domingo, 15 de março de 2009

Na Batida de uma Geração - The Beat Generation

Em linhas gerais, a “beat generation” foi um grupo formado por escritores, poetas, dramaturgos e boêmios que se juntaram no final dos anos 40 nos EUA. Tinham a intenção de fazer uma literatura mais próxima da realidade das ruas, uma poesia urbana e um estilo de escrever específico e à parte de qualquer outro estilo corrente. Conseqüentemente, os beats – nome dado aos membros da beat generation - se engajaram numa criatividade espontânea e por vezes propositalmente desleixada. Os escritores beats produziram muitos trabalhos controversos para a sociedade americana da época, que acabaram por simbolizar o estilo de seu inconformismo.

O termo “beat”, bastante usado nos anos 40 e após a Segunda Guerra Mundial, reunia inúmeras conotações negativas e foi introduzida ao grupo por Herbert Huncke, figura presente dos submundos de Nova York. O adjetivo beat tinha conotações de “cansado”, “por baixo” ou “de fora”, mas Kerouac adicionou significações mais paradoxais e mais positivas como “beatitude” e a associação musical, principalmente em relação ao jazz, entre outras, que reforçam “estar na batida”, por exemplo.

Reza a lenda que, no mês de novembro de 1948, em algum bar na Times Square em Nova York, estavam sentados conversando sobre o panorama atual da falta de perspectiva John Clellon Holmes e Jack Kerouac. No meio da conversa Jack Kerouac se lembra da “geração perdida” de Jean Paul Sartre e lamenta: “we’re a beat generation” (Nós somos uma geração “batida”, ou “vencida”, em uma tradução livre). John Clellon Holmes percebeu que presenciara uma revelação histórica e saltou da cadeira: ”É isso! Você está certo!” A partir deste momento, o termo beat ganharia seu significado na literatura.

Apesar das definições ditas acima, ainda tiveram outras versões que acabaram criando uma certa confusão nos anos posteriores. Se a referência original do termo beat era de conotações negativas, foi Allen Ginsberg quem mais se esforçou em abrir o termo para englobar aspirações mais positivas. Pare ele, ser beat é ter uma percepção abrangente e uma percepção particular e real da natureza das coisas. Já para John Clellon Holmes, os beats eram uma versão americana para o existencialismo europeu e, conseqüentemente, adotaria o preto como cor. Ser beat, segundo Holmes era "despir a mente e a alma, optar por reduzir-se ao que é mais básico, no lugar de aceitar a visão convencional de uma América complacente, próspera e homogênea".

É possível concluir hoje que existiam dois grupos ou segmentos distintos de beats. O primeiro surge em Nova York durante a década de 1940 e o outro, se encontra em São Francisco na década de 1950. O grupo inicial formava-se sem premeditação quando Jack Kerouac, Allen Ginsberg, John Clellon Holmes, William Burroughs e Gregory Corso se conheceram em diferentes ocasiões durante os anos 40.

Nos anos 50, alguns beats vão juntos para o oeste à procura de Neal Cassady - andarilho que serviu de inspiração para Dean Moriarty, um dos protagonistas do livro On the Road, de Jack Kerouac - e acabam se fixando em São Francisco. Lá acabam atraídos e atraindo poetas igualmente inconformados com a América daquele período.

Neste segundo grupo estão poetas, escritores, artistas e intelectuais como Lawrence Ferlinghetti, Gary Snyder – que introduziu ao grupo o zen-budismo característico da beat generation -, Kenneth Rexroth, Philip Lamantia e vários outros. Foi na Califórnia que a beat generation tornou-se um movimento, pois transformou-se em algo mais abrangente, atingindo a pintura e escultura, como também uma literatura que possa falar não só da cidade, como do campo e do espírito (outro ingrediente trazido por Gary Snyder).

O marco da beat generation foi a apresentação na galeria Six - que antes era uma mecânica e havia se transformado num salão de arte -, no dia sete de outubro de 1955. Organizado pelos próprios beats, sem ter onde ou como apresentar seu trabalhos, eles resolveram fazer um recital gratuito em uma galeria velha que ficava em um dos guetos da cidade. Para o público presente, composto de negros, latinos e imigrantes de vida difícil, o recital com os poemas questionando tantas certezas do modo de vida americano soaram particularmente reais. O cunho crítico e contestador dos pensamentos em relação ao que acontecia naquele momento nos Estados Unidos do pós-guerra fez o público aplaudir de pé, manifestando sua concordância com estes pensamentos e idéias, porque estas mesmas desilusões eram vivenciadas na pele deles também. O último poeta a ler no recital foi Allen Ginsberg, que pela primeira vez recitou em público, chamado “Uivo”. O recital é descrito com detalhes no segundo capítulo do livro Vagabundos Solitários, de Jack Kerouac.

O evento na Six Gallery fez brotar em São Francisco uma série de eventos voltados para a arte. Segundo Gary Snyder, "tivemos a nítida sensação de termos alcançado uma liberdade de expressão, termos nos libertados da Universidade que tanto sufocava os poetas, indo além da tediosa e inútil discussão sobre Bolchevistas versus o Capitalismo que tanto esvaziava a imaginação de tantos intelectuais do mundo".

Mas nem tudo são flores. Nessa mesma época, os Estados Unidos estavam vivendo a paranóia comunista, a Guerra Fria, a “caça às bruxas” promovida pelo senador Joseph McCarthy e a censura não parava de proibir diversas obras de cunho “subversivo”, “comunista” e até “antiamericano”.

Um dos fatos responsáveis pela popularização dos beats foi o famoso processo jurídico de Lawrence Ferlinghetti, que publicou o livro Uivo e outros poemas de Allen Ginsberg pela City Lights Books, sua livraria que também servia como editora e ponto de encontro dos beats. Acusado pelo governo de promover pornografia, o poema não só foi inocentado, como também foi aclamado "de valioso conteúdo social". Mais importante ainda foi a cobertura diária da imprensa no julgamento, que tornou os termos Beat e Beat Generation repentinamente conhecidos por todo o país, embora poucos sabiam do que se tratava. Outras obras foram parar nos tribunais, como o caso de Almoço Nu, de William Burroughs. O romance era impregnado de descrições de conduta sexual, cenas contendo homossexualismo explícito, além de uma contínua prática no uso indiscriminado de entorpecentes pelos seus personagens. O réu desta vez foi Barney Rossett, outro editor de livros beats. Também saiu inocentado dos tribunais.

Enquanto os processos recebiam uma baita cobertura da imprensa, Jack Kerouac finalmente conseguia publicar outro livro chave da beat generation, Pé na Estrada. Escrito em 1952, era um relato do que aconteceu no final dos anos 40, numa viagem com Neal Cassady (Dean Moriarty, no livro) só foi publicado no final de 1957. Aliás, vários outros escritores beats estavam lançando livros que já tinham escrito há quase dez anos atrás.

Em abril de 1958, surgia outro termo para descrever o grupo de escritores: “beatnik”. O termo foi criado pelo jornalista Herb Caen, do jornal San Francisco Chronicle. O sufixo “nik” foi retirado do Sputnik, satélite russo lançado naquela época, oferece ao beat a sugestão de ser subversivo, uma vez que russos e americanos simbolizavam a antítese entre comunismo e capitalismo. Não demoraria muito e Beat seria compreendido como um estilo de escrever e Beatnik um estilo de viver.

A linguagem e as roupas dos beats chegaram às telas do cinema através de James Dean, no filme “Juventude Transviada” e Marlon Brando. O rock and roll, que estava explodindo na época, teve também influência estética dos beats, através de Elvis Presley e suas costeletas. Os livros viriam a influenciar as letras de artistas como Bob Dylan (que leu On the Road, título original de Pé na Estrada, e depois fugiu de casa), Pink Floyd e Beatles, nos anos 60.

Os beatniks já não se resumiam apenas aos boêmios escritores de São Francisco e Nova York que já estavam viajando pelo mundo e sim uma série de jovens universitários que se vestiam de preto, usavam boinas, óculos escuros e ouviam jazz. Assim, os beats – agora beatniks -, se transformavam num gênero de movimento cultural, separado (mas nem tanto) dos beats literatos e que geralmente ficavam orgulhosos de serem chamados de beatniks.

A rápida e gradual expansão da “beat generation” abriu caminho para a “contracultura dos anos 60”, que foi acompanhada pelo deslocamento natural no público de “beatnik” para “hippie”. O termo é uma abreviação do termo “hipster”, muito usado por Kerouac em seus livros como uma denominação alternativa aos beats. Alguns dos beats originais permaneceram como participantes ativos. Allen Ginsberg, por exemplo, se tornou um dos grandes nomes do movimento antiguerra e fez amizades com muitos astros do rock. Já Kerouac, outro grande nome da geração, rompeu com Ginsberg e criticou os movimentos de protesto nos anos 60 como “novas desculpas para o rancor”.

De muitas maneiras, os beats foram a primeira geração contracultural que veio a influenciar, de uma forma direta ou indireta, todas as tribos urbanas que surgiram nas décadas seguintes. A primeira delas foram os hippies, descendentes diretos dos beatniks, nos anos 60. Durante o conformismo da era pós-Segunda Guerra Mundial, eles foram uma das forças engajadas a questionar valores tradicionais que produziram uma quebra com a cultura predominante.

Não há dúvidas de que os beats produziram grandes idéias revolucionárias em relação a um novo estilo de vida (principalmente em relação ao sexo e as drogas). Os beats exerceram também um grande efeito intelectual ao encorajar o questionamento da autoridade (a força por trás do movimento antiguerra, principal bandeira dos hippies) e até mesmo a consciência ecológica. Muitos deles foram ativos em popularizar o interesse pelo zen budismo no ocidente.

De qualquer forma, não há como negar que os ecos da beat generation transpassaram a todas as formas de contracultura alternativa já existentes desde então (ex: hippies, punks, etc), sem contar a revolução criada por estes escritores. Se não existissem os beats, provavelmente, a história do mundo seria completamente diferente.

4 comentários:

Pedro Zambarda disse...

Cara, muito bom seu texto.

Já tentou publicar artigos sobre rock aqui: http://whiplash.net/

André Sollitto disse...

Muito interessante seu texto, Eduardo. No entanto, tenho que fazer algumas correções. "Beatnik" é um termo repudiado pelo próprio Jack Kerouac. O escritor afirma que essa conotação política que foi incorporada ao grupo nada tinha a ver com a ideia inicial. Além disso, o grupo Beat de fato era pequeno. Pode-se dizer que ele influenciou uma geração, mas que os beats mesmo eram poucos. E o estilo Beat que supostamente foi levado às telas por Marlon Brando e James Dean não representa nem de longe o comportamente dos Beats; afinal, alguém envolvido em zen-budismo jamais sairia batendo nas peças somente por diversão. Para finalizar, o certo é "gratuito", sem acento.

Eduardo Martins disse...

Oi André! Obrigado pela correção de "gratuito". Já está td certo agora. Kerouac só emitiu opiniões a favor do termo "beat". Já o termo "beatnik" é isso mesmo, ele odiava, assim como os hippies dos anos 60. Mas o termo "hipster", foi ele mesmo q popularizou. Sobre o zen budismo, Gary Snyder e Ginsberg eram os simpatizantes, pois nem todos ali vestiam essa camisa. O q vc disse em relação ao "juventude transviada", ficou somente na estética/moda e nada mais. Tanto é q isso gerou confusão na época. Clellon Holmes e Cohen Jones escreveram bastante sobre isso na mídia americana da época.

Anela disse...

por favor vc que entendem desta cultura beat podem me explicar a ocorrencia de todos os seus pensadores serem homossexuais pois somente na grecia antiga vi isto ocorrer!

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