domingo, 24 de novembro de 2013

“Olha o rapa!” - Caso dos ambulantes

Por Cinthia Viana, estudante do 4º semestre de Jornalismo na Fiam Faam/FMU

Comércio informal cresce no Brasil, mas ilegalidade da profissão deixa a classe ambulante à margem da sociedade

Quem já andou por regiões com movimentado comércio ambulante, como na famosa Rua 25 de Março, em São Paulo, já deve ter ouvido a frase do título. Um estudo feito neste ano pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) aponta que o comércio informal cada vez cresce mais no Brasil.

Para o ambulante Damião da Rocha, 80 anos, entrar neste tipo de negócio foi uma solução para garantir renda no fim do mês. Ele está há 22 anos em frente ao metrô Marechal Deodoro, na calçada da Rua Albuquerque Lins, em Higienópolis. Chama muita atenção da clientela por seus olhos azuis, convidativos. Começou no ramo pelos mesmos motivos de muitos comerciantes de rua – falta de emprego. “Eu trabalhava em uma empresa de metalúrgica, mas com a aproximação dos meus 60 anos, fui demitido. Alegaram que eu estava com a idade avançada”, relembra o comerciante. Quando fez a escolha do local de trabalho que poria comida na mesa de casa, já tinha algumas vantagens. Damião mora próximo ao local, e a Rua Albuquerque Lins tinha uma feira que borbulhava, ou seja, seu público estava garantido.

Carrinho de supermercado, em que Damião encontrou duas utilidades:
mostruário para seus produtos e facilidade na fuga da fiscalização

Em sua primeira barraquinha, Damião vendia coco, o qual considera o melhor produto para um camelô. “Coco vende em qualquer temperatura e em qualquer dia.” Atualmente, Damião vende guarda-chuvas e brinquedos. Mudou seus produtos e substituiu a barraca por um carrinho de supermercados por conta da fiscalização, o famoso ‘rapa’. “Posso sair correndo com o carrinho sem ter que largar minhas mercadorias”, explica. O apelido que os fiscais ganharam já diz tudo: “Eles chegam do nada e levam tudo sem dó. Perco meus produtos e minhas vendas do dia. Parecem urubus vindo na carniça”, desabafa. 

Um problema que o comércio ambulante enfrenta diariamente é a falta de reconhecimento da profissão.  De acordo com a Revista Superinteressante, em diversos países da Europa e recentemente no Canadá, a profissão foi legalizada como forma de melhorar o planejamento urbano. O comércio informal traz um ótimo giro econômico para os países, contribuindo também, com o aumento do turismo local.

Segundo o portal JusBrasil, em 2006 por intermédio de Carlos Brito do Partido Democrático Trabalhista (PDT) foi criada a Cooperativa de Compras do Comércio Popular (Coocomp). O projeto permitiria os camelôs a comprarem mercadorias pagando 3% de impostos, quando a alíquota normal é de 17%. O Governo do Estado do Mato Grosso ofereceu, também, linhas de créditos aos cooperados, através da MT Fomento.

Ainda de acordo com o portal, o movimento pela legalização ganhou repercussão nacional e levou o presidente da República, na época, Luiz Inácio Lula da Silva, a criar a Medida Provisória 380 que estabeleceu o Regime de Tributação Unificada (RCU), para importação de mercadorias adquiridas no comércio do Paraguai. A MP foi transformada em projeto de lei, já aprovado na Câmara Federal e no Senado. Agora resta apenas a normativa da Receita Federal para que a legalização dos camelôs se torne uma realidade.

O interesse não é só desses trabalhadores, mas também da população que utiliza seus serviços e teria mais segurança com a nota fiscal emitida. Damião garante: “Todo mundo compra meus produtos, quem passa e precisa de alguma coisa, independente da classe social.” Outro problema decorrente da ilegalidade da profissão é a falta de segurança do próprio camelô. Segundo o vendedor ambulante, alguns pedestres passam e levam a mercadoria sem pagar, pois sabem que ele não tem como fazer uma denúncia.

Assim como milhares de ambulantes, Damião já pensou em “abrir uma portinha”, como ele carinhosamente chama seu sonho. O aluguel de uma sala comercial é caro, além dos custos extras – água, luz e telefone. “Já cheguei a ver aluguel na região, mas todos são acima dos 3 mil reais. Não tenho como garantir meu lucro, trabalhar com comércio é saber que tem mês que você pode tirar 5 mil e tem mês que não chega a 1 mil.”

Damião afirma que os órgãos fiscalizadores na época da gestão do prefeito Gilberto Kassab chegavam a levar suas mercadorias de duas a quatro vezes por dia. “Era impossível faturar”, relembra. Com a atual gestão petista do prefeito Fernando Haddad, o comerciante afirma que a frequência dos fiscais diminuiu, mas ainda sofre com a fiscalização.

A jornada de Damião e de milhares de ambulantes não é fácil, ele trabalha 12 horas por dia, sem garantia de voltar com um retorno financeiro para casa. O reconhecimento deste tipo de comércio precisa chegar ao Brasil, como já aconteceu em diversos países ao redor do mundo. Tudo que está à margem da sociedade, como estão os camelôs por exercerem uma atividade ilegal, tende a ser mal visto aos olhos da população. E não é fácil o dia a dia do ambulante, já diz a música da banda O Rappa: “Tremenda correria, some com a mercadoria”.

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