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sexta-feira, 6 de abril de 2012

Manifesto inédito de Albert Camus é divulgado pelo Le Monde



No dia 18 de março de 2012, o jornal Le Monde publicou um manifesto inédito de Albert Camus. O texto ia ser publicado no Le Soir Républicain, um jornal argelino, mas foi censurado. Na época, estava começando a Segunda Guerra Mundial.

Nesse ensaio, Camus disserta sobre o que ele acredita ser a liberdade de imprensa e o jornalismo livre. Se você quiser ler na íntegra, clique aqui. Confira um trecho abaixo.

"É difícil hoje para discutir a liberdade de imprensa sem ser taxado extravagante, acusado de ser uma Mata-Hari (famosa assassina e espiã holandesa), ou convencido de que se é sobrinho de Stálin.

(...)

A lucidez requer treinamento de resistência aos aspectos do ódio e ao culto da desgraça. No mundo de nossa experiência, é certo que tudo pode ser evitado. A própria guerra, que é um fenômeno humano, pode ser evitada ou parada a todo o momento por meios humanos. Basta conhecer a história dos últimos anos da política europeia para ter certeza de que a guerra, seja qual for, tem causas óbvias. Essa visão clara das coisas exclui o ódio cego e o desespero que se formam. Um jornalista livre, em 1939, não se desespera e luta por aquilo que ele acredita ser verdade se a sua ação puder afetar o curso dos acontecimentos. Ele não publica nada que possa despertar o ódio ou que provoque desespero. Tudo isso está em seu poder.

Diante da crescente onda de loucura, também é necessário se opor a certas recusas. Todas as restrições do mundo não criarão um espírito que concorda um pouco em ser desonesto. O ouro, e pouco sabemos sobre os meios de informação, é fácil ser verificado em sua autenticidade. Um jornalista livre deve oferecer toda a sua atenção. Pois, se ele pode dizer o que ele pensa, ele não pode dizer o que ele não pensa ou o que ele acredita ser falso. E isso em um jornal livre é medido tanto pelo que ele diz quanto pelo que ele não diz. Essa liberdade negativa é, de longe, a mais importante de todas, se ela se mantiver. Porque ela prepara o caminho para a verdadeira liberdade. Consequentemente, um jornal independente gera suas informações, ajuda o público a avaliá-las, repudia o sensacionalismo, remove invenções, organiza os comentários padronizando a informação, em resumo, ele é a verdade, na concentração das forças humanas. Essa recusa, se ela está é assim, pelo menos, permite que se negue o que nenhuma força na terra pode fazer o jornal aceitar: submeter-se às mentiras.

Isso nos leva para a ironia. Podemos imaginar que uma mente que tem gosto e meios para impor restrições é impermeável à ironia. Nós não vemos Hitler, para dar apenas um exemplo entre outros, usar a ironia socrática. Isso mostra que a ironia continua a ser uma arma sem precedentes contra os poderosos totalitários. Ela complementa a recusa na medida em que permite, ao invés de rejeitar o que é falso, dizer o que é a verdade, muitas vezes. Um jornalista livre, em 1939, não se rende a muitas ilusões sobre a inteligência daqueles que oprimem. Ele é pessimista no que se refere ao homem. A verdade expressa em tom dogmático é recusada por ele nove em cada dez vezes. A mesma verdade de forma jocosa é aceita em cinco de cada dez vezes. Esta disposição é quase igual às possibilidades da inteligência humana. A ironia também explica que jornais franceses como Le Canard e Le Merle se comprometem e podem publicar artigos corajosos conhecidos. Um jornalista livre, em 1939, é necessariamente irônico, mas ele é, muitas vezes, a contragosto. Mas a verdade e a liberdade são exigentes, uma vez que eles tem poucos amantes.

Tal atitude de espírito brevemente definida, obviamente não pode ser sustentada de forma eficaz sem um mínimo de obstinação. Muitos obstáculos são colocados contra a liberdade de expressão. Eles não são mais graves do que desencorajar um espírito. Porque as ameaças, as suspensões e a repressão na França geralmente conseguem o efeito oposto ao que é proposto. Mas devemos admitir que são obstáculos desencorajadores: a constância da estupidez, as organizações covardes, a desinteligência agressiva e, por isso, nós nos desgastamos. Aqui está o grande obstáculo que devemos superar. Obstinação é uma virtude cardeal. Por um curioso paradoxo é evidente que, em seguida, começa nela a objetividade e a tolerância.

(...)

Sim, é muitas vezes a contragosto que um espírito livre do século percebeu sua ironia. O que é engraçado de se ver neste mundo em chamas? No entanto, a virtude do homem é se manter firme diante de tudo o que nega. Ninguém quer reviver esses vinte e cinco anos de experiência, tanto em 1914 quanto em 1939. Devemos, portanto, experimentar um método ainda muito novo de justiça e generosidade. Mas elas são expressas apenas em corações livres e em mentes ainda exigentes. Formar esses corações e mentes, que acordem de vez, é a tarefa tanto do homem modesto quanto do ambicioso que se torna independente. Devemos chegar nisso sem adiar mais. A história será contada ou não através desses esforços. E tudo depende se eles forem feitos."

domingo, 11 de julho de 2010

Erudir #6: Rascunhos de texto em uma grande obra



O Erudir traz agora um dos autores prediletos daquele que vos fala. Abordando a vida de Albert Camus e sua última obra, póstuma, O Primeiro Homem, trouxemos neste videocast as questões políticas e literárias da primeira parte do século XX, especialmente os fatos que influíram na Segunda Guerra Mundial. Além desses assuntos bem interessantes, vocês entenderão o que há em comum entre o franco-argelino Camus e os próprios brasileiros.

O videocast está sendo um excelente laboratório para trazer temas diferentes. Se você tiver alguma sugestão de escritor para o Erudir ou quiser sugerir outros programas, mande e-mail para boladafoca@gmail.com.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Segunda Guerra à la Tarantino

Depois de filmes como Seven e O Estranho Caso de Benjamin Button, não esperava encontrar mais nenhuma atuação diferente de Brad Pitt nos cinemas. Pelo menos não tão cedo. Nas mãos de Quentin Tarantino, Pitt se transforma no caipira do Tennessee Aldo Raine. Os demais atores, desde o caricatural vilão do ator Christopher Waltz, até o drama vivido pela atriz Mélaine Laurent, completam essa nova obra-prima dos cinemas, que consegue reunir elementos tão originais e irônicos quanto Pulp Fiction e uma adrenalina de um Kill Bill. Tarantino está excelente em Bastardos Inglórios, como sempre foi.

Por Pedro Zambarda

O enredo visa, desde o começo, estar situado em acontecimentos históricos. Dividido em capítulos, na primeira parte, em 1941, o filme começa com uma tensão sanguinária ao apresentar Hanz Landa, oficial da SS conhecido entre seus inimigos como "O Caçador de Judeus". No cumprimento do serviço, Landa elimina toda a família judia Dreyfus, escondida no sótão de uma casa de fazendeiros franceses chamados LaPadite. A única sobrevivente do massacre é uma jovem chamada Shoshanna, poupada por falta de munição do coronel nazista.

Interrompendo bruscamente a narrativa, da maneira que Tarantino é mestre, ele parte para a história do grupo chamado "Bastardos Inglórios". Já na descrição, você já pode notar o tom nonsense do filme: são judeus sobreviventes do Holocausto e das perseguições que, recrutados por Aldo "Apache" Raine, passam a atacar nazistas, disfarçados ou em ações de guerrilha, causando terror durante a guerra. Raine estabelece como objetivo do grupo escalpelar 100 nazis por integrante, trazendo parte de seus cabelos como verdadeiros troféus, imitando a caçada de índios contra americanos na Conquista do Oeste.

Agora, pare para pensar: um bando de judeus tentando se disfarçar de alemães em plena perseguição da SS e da Guestapo. Só podia ser idéia de Quentin Tarantino, certo?

E o absurdo não pára por aí: os alvos poupados por Raine e seu grupo são marcados, na testa, com o desenho da suástica nazista, para que sejam para sempre identificados. As ações desse grupo de milícia incitam a ira do próprio Adolf Hitler em pessoa, interpretado pelo ator Martin Wuttke. É cômica e, ao mesmo tempo, sanguinária a empreitada do filme ao ilustrar a guerra.

Com o desenrolar dos anos, as duas pontas da história se encontram. Em 1944, Shoshanna, a judia sobrevivente das perseguições de Hanz Landa, assumiu o nome de Emmanuelle Mimieux e é dona de um cinema em Paris. Encontra-se com ela um veterano nazista chamado Friedrick Zoller, interpretado pelo ator Daniel Brühl, que consegue transformá-lo no personagem inorportuno que deve ser. Zoller teve suas proezas de guerras gravadas pelo ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels (Sylvester Groth). O filme, a pedido do soldado, vai ter sua estréia no cinema de Shoshanna. Nessa oportunidade, ela pretende incendiar o espetáculo e matar todos os líderes nazistas responsáveis pela morte de seus pais, incluindo Hitler, Goebbels e o temível Hans.

Por outros lado, os Bastardos de Aldo recebem a missão chamada Operação KINO, com a ajuda da atriz Bridget von Hammersmark, interpretada por Diane Kruger. A cena em que os americanos tentam se disfarçar de nazistas para conseguir os ingressos para o espetáculo está para ser registrada como um dos tiroteios mais tensos dos filmes de Tarantino.

Hans "Caçador de Judeus": um personagem irônico com um enorme cachimbo

A exibição do filme amarra bem a história, marca pela cena ridícula de Aldo Apache tentando falar italiano e, por fim, é a fez de Hanz do ator Christopher Waltz roubar a cena, sendo um dos vilões mais bizarros que Tarantino imaginou. Sem revelar mais segredos do enredo, o filme vale por sua ambientação no período da Segunda Guerra, mesmo que o intuito seja mostrar violência gratuíta e uma milícia que nunca existiu historicamente.

Por fim, não devo deixar de mencionar a excelente a atuação de Eli Roth como o "Urso Judeu" Donny Donowitz, que assassina nazistas com um taco de beisebol, além da pequena participação de Mike Myers como o general britânico Ed Fenech, líder da ação KINO.

Um bom filme pra quem quer ver porrada entre figuras histórias, sem levar a sério o excesso de sangue e cabeças escalpeladas pela guerra dos Bastardos Inglórios.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Dois lados do "fracasso da esquerda do século XX"

Uma história de amizade entre intelectuais, além do rompimento em si. Essa é a definição que traz o livro Camus e Sartre - O Fim De Uma Amizade No Pós-guerra do historiador Ronald Aronson, professor da Wayne State University e americano de Detroit, Michigan. Retomando os anos de 1943 até o lançamento do livro O Homem Revoltado e o singular ano de 1952, Aronson disseca as carreiras do escritor franco-argelino Albert Camus e de um dos intelectuais que melhor o recebeu na França, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. De maneira direta, sem separar muito as aspas e citações de seu raciocínio central, o autor busca compreender como esses expoentes se tornaram, dentro da esquerda política e na situação da Segunda Guerra Mundial, pensadores fora dos pólos Estados Unidos - União Soviética.

No material, não é possível concluir se Aronson toma mais partido de um ou do outro protagonista, mas é claro que ele considera pontos positivos de ambos os lados. O fato é: Camus causou uma transformação no engajamento político ao tornar-se jornalista do renomado jornal Combat, entre 1944 e 1947. No entanto, sua imagem pública ficou comprometida após o contato com o intelectual húngaro Arthur Koestler, autor de O Zero e o Infinito. A crítica de Koestler ao totalitarismo stalinista foi totalmente incorporada na abordagem filosófica e mítica de O Mito de Sísifo, ensaio contundente de Camus sobre o absurdo que legitima qualquer atitude, mesmo sob a justificativa histórica. Essas conclusões vieram de encontro às teorias que Sartre estava formando, primeiro criticando os socialistas comunistas para, enfim, depois, juntar-se a eles pela luta contra o capitalismo, legitimando a violência.

Aronson traz trechos de conversas entre os dois intelectuais, discursos, relatos de outras personalidades como Simone de Beauvoir (esposa de Jean-Paul Sartre e uma grande existencialista feminista), além de trechos de diversas obras que explicam o período, as argumentações políticas e suas consequências sociais. Camus lança O Homem Revoltado em 1952 e arranca uma crítica negativa feita por Francis Jeanson no periódico Les Temps Modernes, editado por Sartre. Motivo: o livro condena toda e qualquer forma de revolução, acreditando que elas levam para a matança sistemática, que é usada pelos governos totalitários. Mesmo com essa lógica anti-revolucionária, Albert Camus continua comprometido com a esquerda francesa, mas tendendo mais para democracia, enquanto Sartre rompe definitivamente com seu amigo de guerra através de uma tréplica publicada em seu veículo.

Depois desse clímax, o livro penetra no período de recuperação de Camus, abalado pela exposição pública promovida por Jean-Paul Sartre. O lançamento de A queda mostra um Albert Camus revigorado, mas outras polêmicas incluindo seu envolvimento no jornal L´Express e seu silêncio diante das revoltas árabes da Argélia, sua terra natal, no final dos anos 1950 acabaram enaltecendo a figura de Sartre. Ambos são intelectuais reconhecidos, mas, no começo de 1960, Jean-Paul Sartre gozava de maior fama por ter apoiado as revoluções em países do chamado Terceiro Mundo, incluindo Che Guevara em Cuba e os próprios argelinos, transformando sua visão pró-soviética em anti-repressão a qualquer preço.

No entanto, com a queda do Muro de Berlim em 1989, novamente as obras de Albert Camus voltaram a ser valorizadas, tanto pela esquerda quanto pela direita política. Seu senso de humanismo e anti-violência sistemática está simbolizado em textos memoráveis, como sua reflexão sobre as bombas atômicas atiradas no Japão no jornal clandestino Combat ou o romance sobre resistência chamado A Peste.

Se você quer referências de leitura, Aronson fornece dados satisfatório de títulos tanto de Sartre quanto Camus, além de obras correlacionadas. De Jean-Paul Sartre, é importante ressaltar O Ser e o Nada, um de seus principais tratados filosóficos, além das peças As Moscas e Entre Quatro Paredes, que possuem personagens referenciais de seu pensamento e de suas críticas.

O ideal não é tomar partido do moralismo de Camus ou do engajamento comprometido de Sartre com a esquerda, mas enxergar os dois como lados distintos do "fracasso da esquerda do século XX", com alguns argumentos ainda válidos para a crítica atual da globalização. E não é qualquer tipo de socialismo, mas uma corrente que questionou o sonho comunista da União Soviética e que foi contra o capitalismo pelo caráter corrupto de muitas grandes corporações durante a Segunda Guerra Mundial, como a Renault e muitos jornais financiados por norte-americanos após o conflito.

Esse trecho final é esclarecedor sobre o valor de ambos os autores: "podemos imaginar alguém falando a verdade todo tempo, e se opondo à opressão em todo lugar, unindo a capacidade perspectiva característica de ambos sob um único padrão moral. Tal intelectual iluminaria a violência sistêmica de hoje aceitando o desafio de que a luta não deve criar novos males. Um Camus-Sartre?".

Agradecimento a Priscila Jordão pelo empréstimo do livro.

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