terça-feira, 10 de junho de 2008

Diário de uma Arubaito - De volta ao trabalho - Parte 5

No dia 7 de janeiro, às 7 e meia da manhã, estávamos de volta à ASTI. Apesar de não haver ânimo nem desânimo geral, era difícil imaginar como seria trabalhar naquele ritmo por mais dois meses com um dia de folga por semana, ou menos que isso, sabendo que a produção seria maior e, consequentemente, mais horas de zangyô. As horas extras, segundo as leis japonesas, significam 25% a mais no pagamento de cada hora trabalhada (1000 yen a hora = 10 dólares), já nos dias de folga, o aumento é de 35%. É muito comum a fábrica pedir para que alguns de seus funcionários trabalhem no dia de sua folga, e muitas vezes os próprios funcionários o pedem, já que é mediante essas horas extras que se consegue juntar dinheiro. No entanto, para os dekasseguis, que passam anos trabalhando em fábrica para acumular dinheiro, muitas horas de zangyô pode não valer tanto a pena, pois, além de cansativo, a propensão ao stress e à depressão torna-se muito alta. Desse modo, quando os chefes pediam 5 horas extras no dia, o que significava sair às 22:20hs, grande parte das dekasseguis não aceitava ou fazia apenas 3 ou 4 horas, sobrando na fábrica quase somente as arubaitos, que precisavam de dinheiro mais rapidamente.

A rotina dos brasileiros residentes no Japão é muito diferente da imagem que se tem no Brasil. Enquanto alguns evitam trabalhar mais do que 8 horas diárias e nos finais de semana, outros chegam a virar madrugadas no ritmo frenético das fábricas, padarias e bentoyas (fábricas de alimentos), chegando a trabalhar mais de 20 horas num só dia. Esse excesso de trabalho acaba por comprometer o corpo, devido à falta de exercícios físicos e a má alimentação, a integração familiar e os relacionamentos pessoais, e o próprio desenvolvimento cultural da pessoa. No decorrer do período em que trabalhei, tornava-se cada vez mais difícil travar uma conversa que não fosse referente à produção de aparelhos celulares no dia, ao cansaço e às dores no corpo, bem como a mudança das datas de passagem que as arubaitos vinham tentando modificar. Pude perceber como era raro ouvir alguma conversa por parte das dekasseguis acerca de cinema, música, cultura, etc, mesmo porque as pessoas que estavam ali, com exceção das baitos, não haviam tido muitas oportunidades de estudo e trabalho enquanto viviam no Brasil. Por esse motivo, a maioria delas não conseguia compreender a razão de estudantes universitárias, provindas da classe média e sustentadas pelos pais irem até o outro lado do mundo para sofrer com o trabalho braçal e as broncas de chefes japoneses.


Com o aumento dos pedidos de encomenda para a fábrica, as horas de zangyô começaram a aumentar. Depois das primeiras semanas trabalhando 13 horas por dia de domingo a domingo, o cansaço já estava sendo demais para mim. Tornou-se comum ouvir dizer que alguma das meninas havia chorado devido ao cansaço em determinado dia. Passei a entender por que nas revistas de distribuição gratuita destinada aos brasileiros havia tantos artigos de auto-ajuda, e como era fundamental ler algo do tipo para tirar forças daquele sofrimento.





Comecei a freqüentar a igreja católica de Hamamatsu nas noites de sábado, convidada por uma dekassegui que há quatro anos morava com o pai no Japão. A igreja, muito diferente das brasileiras, ficava distante do centro e de acesso um pouco difícil. Nesse dia da semana, a missa era voltada aos brasileiros, e lá pude perceber a preocupação em torno da desintegração familiar cada vez maior das famílias brasileiras devido ao fácil acúmulo de dinheiro e ao excesso de horas de trabalho. É comum alguns membros da família trabalharem de yakin (de madrugada e com adicional noturno), enquanto outros trabalham de hirokin (de dia) ou nikotai (turnos alternados); em conseqüência, o convívio acaba ficando distante. A forma como funciona a relação trabalho e dinheiro gera um tipo de consumismo diverso, visto que o salário se dá por horas trabalhadas. Assim, em vez de converter os preços dos produtos em reais, o que intimidaria qualquer pessoa a comprar um suco sequer, converte-se o valor em hora trabalhada. Pensar que se poderá comprar um computador, um I-pod ou mesmo um carro trabalhando-se um determinado número de horas torna a vida aparentemente mais fácil. Muito do pensamento consumista e materialista, somado à frieza e distância das relações pessoais e familiares explica o grande número de crimes cometidos por brasileiros descendentes, principalmente aqueles da terceira geração, os chamados sanseis.

imagem 1 e 2: celulares produzidos pela fábrica ASTI para a Panasonic (modelo P905i)

site: http://www.nttdocomo.co.jp/product/foma/905i/p905i/gallery.html

10 comentários:

Lidiane Ferreira disse...

OI Larii!!!
Ual, agora entendi como funciona, de verdade. Como vc sobreviveu?!?! Com certeza uma experiência incrível! Te admiro muito por ter passado por tudo isso!
um beijo

Rafael Lacerda disse...

Tenso mesmo...

Assim dá para entender porque outro dia um japonês esfaqueou 17 pessoas, matou sete e disse que fez aquilo porque estava "cansado de viver"

Realmente Lari, tá de parabéns pelo(s) texto(s) e pela fibra de ter feito tudo isso \O

Anônimo disse...

Lari's, seus textos estão melhorando a cada semana. E olha que eu não sou de fazer muitos elogios..
Só não perca o pique, ok?

Até D. Sônia está querendo ler mais! =P

Só uma coisa: o blogger deve ter comido a sua foto com batatas, porque só tem uma imagem no texto. Na legenda vc diz que são duas...

kisu!

Unknown disse...

Lara, vc mentiu qndo disse que ia piora hauhaua
Então..o blogger comeu mesmo, tenta coloca a foto de novo e dps me fala pra edita

Gabriel Carneiro disse...

Lari, eu tenho que te parabenizar. Você é a única colunista semanal que realmente atualiza toda semana, às terças.

Unknown disse...

Na verdade o Pedro e a Marilia (com excessão dessa por problemas dela) tambem postam toda semana sem falta.

Anônimo disse...

If im in the situation of the owner of this blog. I dont know how to post this kind of topic. he has a nice idea.

Pedro Zambarda disse...

Gabriel, eu atualizo às quintas.

Mesmo sendo cronista.

Gabriel Carneiro disse...

Na verdade, referia-me à coluna polêmica do Thiago, e a da Marília.

Unknown disse...

A Marilia teve problemas pessoas e as minhas eu alterno: Uma segunda a de esporte e na outra a Tanto por tão pouco. Essa semana foi a de esporte

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