Uma história de amizade entre intelectuais, além do rompimento em si. Essa é a definição que traz o livro Camus e Sartre - O Fim De Uma Amizade No Pós-guerra do historiador Ronald Aronson, professor da Wayne State University e americano de Detroit, Michigan. Retomando os anos de 1943 até o lançamento do livro O Homem Revoltado e o singular ano de 1952, Aronson disseca as carreiras do escritor franco-argelino Albert Camus e de um dos intelectuais que melhor o recebeu na França, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. De maneira direta, sem separar muito as aspas e citações de seu raciocínio central, o autor busca compreender como esses expoentes se tornaram, dentro da esquerda política e na situação da Segunda Guerra Mundial, pensadores fora dos pólos Estados Unidos - União Soviética.
No material, não é possível concluir se Aronson toma mais partido de um ou do outro protagonista, mas é claro que ele considera pontos positivos de ambos os lados. O fato é: Camus causou uma transformação no engajamento político ao tornar-se jornalista do renomado jornal Combat, entre 1944 e 1947. No entanto, sua imagem pública ficou comprometida após o contato com o intelectual húngaro Arthur Koestler, autor de O Zero e o Infinito. A crítica de Koestler ao totalitarismo stalinista foi totalmente incorporada na abordagem filosófica e mítica de O Mito de Sísifo, ensaio contundente de Camus sobre o absurdo que legitima qualquer atitude, mesmo sob a justificativa histórica. Essas conclusões vieram de encontro às teorias que Sartre estava formando, primeiro criticando os socialistas comunistas para, enfim, depois, juntar-se a eles pela luta contra o capitalismo, legitimando a violência.
Aronson traz trechos de conversas entre os dois intelectuais, discursos, relatos de outras personalidades como Simone de Beauvoir (esposa de Jean-Paul Sartre e uma grande existencialista feminista), além de trechos de diversas obras que explicam o período, as argumentações políticas e suas consequências sociais. Camus lança O Homem Revoltado em 1952 e arranca uma crítica negativa feita por Francis Jeanson no periódico Les Temps Modernes, editado por Sartre. Motivo: o livro condena toda e qualquer forma de revolução, acreditando que elas levam para a matança sistemática, que é usada pelos governos totalitários. Mesmo com essa lógica anti-revolucionária, Albert Camus continua comprometido com a esquerda francesa, mas tendendo mais para democracia, enquanto Sartre rompe definitivamente com seu amigo de guerra através de uma tréplica publicada em seu veículo.
Depois desse clímax, o livro penetra no período de recuperação de Camus, abalado pela exposição pública promovida por Jean-Paul Sartre. O lançamento de A queda mostra um Albert Camus revigorado, mas outras polêmicas incluindo seu envolvimento no jornal L´Express e seu silêncio diante das revoltas árabes da Argélia, sua terra natal, no final dos anos 1950 acabaram enaltecendo a figura de Sartre. Ambos são intelectuais reconhecidos, mas, no começo de 1960, Jean-Paul Sartre gozava de maior fama por ter apoiado as revoluções em países do chamado Terceiro Mundo, incluindo Che Guevara em Cuba e os próprios argelinos, transformando sua visão pró-soviética em anti-repressão a qualquer preço.
No entanto, com a queda do Muro de Berlim em 1989, novamente as obras de Albert Camus voltaram a ser valorizadas, tanto pela esquerda quanto pela direita política. Seu senso de humanismo e anti-violência sistemática está simbolizado em textos memoráveis, como sua reflexão sobre as bombas atômicas atiradas no Japão no jornal clandestino Combat ou o romance sobre resistência chamado A Peste.
Se você quer referências de leitura, Aronson fornece dados satisfatório de títulos tanto de Sartre quanto Camus, além de obras correlacionadas. De Jean-Paul Sartre, é importante ressaltar O Ser e o Nada, um de seus principais tratados filosóficos, além das peças As Moscas e Entre Quatro Paredes, que possuem personagens referenciais de seu pensamento e de suas críticas.
O ideal não é tomar partido do moralismo de Camus ou do engajamento comprometido de Sartre com a esquerda, mas enxergar os dois como lados distintos do "fracasso da esquerda do século XX", com alguns argumentos ainda válidos para a crítica atual da globalização. E não é qualquer tipo de socialismo, mas uma corrente que questionou o sonho comunista da União Soviética e que foi contra o capitalismo pelo caráter corrupto de muitas grandes corporações durante a Segunda Guerra Mundial, como a Renault e muitos jornais financiados por norte-americanos após o conflito.
Esse trecho final é esclarecedor sobre o valor de ambos os autores: "podemos imaginar alguém falando a verdade todo tempo, e se opondo à opressão em todo lugar, unindo a capacidade perspectiva característica de ambos sob um único padrão moral. Tal intelectual iluminaria a violência sistêmica de hoje aceitando o desafio de que a luta não deve criar novos males. Um Camus-Sartre?".
Agradecimento a Priscila Jordão pelo empréstimo do livro.
Um comentário:
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