Inauê Taiguara Monteiro de Almeida foi preso na manhã do dia 12 de novembro com o estudante João Vitor Gonzaga pela Polícia Militar de São Paulo durante a reintegração de posse da reitoria da instituição, ocupada por estudantes desde o início de outubro. Inauê é um dos dirigentes do Centro Acadêmico de Filosofia, enquanto João Vítor é um dos funcionários da Faculdade de Arquitetura.
Na manhã do mesmo dia, a reitoria da universidade foi retomada por policiais e teve prejuízos estimados em um milhão de reais. Entretanto, nenhum dos ocupantes foram encontrados, porque deixaram o local sabendo da ação da PM paulistana há pelo menos três dias. Inauê e João Vítor estavam organizando uma festa do CA da Filosofia, desvinculada da ocupação da reitoria. Funcionários da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e seguranças do mesmo local asseguram os eventos anteriores às prisões. As detenções ocorreram na Praça do Relógio (foto acima) e não na reitoria, onde deveria estar ocorrendo a reintegração de posse. Dois ciclistas não-alunos também foram detidos sem nenhum indício de participação na depredação no mesmo dia. No entanto, foram liberados no mesmo dia.
O advogado dos dois alunos, Felipe Vono, apoiado pelo Diretório Central dos Estudantes, documentou em textos publicados no Estado de S.Paulo e na Carta Capital a versão dos estudantes. A polícia acusou ambos de depredação de patrimônio público e formação de quadrilha, crime que é inafiançável, sem provas.
Os estudantes tiveram seus cabelos raspados e há denúncias de socos e pontapés no processo de detenção. Os rostos de ambos foram exibidos em sites jornalísticos como Terra e Veja sem que as prisões fossem executadas em cima de suspeitas concretas. Não houve processo de investigação sério sobre as depredações da reitoria, além da total falta de comunicação do reitor João Grandino Rodas com todos os estudantes de seu espaço universitário.
Liberados no dia 13 de novembro, às 18h aproximadamente, os dois estudantes divulgaram uma carta de agradecimento, com algumas reclamações. Segue abaixo:
Carta aberta de agradecimento à sociedade
Caros amigos,
familiares e concidadãos,
Gostaríamos de agradecer ao apoio de todos aqueles que se
mobilizaram para que nós, Inauê Taiguara Monteiro de Almeida e João Vitor
Gonzaga, estivéssemos novamente em liberdade e pudéssemos defender-nos das
acusações feitas por policiais da tropa de CHOQUE, que faziam a reintegração de
posse do prédio da reitoria da USP. Fomos presos arbitrariamente e de forma
violenta.
Temos a consciência tranquila por saber que não estávamos
no prédio da reitoria e que não participávamos da ocupação do mesmo. De modo
que não temos receio algum de que eventuais imagens das câmeras que estão
espalhadas pelo campus apareçam – inclusive exigimos que elas apareçam.
Durante cerca de três horas ficamos desaparecidos, pois
se fomos detidos por volta das 05h horas do dia 12 de novembro, às 08h42min
deste dia o twitter da PM de São Paulo declarou: “Informamos que na
reintegração de posse na Reitoria da USP, ao contrário do que tem sido
informado, não houve nenhum detido.” Ora, então onde estávamos se não sentados
no chão do ônibus da PM, ao final do corredor, estacionado entre o prédio da
reitoria e a biblioteca Midlin? Talvez tenhamos viajado no tempo, de volta para
o período da ditadura. Gostaríamos que esta fosse a explicação mais plausível.
Porém, sabemos que infelizmente isto ocorre cotidianamente em plena Democracia
e Estado de Direito, com especial recorrência nas periferias e favelas, onde
habita a população negra e pobre do país. Aparecemos e estamos soltos, mas
somos a minoria destes casos.
Sabemos disso.
Se saímos, foi graças à mobilização das pessoas,
entidades e mandatos que se engajaram em nos defender. Se não fosse a
repercussão política de nossa prisão poderíamos ainda estar presos no Centro de
Detenção Provisória de Osasco, ao qual fomos encaminhados pela manhã do dia 13
de novembro.
Enquanto cidadãos que foram presos injustamente,
gostaríamos de agradecer a nossos amigos e familiares pelo amor e dedicação que
empenharam à nossa liberdade. Eles se mobilizaram desde o momento em que
souberam que havíamos sido detidos e conseguiram, em pouquíssimo tempo, acionar
uma rede de contatos que nos ajudou a sair da situação em que estávamos.
Queremos agradecer também à dedicação dos advogados Felipe Vono, Maria Lívia,
Fernanda Elias, Viviane Cantarelli e dos advogados do Sintusp que deram o seu
melhor e conseguiram que recuperássemos a nossa liberdade, bem como a todos os
outros inúmeros advogados que nos ajudaram a conversar com nossos entes
queridos que estavam para além dos muros da prisão e ajudaram a elaborar a
estratégia jurídica que nos permitiu estar mais uma vez em liberdade. Queremos
agradecer também ao Deputado Estadual Prof. Carlos Giannazi, que esteve
presente conosco por três vezes durante o dia e meio em que ficamos detidos (indo
inclusive ao CDP para se certificar que nossa integridade física seria
resguardada), à Deputada Leci Brandão que enviou o seu Chefe de Gabinete,
Eliseu Soares Lopes, para nos prestar solidariedade no 93º DP. Aos mandatos de
Ivan Valente, Toninho Vespoli e Zé Maria que nos apoiaram. Em especial,
queremos agradecer ao Senador Eduardo Suplicy que intercedeu por nós.
Gostaríamos também de agradecer aos detentos, com os quais fomos levados ao CDP
e com os quais dividimos uma cela durante à tarde do dia 13 de novembro, pela
solidariedade e humanidade com que nos trataram.
Queremos agradecer às entidades “Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ”, “Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, Belo
Horizonte”, “Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos”,
“União de Mulheres de São Paulo” e “Promotoras Legais Populares” e todas as
outras que se manifestaram em nosso apoio.
Como membros da comunidade acadêmica da USP, gostaríamos
de agradecer a todos os colegas do curso que se mobilizaram e ajudaram a
divulgar a notícia de que estávamos presos. Agradecemos ao Centro Acadêmico de
Filosofia “Prof. João Cruz Costa” (o CAF), ao CAELL, ao CeUPES, ao CALQ e a
todos os Centros Acadêmicos que manifestaram seu apoio para que fossemos
liberados e inocentados. Agradecemos ao Diretório Central dos Estudantes da
USP, DCE Livre “Alexandre Vanuchi Leme” pelo apoio e solidariedade prestados.
Também somos gratos aos professores do Departamento de Filosofia, pois sua
manifestação de apoio foi fundamental para que fossemos postos em liberdade.
Agradecemos aos colegas do Curso de Áudio Visual Anders R. e Lorena Duarte pela
rápida edição do vídeo “Liberdade para João Vitor e Inauê!”. Agradecemos
Sintusp que além de manifestarem seu apoio, também disponibilizaram seus
advogados para nos defenderem. Agradecemos à Adusp pelo seu manifesto de apoio.
Somos gratos a todos os professores, funcionários e alunos da USP ou de outras
Universidades que assinaram alguma das muitas cartas de apoio que circularam.
Agradecemos também ao apoio, manifestado em nota, da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Instituto
de Psicologia.
A Reitoria da
Universidade de São Paulo já se manifestou acerca dos prejuízos ocorridos no
prédio da reitoria e disse que irá investigar e punir os responsáveis por tais danos.
No entanto, nada disse sobre a prisão arbitrária de dois estudantes da universidade.
Gostaríamos de perguntar se nossa integridade física e moral não merecem a
atenção da reitoria, que deveria zelar por toda a comunidade universitária?
Nenhuma pessoa se quer veio procurar-nos para saber como
estávamos e apurar os relatos sobre como nossa prisão foi feita. Por esta
conduta omissa em relação ao que passamos, repudiamos veementemente o silêncio
da Reitoria da USP frente à injustiça que ocorreu com dois de seus estudantes
dentro do Campus Butantã, principalmente por que a ação de reintegração de
posse que culminou com a prisão arbitrária de tais estudantes foi solicitada
pelo próprio reitor João Grandino Rodas. Além de tudo isso, ainda receamos que
esta mesma reitoria venha a mover um processo administrativo contra nós.
(Quanto a isso, o DCE Livre da USP Alexandre Vanuchi Leme criou um abaixo
assinado contra a criminalização do movimento estudantil e pela retirada imediata
dos processos que teremos de responder. Quem quiser nos apoiar, o link: https://secure.avaaz.org/po/petition/Nenhuma_punicao_aos_estudantes_da_USP_e_retirada_imediata_dos_processos_aos_2_estudantes_presos/?copy&mobile=1)
Para finalizar, gostaríamos de afirmar que o que
aconteceu conosco poderia ter acontecido com qualquer estudante ou cidadão que
estivesse circulando naquele local àquela hora.
Ficamos desaparecidos por algumas horas, embora
estivéssemos em mãos da Polícia Militar. Fomos presos e torturados física,
psicológica e moralmente. Acusados de depredação ao patrimônio público, furto
qualificado e formação de quadrilha (sendo este último crime inafiançável).
Mantiveram-nos longe de nossos familiares e amigos, pois alegaram que nos
prenderam em flagrante. Estivemos em seis celas diferentes (em dois DPs e no
CDP). Ficamos nus várias vezes. Perdemos as roupas com que fomos detidos –
recuperamos apenas nossos tênis, sem cadarços. Rasparam nossas cabeças. E ainda
teremos de responder ao processo jurídico que se instaurou contra nós. Nesse
sentido, gostaríamos de prestar nossa grande estima e mais altas considerações
à lucidez das decisões do juiz Adriano Marcos Laroca e do desembargador José
Luiz Germano (em 09 e 15 de outubro, respectivamente) sobre a questão da
reintegração de posse do prédio da reitoria da USP, pois tais decisões reconheceram
que acionar a polícia militar para resolver conflitos políticos, como o que se
dava internamente à USP, poderia culminar em fatos lamentáveis como estes que infelizmente
viemos a sofrer na pele.
Toda a arbitrariedade a que fomos submetidos só nos
mostra uma coisa: a universidade precisa ser urgentemente democratizada. Como
disse a Associação dos Docentes da USP (Adusp) em seu manifesto lançado dia 13
de novembro, esperamos que em breve a USP possa ter a sua estrutura de poder
democratizada através de uma Estatuinte livre, soberana e democrática.
Agradecemos sua atenção e pedimos que nos ajudem a
divulgar esta carta,
Inauê Taiguara Monteiro de Almeida, estudante do 4º ano
do Curso de e Filosofia da USP e membro do Centro Acadêmico de Filosofia “Prof.
João Cruz Costa”
João Vitor Gonzaga estudante do 5º ano do Curso de
Filosofia da USP e funcionário técnico administrativo da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da USP
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