sábado, 23 de janeiro de 2010

O primeiro homem é orfão

Manuscritos foram encontrados em janeiro de 1960, junto com o corpo de seu autor. Nas anotações, um livro conciso é desvendado nas primeiras páginas. Mas, com o aumento das rasuras e das várias versões de um mesmo parágrafo, a narrativa vai se perdendo a medida que chega em seu final. Nem mesmo com esses pormenores O Primeiro Homem, escrito pelo intelectual e jornalista Albert Camus até o dia de sua morte, perde seu valor. Aliás, o fato de ser um livro incompleto o torna ainda mais compatível com seu tema e seu propósito como romance.

Camus nunca escreveu ficção baseada inteiramente em sua vida pessoal. Mersault em O Estrangeiro não reflete sua personalidade, mas um conceito de absurdo em forma desumana, apesar de ser um personagem. O heroísmo do doutor Rieux em A Peste era contra uma forma generalizada do absurdo. O Mito de Sísifo e O Homem Revoltado foram ensaios conceituais sobre absurdismo e revolta. Por fim, somente com a história de Jacques Cormely, filho de franceses na Argélia, que Albert Camus decidiu espelhar sua própria experiência como estudante, escritor e estrangeiro em sua própria casa. Nesse contexto existiu o maior absurdo que ele enfrentou em vida: nascer e viver em uma terra miserável tendo a riqueza interior de sempre querer saber mais e ter uma história. O desejo de um marco temporal de Cormely/Camus contrasta com a ausência de um sentido racional da pobreza, com a inexistência do pai, morto pela Primeira Guerra Mundial, além do vazio do calor solar. Todos os simbolos camuseanos de outras obras estão presentes nessa.

E o romance se desenrola em cenas desencontradas no tempo. Em certos capítulos, Cormely aparece crescido e prospero como intelectual. Outros retratam sua infância dificil, dividido entre a vida pobre doméstica e o incentivo de professores na escola, que assumem o papel de seu pai.apagado por uma morte traumática. Camus faz diversas metáforas sobre a capacidade de viagem de seu protagonista principal, alegando que os livros eram sua saída do mundo quente e subdesenvolvido em que ele se encontrava para outros lugares estranhos, mas familiares em seu íntimo.

O primeiro homem de Albert Camus é um órfão. Sua história pessoal, de abandono e busca de alguma memória, é o que o escritor franco-argelino concebe como a primeira busca humana. Se Adão e Eva existissem num universo camuseano, sua origem não seria tão judaico-cristã, mas abandonada, vazia e estranhamente repleta de símbolos que se perpetuariam em seus filhos. Nas palavras do jornalista Manuel da Costa Pinto, que redigiu o prefácio dessa obra na tradução brasileira, Camus faz uma busca ao próprio pai, que também é uma descoberta de si mesmo. Nada mais adequado do que essa revelação estar incompleta, dando muitas opções interpretativas ao leitor, tanto aquele que conhece Albert Camus quanto os que não o conhecem como literato.

Um comentário:

tesmoop disse...

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