sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Um metrô de problemas


Segundo a Companhia do Metropolitano de São Paulo, o Metrô, cerca de dois milhões e meio de pessoas utilizam, diariamente, o transporte como meio de locomoção. Embora seja, segundo indicadores do Movimento Nossa São Paulo hoje, a terceira opção de locomoção do paulistano (perdendo apenas para o automóvel e ônibus), o sistema metroviário é o quinto em extensão, depois dos ônibus convencionais, corredores de ônibus, trólebus e trem. Os 60 km de trilhos distribuídos em quatro linhas (Azul, Verde, Vermelha e Lilás) e divididas em 55 estações não suprem a necessidade da população da cidade de São Paulo, estimada, segundo Censo 2000, em mais de dez milhões de habitantes. A expansão do metrô não acompanhou o crescimento da cidade. E, andando em ritmo lento, os paulistanos tentam descobrir de quem é a culpa.

Trens lotados, lentos e insuficientes. Passageiros descontentes e frustrados. Essa situação de caos tornou-se rotina em São Paulo, desde que o sistema metroviário fora implantado em 1974. Mas a decisão que mudaria para sempre a cara da capital paulista ocorrera seis anos antes, quando, no dia 24 de abril de 1968, foi criada a Companhia do Metropolitano de São Paulo, o Metrô. A iniciativa partiu da necessidade de se descongestionar o trânsito da cidade, que, desde a década de 1940, vinha se tornando cada vez mais caótico. A desativação dos bondes, o aumento da frota de ônibus, a decadência do sistema ferroviário, o desenvolvimento da indústria automotiva nacional, são os principais fatores que contribuíram para o aumento do número de veículos nas ruas da cidade.

O início das obras naquele mesmo ano dava a São Paulo uma imagem de tecnologia e progresso. Quando, em 1974, parte da futura Linha 1-Azul foi inaugurada (na ocasião, apenas o trecho Jabaquara – Vila Mariana entrou em operação), a maior cidade do país considerou-se inserida num momento de forte desenvolvimento. O jornalista, historiador e ex-assessor do Metrô, Assis Ângelo, diz que “foi realmente fantástico. Aliás, até hoje, cada inauguração de uma estação é motivo de orgulho para a cidade de São Paulo. Você imagina o que isso representou em 1974”, rememora.

Primeira estação: o problema

É comum pensar que a responsabilidade por esse caos subterrâneo seja do governo. No entanto, é difícil identificar o real detentor do problema quando, na verdade, ele pertence aos três níveis de poder – municipal, estadual, e federal. “O metrô nasceu com o Município, o Estado e União têm uma participação pequena. No entanto, o governo federal não deveria se ausentar, a prefeitura menos ainda e ela se ausentou. Tem-se que adquirir a convicção de que as três esferas do poder são responsáveis”, afirma Adriano Branco, ex-secretário estadual de transportes de São Paulo entre os anos de 84 e 87 que, hoje, atua em consultoria de trânsito.

Segundo Branco, de início o município foi mentor do metrô. No entanto, a prefeitura foi ficando com recursos escassos e se associou ao Estado que assumiu o controle acionário do transporte. O governo Federal também assumiu algumas ações, poucas, segundo Branco. Para ele, o motivo principal do metrô andar em marcha lenta é a falta de articulação entre essas esferas políticas. “Há certa antipatia caso haja uma disputa política entre União e Estado, quando são de partidos diferentes. Por outro lado, não ajuda muito se os partidos coincidirem. Não adianta nada. Eu vi o governador Alckmin pedir audiência ao FHC, por exemplo, para tratar da questão dos Portos e ele não o atendeu”, relata Branco ao afirmar que a questão política não é o que mais influencia no bom andamento do metrô. Assim concorda Marco Antonio Carvalho Teixeira, pesquisador de Gestão Pública e Cidadania da FGV. Para ele, o problema do metrô é estrutural e que alinhamento político influencia sim, mas esse fator não é o principal.

A própria fundação desse transporte, em 1968, não envolveu problemas de natureza política. “Naquela ocasião, o presidente da Companhia do Metropolitano de São Paulo e outras estatais do Brasil inteiro, naturalmente, eram escolhidas pelas forças políticas que vigoravam. Portanto, pela força militar. Então, não existia uma briga política propriamente dita, porque tudo se acertava nos bastidores das cavernas”, afirma Assis Ângelo. Verdade seja dita, o regime autoritário encobria a existência de intrigas entre os vários níveis de governo. Mas o problema encontrado não era de natureza política. Segundo Célia Baider Stéfani, doutora em Geografia Humana, que apresentou ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo uma tese de mestrado relativo ao sistema ferroviário paulista, “o empecilho maior era econômico e não político”.

Segunda estação: o dinheiro

O problema quanto à origem de verbas para a construção de novas estações e linhas vem se arrastando desde a fundação do GEM, Grupo Executivo Metropolitano (antecessor do Metrô). Criado pelo Conselho Metropolitano de Desenvolvimento, em 1966, na gestão do prefeito José Vicente Faria Lima, cuja finalidade era definir projetos. Dificuldades relativas à obtenção de financiamento das obras levaram o seu sucessor, Paulo Maluf, a desacelerar o ritmo dos trabalhos, privilegiando outras obras viárias. “A preocupação maior dos governos a partir da implantação do metrô foi de alicerçar obras para o transporte particular e não público”, afirma Célia.

“O metrô e a própria CPTM são duas empresas importantes, mas são órfãs de pai e mãe. Os recursos são do tesouro do Estado, nada de significativo advém da União”, afirma Branco. Para ele, uma das soluções para se obter verbas seria a chamada Concessão Urbanística. Esse dispositivo permite ao Poder Executivo, mediante licitação, delegar à iniciativa privada a realização de obras de urbanização. Com a valorização dos terrenos provocada pelos projetos de implantação do metrô, é possível que o Estado negocie contratos mais lucrativos, ou seja, pode-se investir no transporte com os lucros obtidos da especulação imobiliária sobre os contratos de Concessão Urbanística. Além disso, há ainda a possibilidade de conceder a própria Companhia do Metropolitano de São Paulo a uma empresa privada. Segundo Branco, 73% da receita do metrô de Tóquio advém de negócios imobiliários.

O desembarque
Como medida para atacar o problema, o ex-secretário sugere estabelecer prioridades e pôr na ordem do dia a modernização da CPTM. “A região metropolitana tem 280 km de trem, dos quais 160 estão na capital, enquanto o metrô tem 60. O custo é menor”. O metrô entraria logo depois com a ampliação das linhas apoiadas pela iniciativa privada.

Apesar das possíveis soluções, Branco não se mostra otimista quanto ao desfecho deste problema, pois não vislumbra solução. “Hoje eu digo, seguramente, que a cidade de São Paulo já está parada. Eu acho que estamos indo para uma situação mais grave, para a fase da revolta. Isso é muito mais que um embate político”, constata Branco e os mais de dois milhões de usuários do metrô.

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