domingo, 27 de setembro de 2009

Eliane Brum - contadora de histórias

Um dos grandes nomes do jornalismo atual, Eliane Brum é repórter especial da revista Época e já recebeu mais de 40 prêmios ao longo da carreira. Considerada expoente do jornalismo literário nacional - título do qual ela se orgulha, embora não esteja certa se é de fato o que ela faz - Eliane iniciou sua carreira jornalística como repórter do jornal Zero Hora, no Rio Grande do Sul, escrevendo sobre histórias de pessoas anônimas. Dez delas foram publicadas no livro A vida que ninguém vê (Ed. Arquipélago Editorial).

Depois de uma palestra interna de duas horas no auditório da Editora Globo, iniciada com uma boa dose de timidez, Eliane me concedeu essa entrevista já com a voz bastante baixa e o corpo cansado.

Entrevista original do blog Indiferença dos Tempos para o Bola da Foca.

Quais as maiores dificuldades que você enfrentou ao longo da sua carreira, tanto em relação aos princípios que você carrega quanto às dificuldades da profissão de jornalista?

Ser jornalista e fazer reportagem não é só o que fazemos, mas o que somos. Trata-se de um jeito de estar no mundo, que a gente constrói cotidianamente. Para mim, além das dificuldades de conseguir construir meu espaço, de contar as histórias de um jeito que eu acho que devam ser contadas e de lutar pelas palavras que eu acredito ser mais corretas, o mais difícil no jornalismo é saber o que é mais certo fazer. Essas questões poderiam ser mais discutidas na universidade. Alcançar o que é mais ético não é uma coisa fácil, óbvia. É essa reflexão constante que a gente tem que ter.

Você teve que mudar sua postura diante de alguns fatos ou mesmo diante do que a profissão exige de um jornalista?

Só faz sentido ser jornalista se o que eu faço me transforma. A reportagem é um encontro entre um repórter e um personagem e, se os dois não saem transformados por esse encontro, é porque não aconteceu. Tudo o que sou se deve hoje a essas transformações que tive nesses 20 anos de jornalismo. Neste ano, fiz uma matéria na qual acompanhei os últimos 115 dias da vida de uma mulher chamada Ailce. Tive um profundo confronto pessoal com a morte, que alterou toda a minha maneira de ver a morte e, principalmente, minha maneira de ver a vida.

Como fugir da mesmice do jornalismo de hoje, voltado para as notas e as informações rápidas? Para quem está entrando agora no mercado e ainda não conseguiu o espaço das grandes reportagens, não tem como fugir disso?

Eu acho que tem que fugir, é uma obrigação resistir. É um ato de resistência cotidiana mesmo. Gasta-se mais tempo, você chega mais tarde em casa mas, vá pra rua e faça pessoalmente. Vá brigar pelas suas palavras. É muito uma questão de olhar. Você pode ter 30 dias para fazer uma matéria, mas se olhar para a pessoa, para o acontecimento e para a pauta com o mesmo olhar de sempre, aquele olhar já dado, banalizado, você vai ter 30 dias e não vai ver nada. Agora, se tiver um olhar que está disposto a enxergar, a duvidar de si mesmo, você vai conseguir enxergar coisas numa matéria do dia. Temos sempre que reeditar nosso olhar sobre o mundo. Acho que isso também é um ato de resistência, ir construindo as coisas devagarzinho. Claro que é possível, se não fosse possível não existiria mais jornalismo. Mas é mais difícil e dá muito mais trabalho.

Como podemos encontrar personagens anônimos parecidos com os que você encontra, considerando o tempo que se passa dentro de uma redação, num lugar fechado?

A gente não tem que passar. Temos que passar o mínimo possível numa redação, lugar de repórter é na rua, a gente só vai pra redação para escrever.

Você acha que o jornalismo de hoje, não só no Brasil, mas no mundo todo, é cheio de certezas? De matérias pré-estabelecidas e julgamentos pré-definidos?

Não só no jornalismo, mas de maneira geral as pessoas têm muitas certezas. Acho que elas têm tantas incertezas que não conseguem lidar com a incerteza e com a falta de controle na vida. O que a gente mais vê em todas as áreas são pessoas desfilando suas certezas absolutas por aí, sua arrogância, prepotência. O jornalista não pode ser assim. Nossa obrigação é duvidar, duvidar de tudo e de uma forma construtiva, começando pelas nossas certezas.

Existe no jornalismo um discurso de que é preciso arrancar a informação a qualquer custo. Como lidar com as exigências dos chefes e, ao mesmo tempo, impor a sua posição de aceitar um não de vez em quando?

Acho muito engraçado essa coisa de arrancar. Primeiro, porque não se arranca nada. Foi uma libertação para mim quando descobri isso. Claro que existem matérias diferentes, mas falando no geral, você chega, conta pra pessoa com toda honestidade o que você vai fazer e ela te responder com toda honestidade se quer ou não falar. Se não quiser, a gente lamenta e vai embora porque a pessoa tem todo o direito. Elas não são obrigadas, é isso que nós temos que dizer para o chefe, que pode espernear, mas vai ter que aceitar e nós também vamos ter que correr o risco. A gente só responde a nossa consciência, tudo o temos é o nosso nome e não é fácil fazer isso. Às vezes é muito difícil, mas não existe outra alternativa.

Um comentário:

Pedro Zambarda disse...

Exemplo de jornalismo, de pessoa e de experiências. Essa é Eliane Brum.

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