terça-feira, 15 de abril de 2008

20 anos e 2 dias de uma obra-prima

Convencionou-se dizermos que existem 7 artes, cada uma abordando um nuance do ser humano, que define tal arte com variada sensibilidade. E toda grande arte tem um, ou vários, momentos chaves, aqueles que são feitos para quebrar barreiras e elevá-la ao um próximo nível. O primeiro exemplo que vem a minha cabeça é o que Cidadão Kane fez com o cinema, transformando-o, modificando seu modo de ser visto. No entanto, não consigo me lembrar de nenhum cineasta que tenha feito o cinema ser admito como arte, ou um pintor que fez o mesmo com a pintura e etc...isso por um motivo óbvio: Eles nasceram arte e sempre foram reconhecidos como tal. Mas um homem, ou para ser justo, dois, vêm a minha mente quando penso em como as historias em quadrinhos se tornaram arte: Alan Moore e Neil Gaiman. Um é mestre do outro, e ambos revolucionaram o mundo.


Alan Moore é tudo menos um cara convencional. Sempre foi um amante de literatura, mas acabou criando Hqs, o que nunca foi seu sonho. É rico, mas vive em uma casinha simples em Northampshire na Inglaterra, e suas historias já renderam milhões de dólares no cinema, mas ele nunca levou um tostão com isso. E por último, ele nunca escreveu um personagem sem que tenha alterado totalmente a forma como ele é visto, e neste contexto, sua maior “vitima” não foi um heroi, mas um vilão que habita a mente de grande parte das pessoas: O Coringa. Sem exageros, nenhum outro vilão foi tão brilhantemente retratado como o Coringa de A Piada Mortal.

A história se foca na gênese do palhaço do crime. Conta como ele se tornou uma ensandecido criminoso a partir de um simples comediante, e ele tem uma tese para explicar a própria origem: a única coisa que separa um homem são de um louco é um dia ruim. E ele vai até o fim para provar tal tese, sequestrando o Comissário Gordon, fazendo com que ele veja sua filha se tornar uma paraplégica e atormentando sua mente. Se até o mais calmo e racional homem se tornar um louco, qualquer um pode. E o alvo de tais desses atos é diretamente Batman.
O homem morcego é apenas o coadjuvante da HQ, e isso é ressaltado pelo genial traço de Brian Bolland. Ele contrasta discreta e magistralmente toda a insanidade na face do Coringa com a neutralidade de um Batman que aparece pouco. Tal neutralidade significa uma única coisa: esta história é sobre o Coringa. Só existe um momento em que Batman ganha traços que extraem alguma personalidade, justamente quando ele é visto apenas como uma sombra, ao lado do vilão, num final catártico.
Mas enfim, o que Moore traz de tão novo em “Piada Mortal”?
Frank Miller, em “O Cavaleiro das Trevas” redefiniu a relação entre Batman e Superman. Um era trevas e o outro luz, simples assim, mesmo que isto seja profundamente complexo. Já Moore, trouxe em “Piada Mortal” uma revolucionaria forma de olhar para a relação da Batman e Coringa. Como o próprio homem morcego indaga, como duas pessoas que se conhecem tão pouco, podem se odiar tanto? E a resposta do Coringa é direta: “A única coisa que me separa de uma pessoa sã é uma dia ruim, qual foi o seu?” Está talvez seja uma das mais lendárias frases da história das Hqs. Para Moore, Batman e Coringa são iguais, dois cumes da mesma faca. Dois homens que perderam suas mentes diante de tragédias pessoais. E isto é a própria historia de uma sociedade ensandecida e uma cidade decadente, que se afunda na própria tragédia. Se Batman é o espelho de Gotham, então Coringa é o espelho de Batman. Em vez de tentar explicar toda a complexidade por trás da análise de Alan Moore, vou encerrar com o mais genial monólogo que já li em uma história em quadrinhos. Uma piada, proferida por aquele que se tornou o maior vilão da nona arte: “Era uma vez dois caras em um hospício. Um disse ao outro que havia como escapar pelo alto do prédio, e eles foram até lá. Um olhou para o outro, e juntos caminharam até a beirada do prédio. Vendo que os guardas se aproximavam o primeiro disse, 'já sei como escapar! Eu vou acender minha lanterna entre este prédio e o próximo. Ai você passa pelo feixe de luz.' Nisso, o segundo respondeu: 'Você está louco? Como eu sei que você não vai apagar a lanterna no meio do caminho?'” E então, o homem vestido de morcego e o homem com o rosto pintado riram juntos.
obs: Esqueci na postagem inicial, então aqui vai a ficha técnica com os devidos créditos da HQ
Roteiro: Alan Moore
Desenho: Brian Booland
Cor: John Higgins
Ano: 1988, com produção iniciada em 1985

4 comentários:

Mônica Alves disse...

O Coringa é o mais legal, mas que eu vou ficar assustada vendo o Heath Ledger todo fantasiado, isso eu vou.

Pedro Zambarda disse...

E, apesar de falar apenas do Coringa, Moore acaba criando um mito do herói dentro dos antagonistas.

É deveras interessante, além da qualidade clara do traço. Uma obra-prima, assim como tantas outras desse mestre.

Gabriel Carneiro disse...

Thiago, sem entrar no âmbito da escrita - rs -, vou só contra-argumentar algo: o cinema não nasceu como arte. Aliás, ele era muito mal visto pela população no geral. Por mais que hoje seja reconhecido seu caráter artístico, desde Lumière e Méliès, não foi com eles. E isso é difícil dizer, mas foi por volta da década de 1910 que começou a ser difundido como arte, tendo a concepção muito rejetada.

E A Piada Mortal é maravilhoso. Não sei se já leu, meu caro, mas recomendo também O Advogado do Diabo.

Lau disse...

errata: facas tem Gumes

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