sábado, 28 de fevereiro de 2009

O que é Watchmen?


O ano é 1986. Uma época complicada nos EUA. O republicano Ronald Reagan é presidente, adotando uma postura de confronto em relação a já fraca, porém ainda ameaçadora, URSS. Na Inglaterra, Margareth Tatcher comanda com uma política neoliberal extremamente agressiva, enquanto adota medidas conservadoras no plano social. É uma época de extremos, onde ou se é a favor ou se é contra a guinada direitista que as principais potências do mundo vinham tomando. Era uma época de medo. E, é claro, isso teve profundo reflexo no processo de criação cultural, mais especificamente na chamada “pop-art” (por mais simplista e equivocado que este termo possa parecer). E a principal conseqüência disso tudo que se deu foi justamente na forma de arte que até então era desprezada no quesito seriedade: os quadrinhos.

Os anos 1980 foram muito bons para os quadrinhos. Logo no início da década ,nomes talentosos começavam a surgir, ocupando o lugar de remanescentes da chamada Era de Ouro, como Jack Kirby e Stan Lee. Entre estes nomes estavam Alan Moore, Frank Miller e, um pouco mais pro final da década, Neil Gaiman. Estes três nomes acabaram por se tornar uma tríade sagrada dos amantes da nona arte, graças a seus feitos nessa década. No entanto, são três autores que não poderiam ter estilos mais dispares. Frank Miller surgiu como o "garoto de ouro" das grandes editoras. Trabalhava sempre no mainstream e, com um estilo cru e uma narrativa direta, acabou sendo responsável pela reinvenção de vários personagens, tanto da DC Comics quanto da Marvel. A queda de Murdock e O Cavaleiro das Trevas são os exemplos mais diretos, levando tanto o Demolidor quanto o Batman até níveis de complexidade jamais vistos. Em contrapartida a Miller, Alan Moore surgia como um estranho no ninho, sendo um autor claramente experimentalista escrevendo para grandes editoras. No entanto, sua reinvenção do Monstro do Pântano lhe garantiu carta branca para realizar praticamente qualquer trabalho que quisesse. O primeiro grande impacto veio com V de Vingança, em 1984. Mas foi em 86 que o mundo dos quadrinhos literalmente se abalou com uma obra de Moore. Nascia Watchmen.

O projeto nasceu audacioso. Ao lado do desenhista Dave Gibbons, Alan Moore pretendia fazer uma série ambientada em um 1985 alternativo. Nesse mundo, os heróis mascarados de fato existem e, por sua causa, o mundo é bem diferente. Ao contrário do que se poderia imaginar, ele não é um lugar melhor. Na verdade a insegurança toma conta de todos, com a possibilidade real de uma guerra nuclear estourar a qualquer momento. Um clima de Guerra Civil paira sobre os EUA, graças a greves da polícia e mascarados que não são tão heróicos quanto deveriam. Além disso, a América tem seu próprio e real Superman. O Dr. Manhatan, um ser onipotente que se tornou uma perigosa alteração na balança da Guerra Fria. Todo esse enredo foi feito com um atenuante perigoso para qualquer obra lançada em grande circuito: todos os personagens eram desconhecidos do grande público. No entanto, suas inspirações eram óbvias, o que tornava tudo mais controvertido e arriscado. Afinal, como o público iria reagir quando visse espelhos de seus queridos personagens agindo de forma amoral, se tornando seres humanos comuns, com dúvidas e desvios de caráter que normalmente só esperaríamos em vilões ou, pior, em nós mesmos?

O resultado de tudo isso pode ser traduzido no sucesso de público, que faz com que Watchmen seja relançado praticamente todo ano nos EUA, sempre com alta vendagem e sucesso de crítica. A obra recebeu em 1987, quando foi encerrada, o Prêmio Hugo, principal honraria a obras de ficção. Foi a primeira HQ da história a conseguir tal feito. Com o tempo, o reconhecimento a Watchmen só aumentou e, nos dias de hoje, ela é considerada simplesmente a melhor HQ de todos os tempos.

Tentar traduzir o simbolismo presente no enredo de Watchmen é simplesmente uma perda de tempo. Primeiro porque seria necessário um trabalho que tomaria meses, e até mesmo anos, para tal. Cada quadro criado por Dave Gibbons, cada diálogo escrito por Alan Moore tem seu significado próprio, e não estão lá por acaso. Não existem preenchimentos em Watchmen: tudo tem um motivo, tudo tem sua própria lógica. E essa própria lógica trabalha em função de um personagem, de um ponto de vista. Como na teoria do caos, combatida pelo mesmo personagem, vemos um acontecimento aparentemente isolado se transformar em uma investigação aparentemente sem maior propósito, que se transforma numa grande conspiração que pode levar ao apocalipse. Nada mais caótico, porém, nada mais lógico.

Watchmen também tem seus méritos técnicos, que vez ou outra são esquecidos em virtude de seu texto. No entanto, foram justamente esses méritos que o fizeram único dentro do próprio universo da HQ. Dizer, como muitos já disseram, que sua narrativa se estrutura de forma cinematográfica é uma grande besteira. Alan Moore trabalha sua história com seguidos cortes, que podem fazer como que um leitor menos atento se perca dentro da própria cronologia. Flashbacks vêm e vão a todo o momento, assim como uma alternância constante de personagens centrais. Mas o que realmente salta aos olhos em Watchmen e revoluciona a linguagem das HQs de uma forma definitiva é sua intertextualidade. Ao longo dela vemos a narrativa natural ser interrompida por cartas e trechos de um livro fictício apresentados em forma de texto convencional (sem imagens e quadros), além, é claro, do chocante “Contos do Navio Negreiro”. Uma HQ dentro da própria HQ, sendo lida por um garoto encostado na banca, que tem seus impressionantes quadros revelados aos poucos, à medida que a história principal prossegue. Tudo isso aliado a referências do mundo pop, como filmes e músicas (David Bowie é constantemente citado).

Dave Gibbons, que tinha uma longa e bem sucedida carreira, também atingiu seu auge com Watchmen. Com um traço americano clássico (embora seja um inglês), muito bem datado dos anos 80, no entanto sem um exagero que lhe permitiu ter vida longa nos HQs, toda a ambientação da obra salta aos olhos. Os cenários urbanos são sujos e caóticos, mas sem que isso atrapalhe qualquer visualização por parte do leitor. O figurino dos heróis é uma mistura muito bem sucedida entre a extravagância que estamos acostumados e um senso de realidade que os torna, até certo, ponto viáveis em um hoje longínquo 1985. Mas o que Gibbons criou, e com maestria, foi uma alternância constante de climatização. Nos momentos em que estamos vendo a cruzada solitária de Rorschach, temos uma história noir que faria Will Eisner ter orgulho. Quando estamos a sós com o Dr.Manhatan, toda a melancolia e desilusão das ficções cientificas da década de 50 brotam das páginas, ao tempo que o Comediante nos traz cenas de guerra e massacres comparáveis a qualquer grande filme sobre o Vietnam. Dizer que tais ambientações podem ter influenciados obras cinematográficas posteriores pode até soar um pouco pretensioso, mas não estaria errado. Por fim, a utilização de “câmeras” inéditas fez com que Gibbons fosse constantemente copiado nos últimos 20 anos. Foi a primeira vez que uma grande HQ trouxe uma alternância constante de ângulos e até mesmo visão em primeira pessoa, algo até então era impensável nos quadrinhos.

É fácil entender Alan Moore quando ele se opõe firmemente à realização de um filme de Watchmen. E, por muito tempo, o destino lhe deu razão. De 1990, quando a Fox comprou os direitos da adaptação, até 2005, inúmeras tentativas foram feitas. Nenhuma deu certo. Todos que tentaram falharam, dizendo que a adaptação era impraticável. Era impossível filmar Watchmen sem retalhar todo o trabalho que foi feito. De fato, é complicado pensar em uma adaptação quando se olha a obra de um ponto de vista mais atento, lembrando que muitas das coisas que foram feitas haviam sido criadas para funcionar unicamente nos quadrinhos. E analisando desta forma, comparando grosseiramente, Watchmen se torna uma adaptação mais complicada que Dom Casmurro ou Dom Quixote, só para citar duas transposições que falharam constantemente em seu resultado final. No entanto em 2005 a Warner comprou os direitos autorais e entregou o projeto nas mãos do então novato Zack Snyder, que, na época, mal sonhava com 300. Agora, faltando apenas uma semana para seu lançamento mundial, os fãs e admiradores prendem a respiração. Se Snyder conseguir o que então era considerado impossível, será alçado à categoria de gênio, que conseguiu transformar as adaptações de HQs, levando-as a um novo nível. Porém, se fracassar, Watchmen estará enterrado de uma vez por todas no mundo do cinema, e preso ao seu formato original para sempre. E, pensando bem, tanto Alan Moore quanto muitos de seus fãs ficariam muito aliviados se isso acontecesse.

2 comentários:

Pedro Zambarda disse...

Watchemen é uma das obras mais influentes do século XX e, sem dúvida, perderá algumas qualidades no cinema.

No entanto, sou obrigado a discordar do sr. Moore. Temos adaptações ruins sem número, mas V de Vingança, pra mim, foi um primor.

Unknown disse...

packers jerseys
cheap uggs
oklahoma city thunder jerseys
bills jerseys
armani exchange outlet
ralph lauren outlet
rolex replica
reebok outlet
oakley sunglasses
kate spade outlet

Posts mais lidos