Como diria um famoso comercial de TV, "existem coisas que o dinheiro não compra". A principal delas é a paixão, o fanatismo, o amor. E em alguns casos, especialmente no futebol, o dinheiro além de não comprar, pode atrapalhar muito. Em uma deliciosa reportagem publicada no New York Times na última terça feira, o cronista esportivo Rob Hughes descreve isso com perfeição.
Correspondente de futebol na Inglaterra, Rob foi até Manchester investigar a sensação de abandono que os torcedores do Manchester City vêm sentindo. Alguma coisa estava errada no time: ele estranhamente havia se tornado rico. Adquirido por um sheik milionário, o clube inglês está completamente distorcido. Faz contratações milionárias, oferece rios de dinheiro para jogadores de todos os cantos do mundo e até, vejam só, ameaça fazer um bom campeonato. Seria tudo ótimo, se este não fosse o papel do rival Manchester United nos últimos... 60 anos.
Ao ler a reportagem, imediatamente me veio à mente uma relação muito parecida, porém não idêntica. Se a relação entre United e City sempre foi a de um irmão rico e outro pobre, a de Corinthians e São Paulo sempre esteve mais para primos. Aquela rivalidade acirrada, onde um insiste em desmerecer o outro, nunca admitindo a necessidade da existência mutua. De um lado, o primo pobre, porém mais fanático, com uma torcida que o segue até a série B (só para lembrar, o City chegou a ser rebaixado para a série C, daí a comparação). Do outro, o primo rico, arrogante, ostentador, com uma torcida que só liga para títulos.
Quando o Corinthians fechou uma obscura parceria com o “fundo de investimentos” MSI em 2004 e fez contratações milionárias em 2005, lembro exatamente do comportamento de boa parte da torcida em relação a isso. Enquanto a torcida jovem e de meia idade bradava aos quatro cantos a nova fase da equipe, que capengava desde 2001, os torcedores mais velhos olhavam desconfiados em relação àquilo. “Isto não está certo. Este negocio de jogar dinheiro pro alto é coisa pra são-paulino” disse um amigo do meu pai na época. E não é que foi justamente nesta época que o São Paulo resolveu apertar os cintos, contratar menos, e começou a ganhar tudo que disputou? Algo parecido com a fase de um tal Manchester United atualmente?
É claro que o título desde texto é um exagero. Mas um exagero não tão grande assim. As paixões de corinthianos e “citienses” e suas contraposições com são-paulinos e “unitedenses” é de uma simetria impar. E mostra também a beleza de uma irracionalidade que se torna deliciosamente racional. De um lado os torcedores reclamam de suas riquezas e dizem que títulos não importam, de outro, reclama de sua torcida estar se tornando “convencional” demais, popular demais, e que o time não ganha como antes. Oras, estou louco em ver uma complementaridade aí?
O ponto é que mais que simplesmente ganhar, o que importa para uma torcida é obviamente sua identidade. Mesmo se United ou São Paulo começarem a ganhar ininterruptamente se desviando se suas características, muitos irão reclamar. Ou qual será o motivo de o titulo de 2005 não ser tão comemorado pelos corinthianos? E é justamente esta identificação, essa cara definida, que fazem a relação destes times ser algo tão especial, tão único. Me perdoem os corinthianos, mas vocês não seriam nada sem nós são-paulinos. E me perdoem meus companheiros tricolores, mas eu não seria tão apaixonado pelo meu time sem nossos primos da zona leste. E tenho a impressão que os torcedores dos times azuis e vermelhos de Manchester sentem (mas não admitem) a mesma coisa.
Leia a matéria de Rob Hughes, em inglês a seguir: http://tinyurl.com/mz5s4x
Um comentário:
Ótima comparação, que só deixa claro uma coisa bem didática:
A gente depende de inimigos/concorrência/chatice/pessoas que discordam/toda a dificuldade.
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