segunda-feira, 21 de abril de 2008

Perdendo a cabeça no dia de Tiradentes

Enquanto o brasileiro aproveita o feriado para descer a serra, não dando a mínima importância para o que aquela data representa, ou o que deveria representar, o francês sai à rua de rosto pintado, emocionado, flanando por Paris com sua bandeira nacional no peito todo 14 de Julho, data da queda da Bastilha. A questão aqui não é dar ênfase à educação, tradição, nível de entendimento ou ignorância popular, mas às intenções e consciência.

Tanto o mártir quanto o feriado são criações republicanas a fim de consolidar distância das interferências lusitanas e, além disso, trata-se de um fato histórico de forte caráter manipulador. A historiadora Françoise Jean de Oliveira Souza, doutoranda pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, explica bem essa vertente em trecho de uma matéria para a revista especializada História Viva: “A Inconfidência como objeto passível de ser novamente apropriado permitiu à historiografia refazer as linhas gerais do levante sempre que a conjuntura política brasileira teve necessidade de reavivar o sentimento nacional. Seu legado simbólico foi retomado de tempos em tempos, mais especificamente nos momentos de rupturas históricas no decorrer do século XX.”. Ao pensarmos em ruptura no século XX nos vem na cabeça, de imediato, os militares de 1964, os quais souberam utilizar desse emaranhado de acontecimentos históricos unidos a sentimento nacional para se auto-intitularem “os novos inconfidentes”, continua a historiadora.

Em viés de uma discussão metodológica, o caso se encaixa perfeitamente na frase do pensador italiano Benedetto Croce de que "toda história é história contemporânea". Tudo o que ocorrer e for interpretado por alguém de época posterior não pode ser tido como a máxima verdade; não existe verdade sobre o passado, existem discursos diferentes sobre um mesmo assunto. E isso não significa que um discurso feito por alguém contemporâneo ao fato há de ser o mais verídico. Cada autor adere à ideologia que o favorece, usa os instrumentos/documentos que o favorece, articula tudo de forma a favorecê-lo em seus objetivos almejados com aquele discurso. Não há necessidade de, depois disso, cair na paranóia conspiratória de que nunca saberemos nada do que se passou, ou de que não podemos confiar em nenhum dado, partindo para a discussão acerca da veracidade da Conjuração Mineira e do papel de Joaquim José da Silva Xavier.

Mas discussões, por mais descabidas que pareçam ser, demonstram que existe interesse, curiosidade e argumentos, que acabam por levar o indivíduo a correr atrás dos fatos para embasar suas idéias e teorias; gera-se assim mais conhecimento. Elas estão em falta por aqui, pelo menos em relação a assuntos desse gênero. Tiradentes não é só nome de feriado, e poucos sabem disso. Penso que ele perderia a cabeça se visse que hoje, apesar de um dia com seu nome, a maioria dos cidadãos brasileiros não conhecem sua história, e muito menos a do próprio país. Opa, perder a cabeça? Juro que a piada não foi intencional. Explico: além de morto, seu corpo foi esquartejado e exposto em praça pública (a velha tática de intimidação e exemplo), e sua cabeça, após o primeiro dia ao relento, sumiu, e até hoje ninguém sabe o paradeiro dela.

Nota-se claramente que a intenção republicana de coroar uma espécie de patrono da liberdade deu certo, uma vez que Tiradentes e a Inconfidência Mineira são rapidamente associados à luta pela independência do Brasil. Mas a de gerar comoção coletiva embebida em nacionalismo falhou; já que, para os nativos da terra dos papagaios, motivo para engrandecer o país, vestir a camisa verde e amarela, estender uma bandeira na janela de casa e cantar “eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” é, apenas, a Copa do Mundo.

Bandeira de Minas Gerais

4 comentários:

Mônica Alves disse...

Concordo com você. Acho que o brasileiro tem uma comodidade enorme, e isso se mostra em todos os aspectos da nossa sociedade. No nosso país, um feriado significa apenas um dia de descanso. Muitas pessoas nem ao menos sabem em que dia estão! Mas ao mesmo tempo dá pra se perceber uma falha enorme no método em que isso é passado, já que a maioria da população só ouviu falar em Tiradentes e em Pedro Álvares Cabral durante o Ensino Fundamental.

Unknown disse...

Texto muito bom, só que eu ainda estou em dúvida se ele é uma coluna ou não, depois resolvo isso.
Só uma ressalva, qual edição da História Viva? Se puder, não esqueça de colocar.
De resto..muito bom

Nadiesda Dimambro disse...

eu acho que é uma coluna, porque é totalmente minha opinião! XD
então.. é a edição 47 de setembro de 2007... esqueci desse detalhe xD
eu tentei por legenda nas imagens mas nao deu certo! (noob! auehaueha)
Mas bom, só pra constar: primeira imagem é um quadro de Tiradentes esquartejado (Oh! jura?) feito por Pedro Américo em 1893. A segunda é a bandeira de Minas Gerais.

:)

Lau disse...

tinha q ser historiadora, viu..........

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