De tempos em tempos – em períodos cada vez mais curtos – a indústria dos games se vê em uma discussão no mínimo necessária: Os games são, ou algum dia serão, uma forma de arte? Pergunte isso para entusiastas e a resposta de virá de forma rápida, com um sonoro e agressivo “sim”. Quando o questionamento é levado para pessoas com mais afinidade mídias reconhecidamente artísticas, como cinema ou literatura, a discussão ganha uma densidade necessária.
Volto a esta discussão graças a um texto publicado no blog do Inácio Araújo, blogueiro que geralmente não concordo muito, intitulado “Os games são a forma de arte do futuro?”. O texto é raso, mas chega a uma conclusão que vale a discussão: A interatividade dos games impossibilita que sejam uma forma de arte. É uma opinião dele - “chutada”, como ele mesmo diz. A principio critiquei, mas graças a uma discussão via Facebook com um amigo, ponderei: Estaria Araújo certo?
Para chegarmos a alguma conclusão, temos que passar por uma das perguntas mais chatas existentes: O que é arte? De forma simples e direta, para mim arte é aquilo que, além de uma qualidade acima do normal (requisito básico), propõe algo diferente, foge à regra e transcende o óbvio. Portanto, não importa que um game seja absurdamente bom tecnicamente, ou que te divirta como nunca, afinal esta é a proposta dos videogames, mas que ele traga algo novo. Sendo assim, chegamos a uma conclusão um tanto quanto óbvia, válida para tudo. Alguns games são forma de arte. Outros, não.
Não há demérito algum em um game não atingir um patamar artístico. Pelo contrário, pois muitos deles cumprem sua função de forma magistral. Exemplos como Uncharted, Gears of War, Batman: Arkham City, apenas para citar mais recentes, são provas vivas de que os games não devem em nada para o cinema mais. São bem produzidos, bem escritos, e entregam tanta emoção quanto qualquer grande produção de Hollywood. Mas falta neles o mesmo que falta em qualquer grande produção de Hollywood: O algo a mais. E aí que entram obras como Shadow of Colossus, The Legend of Zelda: Wind Waker (ou qualquer um da série) e a saga Metal Gear Solid.
A grande questão então está neste “algo a mais”, o que é ele? Uma grande história? Com certeza, mas não apenas, afinal isto boa parte dos jogos de hoje tem. Visual único? Talvez sim, mas oras, MGS por exemplo nunca foi além do realismo. É uma ideia que o amigo citado acima, Stephano Nunes – para dar o crédito – soltou, de que cada aspecto do game é uma forma de arte em separado, mas quando se juntam, algo se perde, talvez na jogabilidade, pois este elemento não pode ser trabalhado desta forma, já que depende da interferência do jogador...interatividade.
Apesar desde forte argumento contra, existe um fator que talvez seja colocado de lado nesta discussão. Quando tudo que constrói um game se converge ao redor do jogador e transforma aquele personagem/avatar em parte da mensagem, o que temos é algo que nem o cinema pode entregar. A percepção do jogador passa a fazer parte daquela nova forma de arte. Quando a Nintendo resolve, em 2011, não dar fala a Link, em The Legend of Zelda, pois quer que o jogador pense nele mesmo como Herói do Tempo, isto também é uma forma de arte. Quando o ICO Team cria cenários e inimigos tão grandes contrastando com um personagem relativamente pequeno, e ressalta tal inferioridade através da conclusão de seu roteiro, isso é uma forma de arte. A arte não está na jogabilidade em si, mas na forma como o jogador a percebe e se relaciona com ela. E quando tudo isto ocorre, quando tudo se converge ao redor do jogador de uma forma coerente e uniforme, o que temos não apenas um game AAA. Temos uma experiência única e marcante, tanto quanto qualquer outro meio pode entregar.
Um comentário:
Puta texto bom, Thiago :) Nem sacraliza os games e nem descarta o aspecto artístico de cada um deles.
Cheguei a estudar o conceito de arte no meu curso de filosofia na USP e devo dizer que os acadêmicos dizem quase a mesma coisa que você.
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