segunda-feira, 21 de junho de 2010

O livro de capa azul, em branco



Dizem que a educação escolar começa, pra valer, entre seis e sete anos, com a alfabetização e a entrada no ensino básico, essencial para qualquer moleque. Logo que a professora começou a aumentar as aulas de caligrafia, ditados verbais e a mostrar sinônimos e antônimos, eu disse para mamãe que queria ser escritor, como aqueles homens famosos dos livros da escola. Nos oito anos de ensino fundamental, a vontade foi incentivada por um companheiro inseparável dos meus momentos mais solitários, quando era menor.

Era um livrinho azul, de aproximadamente 300 páginas, totalmente em branco por dentro e com capa dura. Tinha oito anos, assistia televisão, jogava videogame, ouvia coisas que os adultos diziam e elaborava histórias à partir disso. O livro me acompanhava pelas viagens e me fazia ter gosto por leituras. Era um companheiro que nunca reclamava das minhas frases repetitivas, dos meus verbos pobres ou do meu léxico monótono. As frases simples viravam cenários de batalha medieval, tiroteios entre policiais e até cenas de amor. E aquele livrinho foi testemunha das minhas vergonhas infantis, como, por exemplo, a minha incapacidade de ver e de descrever cenas de beijo, de lábios se encontrando.

Quando não encontrava as palavras certas, arriscava desenhar os personagens e até os cenários baseados no texto. Procurava não deixar a mão parada, nem mesmo relaxar a cabeça. Aquele menino que escrevia no livrinho, quando cresceu, acordou em diversas madrugadas para fazer poesia sobre as mulheres e pessoas que admirava. Tornou poema sua visão de mundo e, ao mesmo tempo, desenvolveu a análise nas dissertações e prosas. Não se prendeu em nenhum formato de texto, em nenhum tema específico, apesar de preferir registrar quase sempre o que o cativava no mundo.

Na escola, mostrava seus pequenos livros para alguns professores, que apenas elogiavam, sem entender, talvez, os anseios do menino. Nas brincadeiras com amigos, começava a elaborar as histórias dos personagens, fazendo teatrinhos. Quando veio a onda do RPG e jogos de interpretação mais elaborados, acabava sendo o mestre do jogo, o roteirista ou alguém que, no mínimo, tentava dar uma orientação para a brincadeira toda.

Rabiscar aquelas páginas, desde menor, significava sair daquele mundo. Não era uma simples fuga, mas um afastamento que sempre permitiu ao garoto dar outro sentido ao que era aprendido. Era um movimento diante das coisas. O menino tinha necessidade de ser um pouco criador, de ser algo além do que um simples estudante de escola primária, um filho ou alguém preocupado com diversão.

Escrever, quando era pequeno, não parou no livro azul. Veio um vermelho e outro verde, depois. Por fim, eu comecei a viciar mesmo em passar minhas ideias para o computador, à medida que me aproximava da adolescência, unindo tecnologia e cultura. Esse hábito de despejar o que me intrigava, ou o que eu achava que poderia ser interessante para as pessoas, virou algo essencial para o meu trabalho como jornalista. Virou motivo para aprender a língua portuguesa na educação primária, e para adquirir inspiração em redações remuneradas. E o segredo disso sempre foi observar as pessoas e os fatos, tentando colocar a minha pessoa nesse cotidiano alheio.

De certa forma, o jornalista Pedro de hoje continua sendo o mesmo moleque querendo colocar suas criações no papel, relembrando sempre a voz da professora em sala de aula. E o livro azul, com folhas em branco, faz convites silenciosos para ser manchado de tinta, grafite e ideias.

3 comentários:

Priscila Jordão disse...

como ele escreve bem ^^

babi disse...

foi difícil não me reconhecer, lembrar do caderno de capa dura, cor de vinho, da época em que precisava que me soprassem as letras para conseguir escrever. e depois de um caderno universitário, grande, que achei nas coisas da minha mãe e que abrigou minha primeira história. e depois muitos outros cadernos, que se tornaram blog, e mais um monte de histórias que se tornaram frases e depois fotos e depois desenhos


e depois?

Pedro Zambarda disse...

The Blue Writers.


Acho que é por isso que eu gosto tanto de azul :)

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