atleta, bichos geográficos, pés horrorosos. Consegui convencer meus superiores a fazer uma matéria sobre esse absurdo, mesmo com todos dizendo que isso era normal”. Juca ganhou prêmio Abril pela matéria, que mudou a forma como os clubes de futebol tratam de seus jogadores. Passaram a integrar pedicures nas comissões.
Fora do jornalismo, Kfouri foi perseguido politicamente e participou de grupos de guerrilhas da esquerda brasileira estudantil. Falou da famosa greve de maio de 79, feita por jornalistas. “Audálio Dantas, que criou esse ótimo evento, era a pessoa que mais nos dava segurança dentro do sindicato, naquela situação. Os brasileiros têm, constantemente, o absurdo de esquecer fatos drásticos como o assassinato de Vladimir Herzog, com falsas justificativas. No entanto, avaliamos mal nossas próprias ações, deveríamos ter pensado de outra maneira. Não era pelas armas ou pela guerrilha que deveríamos protestar. Esse país nunca foi Cuba” discursou Kfouri, emocionado.

Avisando os estudantes de comunicação, deu um aviso muito reflexivo: “vocês devem ter ouvido em várias palestras aqui coisas do tipo ´nossa, como essa gente toda quer fazer jornalismo? A gente ganha muito mal´. Bom, vou ser sincero, eu gosto muito do que faço. Rio todos os dias nesse trabalho, acho uma carreira ótima para qualquer pessoa, desde que ela saiba o que fazer. Apesar de estarmos próximos do poder muitas vezes, o jornalista deve ter sempre em mente que é apenas um observador”.

Eliane Brum começou a discussão, mesmo com uma grande timidez para falar em público. “Vou ler um texto que fiz para esse evento e peço, por favor, que encarem isso como se eu estivesse somente falando com vocês, como uma conversa mesmo”. Dessa maneira, a jornalista lembrou há a falta de textos, de muita da nossa cultura atual não engloba bons contadores de história que criam um público leitor digno.

“Nosso compromisso ultrapassa a redação. Somos repórteres até sem emprego. Se não encontramos espaço para nos expressar nas redações, o livro é uma saída muito válida” admitiu. Eliane possui apenas 20 anos de profissão, sendo a mais jovem jornalista que se apresentou no evento todo. Com palavras e emoção, disse que jornalismo é a melhor profissão do mundo por acreditar no que se faz. “Conheço colegas que acreditam que seu jornal embala peixe, que ninguém vai se lembrar. Alguns poucos, mas significativos, acreditam estar fazendo história, pois o que escrevemos não deixa de ser um documento, mesmo que mostre nossa incompetência”.

Para ela, as redações estão fechadas em si mesmas, os grandes conglomerados de comunicação também, mas Eliane apontou alternativas, como a internet. “Há poucos dias, a periferia criou um evento chamado ´Primeira Semana de Arte Moderna´, com artistas da favela. Audálio Dantas, presente aqui e organizador desse salão, fez uma cobertura muito expressiva. Eventos como esse são exemplares na periferia, mas quantos de vocês viram isso nas grandes redes?”.

Atrasado por motivos pessoais, o jornalista Caco Barcellos foi o último a falar. Com sotaque gaúcho fluente, disse que o livro Rota 66: A polícia que mata foi o trabalho mais polêmico de sua carreira, que gerou perseguições por parte de autoridades na época de seu lançamento. No entanto, processos judiciais só ocorreram na reportagem de Barcellos sobre abusos da Polícia Militar no famoso “Massacre do Carandiru”, que foi assunto refletido nas Organizações das Nações Unidas (ONU).

Sobre entrevistas, Barcellos falou dos testemunhos decorados, forjados e rasos, feitos principalmente por autoridades sociais. No seu livro Abusado: Dono do morro Dona Marta, ele teve oportunidade de falar com pessoas faveladas, sem nenhum preparo ou censura prévia sobre seus próprios depoimentos.

Caco Barcellos mencionou, inúmeras vezes e de maneira irônica, o filme Tropa de Elite, mostrando como a classe média aplaudiu as ações policiais de tortura no longa-metragem. “Quando o Bope raptou um playboy com maconha, deu uma lição sem brutalidade e o devolveu às ruas, Juliano VP ficou desesperado, com medo de perder compradores. Quando eles agiram sem violência, o tráfico saiu muito prejudicado” criticou Barcellos. Sobre ameaças cotidianas pelo que escreve, Caco confessou que não sofre. 

Como última palestra, entrevista e acontecimento do Salão do Jornalista Escritor, Mino Carta, jornalista e dono da revista Carta Capital, subiu ao palco para responder entrevistas, às 19 horas e 30 minutos. “Quando saí da Veja, tive que criar meus empregos. Passei a dirigir, aos 26 anos de idade, publicações que não existiam no mercado” enfatizou.

Sobre sua entrada no jornalismo, com muito sotaque italiano, disse que começou com um “senso de mercenário”, buscando apenas dinheiro. O pai, que era jornalista, odiava futebol e convocou o jovem Mino para fazer matéria sobre o assunto. “Fiz as contas e vi que podia comprar um terno azul-marinho. Entrei como jornalista no trabalho querendo esse terno”.

Na editora Abril, foi diretor da revista Quatro Rodas, embora não dirija carros até hoje. Quando assumiu a revista Veja, viu que poderia fazer política pelo jornalismo. “Tenho convicção de que não ficarei na história. Meus empregos, sim, eles ficarão”.

Na opinião de Mino e de acordo com suas referencias, o jornalismo brasileiro está entre os piores do mundo. “Esse ´projeto de IBOPE´ é responsável por um mal texto. A aposta disso é que o povo não passa de um bando de imbecis”.

Sobre suas leituras particulares, responsáveis por sua formação, Mino Carta recomendou autores ingleses, como Jonathan Swift e Charles Dickens. Criticou a postura do escritor Mário Sérgio Conti ao fazer o livro Notícias do Planalto. “Ele resolveu mostrar a visão do patrão, ao me entrevistar. E, para mim, Roberto Civita foi uma das maiores bestas que já conheci na vida. Conti é o típico sujeito que te entrevista sem olhar nos seus olhos, sem perguntar de frente. Ele ficou olhando pro cadarço do meu sapato”.

Ao ser questionado sobre como foi a criação da Carta Capital, Mino diz que surgiu graças à editora Carta de seu irmão, que abrange revistas como a Vogue. “São o tipo de revistas que não tem nada a ver comigo”.

Encerrando a última pergunta, respondeu que não acredita que existiu um New Journalism nos Estados Unidos e no mundo, mas sim um jornalismo bom, com textos de qualidade, que se sobressaiu perante os demais.

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