quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Sopa de Letras

Para Thiago Dias.
E para um professor.
E para milhares de homens adultos ditos "vividos".

1968. 2008. 1908. 1928. Na verdade, tanto faz a data.

Anos 1960. Tempo da maconha, tempo de Beatles, tempo de boas músicas, tempo de mitos, tempo de superstição, tempo de educação para pouquíssimos. Tempo de universidade para a elite dos ricos. A outra elite partia para a carreira profissional sem concluir nenhum curso. Bill Gates sai de um curso de economia para comandar o monopólio de softwares do século XX. No final, tanto faz.

Zuenir Ventura fez um bom livro sobre as memórias de 1968, mas eu mudaria o título. 1960 foi o ano que não terminou. 1970 foi o ano que não terminou. A consciência humana apocalíptica foi o que não terminou. Lamentações e exaltações costumam ser o status quo de uma consciência socializável. É cool falar de problemas e não resolver absolutamente nada e perder tempo fazendo isso. O problema é que, de fato, a sociedade concebida apenas por costumes e lugares comuns costuma ser burra ou, no mínimo, medíocre (no stricto da palavra, nem lá e nem cá). Não se vive só do passado. Das memórias, a que é aproveitável é cultura, que é transmitida junto com o DNA. A cultura é mastigável, ursupável, manipulável, frustrante, frustrada, calada. As lamentações e exaltações impregnadas nelas poderiam simplesmente desaparecer. Elas poderiam deixar de estagnar o atual pensamento.

Mas as pessoas não cogitam tal possibilidade.

Ou você cria um mito futurista, ou uma tragédia futurista, ou você mete o pau na geração atual, ou faz aquelas dezenas de ações que todo mundo faz e que toda a sociedade aceita. Ou então, melhor ainda, você traça um relato melodramático da importância de suas experiências sessentistas. Você fala que criou os hippies, as passeatas engajadas, o país do progresso, a escola exemplar. Você fala que em seu tempo não existia classe média que não soubesse escrever direito. Só faltou um detalhe: a classe média atual não é a mesma coisa daquele tempo: a renda da população pobre cresceu, mas não sua formação cultural. Falhas análogas em seqüência não necessariamente correspondem a uma comparação satisfatória. Mais uma vez: falta cultura e há muito culto ao passado. Falta repertório e há, como sempre, muito discurso.

A mesma geração que criou os hippies, os punks, os metaleiros, as ideologias, a "música boa", também criou o neoliberalismo, o esquerdismo e direitismo, o falso altruísmo e as causas vazias da atual geração (descrença diante de AMEAÇAS de aquecimento global). A mesma geração que se curvou a Getúlio Vargas trouxe a Ditadura Militar ao Brasil e a falsa redemocratização atual, dentro e fora da classe política. O romantismo pode criar um realismo duro e concreto. Ninguém aceita que uma linha de pensamento se trai.

Sou obrigado, nesse texto, não a recorrer aos discursos vazios que usei em uma discussão contra o Thiago no dia de hoje, mas talvez relembrar que, felizmente ou infelizmente, você, leitor, professor ou aluno, só tem o mundo de hoje. O mundo, que você rejeita e macula, é aquele que se porta desfigurado diante de sua presença. 1960 acabou. A sua crítica, aquelas coisas que você diz como "esse país não dá certo", "essa geração nova não produz nada", acabam aqui.

Produza algo novo.

Do 0. Nem de 1968 e nem de 2008, mas deste momento, da sua pessoa.

Esqueça a imprensa, esqueça os jornais, esqueça a tecnologia. Lembre-se apenas da cultura que ficou impregnada, não em dados, mas em atitudes. Talvez uma atitude traga o romantismo anterior de volta, talvez não traga. Uma atitude faz a diferença, não um discurso. E não se trata aqui de ir contra a demagogia, mas ir contra a demagogia e o engajado frustrado. Trata-se de ir contra uma história criando uma nova, porque a história anterior pode não ser, necessariamente, sua história.

Esquecer e trazer a cultura à tona não se trata de ser um ignorante dos fatos, das memórias, dos rastros. Esse esquecer é tratar o passado como museu, como apreciação ou apropriação, não como lugar para viver. Os ditos "exemplos" geram monstros. E essas monstruosidades são aceitas pela atuação do "exemplo" como criador de opiniões.

A história produz mentiras em seqüência e você acredita.

Você acredita.

No fim, todo mundo pode esquecer de você. E seus protestos soarão totalmente abafados.

E, ignorante como você continua sendo, a verdadeira história será sempre outra versão.

Sopa de Letrinhas são crônicas (que deveriam ser) publicadas às quintas-feiras.

Falam de comunicação, de protesto e contra-protesto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Com o bombardeio de informações que temos no mundo atual, o processo criativo faz-se cada vez menos necessário (a partir de cada um).

Nós assistimos TV, vemos cinema... Nós absorvemos tudo que já fora criado e não somos levados a fazer algo novo. De uma certa forma, muita coisa já foi explorada a ponto de não conseguirmos ter criatividade para criar o novo.

Eu conjecturo que seja possível o novo, mas, no mundo de hoje, o novo é cada vez mais difícil. Ademais, nossa mentalidade ortodoxa tende a rejeitar tudo aquilo que possa representar uma real renovação. O ser humano é uma mera consciêcia inconsciente do presente. Ele supõe que sua era atual é razoável (se comparado à Idade Média, etc), mas de qualquer forma é nostálgico ao ponto de dizer que os anos 60 ou qualquer merda foram os melhores. Cá entre nós, somos todos afetados por esse senso comum retrógrado que causa apenas tédio e apatia ante à frente criadora de cada um.

De qualquer forma, o cérebro humano costuma filtrar o que guarda e mesmo que a época tenha sido uma merda, lembrar-se-á apenas dos bons pontos. Se não acredita, pare para analisar... Fria e racionalmente situações a que julga que foram boas... Que o foram, é fácil ver. Difícil é lembrar que não é a conjuntura de sonhos que ficou salva na memória.

Eu particularmente, sou uma nostálgica e pobre alma vagante... =P

Como todo mundo.

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