domingo, 17 de agosto de 2008

Eu vi

Primeiro apito. O coração dispara, as mãos suam e a adrenalina invade o corpo. A platéia se levanta, câmeras ficam a postos, e ninguém fala. O mundo se prepara para o maior momento da história olímpica. Segundo apito. O tempo parece se alterar e o mundo deixa de respirar pelo tempo que ele está dentro da piscina. Só existem olhos para a raia quatro, onde quatro homens lutarão ao longo de 100m. Quatro homens? Poucos se lembram do nome dos outros três. Afinal o que importa é que a história estará sendo escrita pelo terceiro homem do revezamento. Muitos números até aqui, mas números irrelevantes se comparado aos do jovem americano. 23 anos, 16 medalhas conquistadas em Olimpíadas, sendo 14 de ouro. Em Pequim foram oito provas, oito ouros. Ultrapassou o recorde de Mark Spitz, que tinha sete na mesma Olimpíada. Foram sete recordes mundiais e um recorde olímpico, recorde olímpico, que pela prova, valeu muito mais que qualquer recorde mundial. Em Pequim, o mundo viu o nascimento da lenda de Michael Phelps.

Sempre existe aquele que é considerado o melhor de todos. Um homem quase imbatível que por determinado tempo, é o melhor do mundo. Toda sua geração já teve um. Mas poucas foram as gerações que puderam acompanhar a história do esporte sendo escrita por um homem. Homem? Ou seria algo a mais? Ou seria possível um homem marcar gols como Pelé? Encestar como Jordan? Pilotar como Schumacer? Ou, como a história escrita nestas Olimpíadas, seria possível um homem nadar como Phelps?


Sempre tive inveja daqueles que contavam as histórias de Pelé e Puskas. Invejei, por mais estranho que pareça, aqueles que estavam presentes no Estádio Olimpíco de Berlin em 38 quando Jesse Owens provou ao mundo que o homem mais rápido era negro. Invejei, e muito, aqueles estavam assistindo ao Dream Team americano em 1992. Seriam aquela imagens montagens? Seriam elas apenas melhores momentos separados estrategicamente para nos humilhar, para reduzir nossos próprios gigantes? Em Pequim vimos que não. Vimos Michael Phelps expandir os limites humanos dentro da água até limites nunca dantes imaginados.


A lenda de Phelps foi escrita de forma épica. A cada prova o mundo tremia em apreensão: será este o momento que ele cairá? Por duas vezes, ele teve certeza que sim. No 4 x 100m livre os EUA estavam atrás até o último homem. O adversário era o veloz Alain Bernard da França, mas Jason Lezak provou que até os maiores precisam de ajuda, e operou um milagre na última piscina, dando a terceira medalha de ouro para Phelps em Pequim. Mas este milagre foi pequeno perto daquele que o mito operou sozinho. Dizem que todo grande herói precisa de vitórias épicas, e o que Phelps fez foi mais que isso, foi surreal. Todos diziam que nos 100m borboleta Phelps poderia ser superado. Era uma prova de velocidade, algo que não é a especialidade do americano. Seu adversário era o recordista olímpico,Miloard Cavic. Antes da prova, uma imagem feita para ser cravada no tempo: Phelps e Cavic, nas raias 5 e 4 se encaram por exatos 30 segundos, cada um de seu bloco de largada. O Cubo D'Água se congelou. Era como se todos assistissem aquele momento, Cavic tentando desestabilizar Phelps e vice-versa. Após o segundo apito, não houve quem piscasse dentro do complexo aquático. Phelps vira os primeiros 50m em sétimo e o mundo tem a certeza que o sonho irá naufragar. 30 m finais e Phelps é segundo, Cavic lidera. Aos 15m, Cavic e Phelps, assim como nos últimos 10m, 5m. O mundo tem certeza de que tudo acabou e a lenda fracassará. Mas como uma verdadeira criatura marinha Phelps salta da água e por 1 centésimo de diferença toca na parede antes de Cavic. O mundo olha espantado para o que ocorreu, e a única vitória sem recorde mundial de Michael Phelps se torna a que mais simboliza sua superioridade.


Muito provavelmente Londres 2012 não verá o que Pequim viu. Phelps terá 27 anos e o auge de sua forma terá passado. Com toda certeza ainda ganhará medalhas, mas dificilmente as 8 que conquistou na China. Da mesma forma que não se vê no horizonte olímpico um substituto para ele. De fato, Phelps entrou para um grupo mais seleto ainda do que os maiores da história: aqueles que atingem tal status ainda em atividade. Neste clube talvez estejam Pelé, Michael Jordan e, com alguma dúvida, Michael Schumacher e Roger Federer. As pessoas ainda demorarão para entender e ver os reflexos dos feitos de Phelps, mas eles aparecerão. E nós poderemos imitar nossos país quando conversarmos com nosso filhos: “Eu vi Michael Phelps.”

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