Literatura na música? Incoerente, algo que não pode acontecer. Impossível transmitir todo o significado de um texto consagrado em um punhado de melodias, não concorda? A banda alemã de heavy metal Blind Guardian vai contra essa visão e incorpora uma das histórias mais complexas escritas por John Ronald Reuel Tolkien, mesmo autor de Senhor dos Anéis, em um trabalho único. Em Nightfall in Middle-Earth, o livro Silmarilion é incorporado em 22 faixas que contam sobre a Guerra das Jóias e de Morgoth, primeiro senhor negro de Arda. O material foi um marco para o grupo em 1998. CD válido tanto para fanáticos pelos livros, quanto para fãs da banda e para pessoas que ainda não estão completamente familiares sobre Tolkien.
Por Pedro Zambarda
War of Wrath abre com as suplicas de um personagem muito comentado em Senhor dos Anéis por Tolkien: Sauron, servo de Morgoth no começo dos tempos. Ele lamenta o avanço dos Valar, inimigos do senhor negro. Melkor, conhecido como Morgoth, convoca a fidelidade de Sauron e também teme a perda da batalha para os inimigos da luz. Com essa história, o álbum começa seu conto parcial.
Com a guitarra distorcida e bem destacada de André Olbrich, a música Intro the Storm “explode” acompanhada pelo vocal ora rasgado, ora melódico, do vocalista Hansi Kürsch. O diálogo da aranha Ungoliant e Melkor/Morgoth nas letras narram, na verdade, a fuga deles de Valinor, terra dos deuses Valar. Lammoth é a terceira faixa, que representa o grito de Morgoth no meio de uma tempestade de areia, separando-se da aliada aracnídea.
Em Nightfall, que sintetiza a idéia do álbum do Blind Guardian, há uma mudança tanto nos instrumentais quanto na narrativa. Falando sobre a vingança do elfo Fëanor, descendente dos Valar, e seus 7 filhos por causa do roubo das jóias Silmarils, a música é acompanhada por um coro das vozes de todos os integrantes da banda, soando praticamente como uma ópera, especialmente no refrão principal. Marcus Siepen, na guitarra base, e Thomas Thomen Stauch, bateria, dão todo o toque pesado na música para que André guie um solo bem variado em toda a melodia. Nightfall / Quietly crept in and changed us all / Nightfall / Quietly crept in and changed us all / Nightfall / Immortal land lies down in agony. É o grito de guerra dos imortais contra a escuridão de Morgoth.
Novamente quebrando o ritmo, The Ministrel tem todo o acústico e o tom jovial das músicas de bardos, trazendo apenas um interlúdio de incerteza para a próxima música. The Curse of Fëanor irrompe com uma bateria coordenada e a voz rasgada do vocalista Hansi, expressando a maldição e lamentações que Fëanor atirou contra Morgoth, fazendo os próprios descendentes jurarem vingança pelo roubo das Silmarils e pelo terror em Arda, a Terra-Média. A música retoma, na verdade, o tema principal de Nightfall, mas detalhando o personagem protetor das raças élficas, e descendente dos Valar. Don't fear the eyes of the dark lord / Morgoth I cried / All hope is gone but I swear revenge / Hear my oath / I will take part in your damned fate.
Do lado do senhor negro, Captured é outro interlúdio, que mostra a captura de Maedhos, outro dos filhos de Fëanor. Em Blood Tears, o elfo foi liberado por Morgoth, mas relata seus horrores na presença do mal. Os violões de Marcus e André começam a música de uma forma mais leve, antes da explosão do vocal de Hansi e a bateria de Thomas. Ela termina mais pesada, apesar de alguns momentos mais pausados onde o vocalista marca presença com sua potência sonora. Hansi Kürsch é o fio condutor de Blind Guardian.
Mirror Mirror é conhecida por ter um dos clipes mais populares do Blind, além de ter passagens pesadas combinadas com um refrão que gruda na cabeça. Mirror Mirror on the wall / True hope lies beyond the coast / You're a damned kind can't you see / That the winds will change / Mirror Mirror on the wall / True hope lies beyond the coast / You're a damned kind can't you see / That tomorrow bears insanity. A música, saindo da narrativa Fëanor versus Morgoth, adentra na história de Turgon, que construiu a cidade “fantasma” de Gondolin auxiliado pelo Valar, deus das águas, Ulmo.
Condemned we are / We brought hope, but also lies, and treachery. Em Face The Truth, o interlúdio de um narrador misterioso coloca o destino dos próprios elfos em dúvida, ao contrário da mudança de Mirror Mirror. Um violão seguido por uma guitarra com distorção e delay inicia a música Noldor (Dead Winters Nights), que apresenta a raça élfica de Fëanor, os noldorianos. O coro de Hansi, incorporado na fala do elfo Fingolfin, é um dos mais inspirados nessa fase do CD, anunciando outra vitória de Morgoth sobre os elfos filhos dos deuses Valar.
Battle of Sudden Flame narra a vitória de Morgoth e seus Balrogs e dragões sobre o cerco de Angband, dos Noldor. Suddely everything's gone / For all Noldor / From now on my life. A bateria de Time Stands Still (at the Iron Hill) narra, no meio do conflito contra Morgoth, a defesa heróica de Fingolfin, líder noldoriano que consegue ferir o senhor do escuro 7 vezes em Angband, falecendo após esse feito. The Dark Elf é outro prelúdio para a que narração da traição do elfo Maeglin em Gondolin, a mesma cidade de Mirror Mirror. Novamente o Blind Guardian solta a voz de todos os integrantes na música Thorn.
To the Eldar / I'm trapped inside this dream / Of the Eldar's / Song of doom. Um coro de vozes acompanhado apenas por piano é base de The Eldar. A música é uma lamentação pelo destino trágico dos elfos ao enfrentar Morgoth, chamados nos primórdios de eldar, o povo imortal. Traduz o paradoxo de um povo abençoado na desgraça do escuro, através de notas tocadas em um ritmo constante. Uma mensagem pesada, com uma harmonia leve e um vocal sereno que ganha vigor em sua conclusão.
Nom The Wise é a lamentação do humano Beren sobre a queda de Finrod, outro grande elfo, na guerra. Em seguida, sendo a música mais pesada e com bastante melodia, When Sorrow Sang destoa do CD inteiro, soando mais como uma música de thrash metal com tudo o que ela tem direito: vocal rasgado e guitarras com volume alterado. Hansi Kürsch canta sobre o sofrimento de Lúthien, a elfa azul da capa do álbum. Ela consegue adormecer Morgoth com sua música e é caçada pelo lobo Carcharoth. Em tom épico, a música narra um momento decisivo da Guerra das Jóias, quando os Silmarils são recuperados para os elfos pelo preço de dois sacrifícios – como o do mortal Beren.
Dois interlúdios que se seguem cansam um pouco a audição do CD, mas não comprometem a história que ele narra. Out Of Water faz uma breve saudação do último lugar que Beren e Lúthien habitaram em vida, enquanto The Steadfast é um grito de repúdio de Morgoth para aqueles que não revelaram segredos de Gondolin, reino dos Noldor.
The Dark Passage narra a quinta vitória de Morgoth no conflito pelos Silmarils e o controle de Arda, a Terra-Média. As progressões da bateria em sincronia com as guitarras conseguem demonstras as nuances do livro Silmarilion, que é complexo em sua história extensa, envolvendo muitas gerações de personagens contra o senhor Melkor/Morgoth. The Final Chapter (Thus ends...) mostra que a narrativa musical de Blind Guardian se encerra com outra vitória do mal, mas que os elfos ainda tem esperança de virar esse cenário. Thus ends the fifth battle / By the treachery of men the field is lost / The night falls and great is the triumph of evil / A new star shall arise / And a new day shall come, again.
Quem não é fã de J.R.R.Tolkien, dificilmente vai gostar do material do álbum, que procura realmente contar uma história e não apenas torná-la musical. No entanto, mesmo aqueles que não leram Silmarilion vão se deliciar com músicas como Nightfall, The Curse of Fëanor, Noldor (Dead Winter Nights), Time Stands Still (at the Iron Hill), Mirror Mirror, When Sorrow Sang e The Dark Passage. 98 foi um ano inspiradíssimo para Blind Guardian, que conseguiu transformar literatura em música, mesmo parcialmente. Silmarilion possui muito mais histórias, passando da ascensão e queda do deus Morgoth até o crescimento de Sauron, seu servo Maia e sucessor.
Vídeo de Mirror Mirror, para os leitores terem um gostinho do álbum:
Vídeo de Mirror Mirror, para os leitores terem um gostinho do álbum:
Um comentário:
Silmarilon é um livro absurdamente dificil. Alguem bem mais complexo que o próprio Senhor dos Anéis. Isto só exalta o trabalho do Blind Guardian, embora este não seja meu album preferido deles.
Vale MUITO a pena.
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